Tornar-se Mulher

Publicado por: Milu  :  Categoria: PARA PENSAR, Tornar-se Mulher

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“Não se nasce mulher: torna-se.”

Simone de Beauvoir

 

 

Apontamentos recolhidos na leitura do livro “A Memória, a Obra e o Pensamento de Maria Lamas

 

Regina Marques

“Em muitos países o movimento feminino não atingiu ainda o seu máximo desenvolvimento e a sua completa finalidade. É certo que as mulheres que lutam pela total dignificação do sexo feminino constituem quase sempre, uma minoria. Mas isso não diminui nem a importância nem a justiça das suas reivindicações” (p. 8).

O combate de hoje – contra as desigualdades e injustiças sociais, pela inserção da mulher em todas as esferas da acção política, pela dignificação das mulheres e valorização das suas competências, pelo respeito dos seus direitos como direitos humanos – tem as suas raízes neste heróico trabalho – pensamento e acção – de Maria Lamas, e de tantas mulheres do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, da Associação Feminista para a Paz e tantas outras organizações que se sucederam” (p. 8).

Ana Paula Ferreira

“Em “A Vindication of the Rights of Women (1792), considerado o texto fundador do pensamento feminista moderno no mundo ocidental, Mary Wollstonecraft denuncia como a posição de inferioridade ocupada pelas mulheres na sociedade é resultado de uma série de “causas recorrentes” e não de qualquer atributo inerente ou “natural”. Entre essas, salienta a má formação familiar, a educação deficiente, a falta de direitos de propriedade, a exclusão da esfera pública, e os efeitos nocivos de uma cultura literária dominada pela ideologia do amor romântico, que faz das mulheres escravas do sentimento incapazes de discernir ou analisar friamente a falsa imagem da realidade pintada por maus romances” (p. 15).

“Os anos trinta, com a instituição do Estado Novo e o desenvolvimento do aparelho de propaganda fascista sobre a mulher e a família viriam, com efeito, privilegiar o papel social da leitora visada na revista dirigida por Maria Lamas. À dona de casa, enquanto esposa e mãe ocupando o centro moral da célula familiar, unidade mínima e base do regime corporativo, ser-lhe-ia atribuída a principal responsabilidade no projecto nacionalista de regeneração dos costumes e re-cristianização da nação. Daí a importância que as mulheres fossem “re-educadas” para preencher um papel não só reformado mas essencialmente reformador com relação aos supostos excessos de liberalismo e individualismo da Primeira República. Para esse efeito são mobilizados os movimentos femininos do regime, a Obra das Mães para a Educação Nacional (OMEN), cujas actividades tiverem início em 1937, e a Mocidade Portuguesa Feminina, fundada um ano mais tarde” (p. 25).

“Central a esses dramas, se não mesmo a raiz da grande maioria, é a contínua dependência feminina, promovida por toda a cultura patriarcal, no mito do amor romântico. Conforme antes referimos, a denúncia do amor romântico é a base que une feministas liberais e conservadoras da viragem do século, mas a inflexão agora é outra. Já não se trata de promover a educação com o fim de dignificar e, mais que tudo, preparar a mulher para o seu papel de mãe ou, na perspectiva de feministas mais radicais, para alcançar interdependência económica por meio do trabalho, caso escolha não se casar. As ficções de autoria feminina que (cor) respondem ao período de institucionalização do Estado Novo tendem a denunciar as falsas expectativas ou ilusões românticas que a mulher leva para o casamento, sendo este o destino que é compelida a seguir por condicionamento cultural e contingências (ou meramente ambições) sócio-económicas” (p. 26).

“Acho difícil ser sincera e ser mulher” (p. 28).

Estado Novo sobre família: “família, como fonte de conservação da raça, como base primária da educação, da disciplina e harmonia social e como fundamento da ordem política e administrativa” (p. 29 na nota de rodapé).

“(…) ideologia natalista do Estado Novo, responsável por incutir nas mulheres a crença de que se devem esquecer de si próprias e serem, primeiro que tudo, mães” (p. 32).

(…) quando a narradora menciona prévias relações extra-conjugais: nelas parece ter protagonismo o desejo da mulher; a mãe ficou em casa. Mas é justamente aí onde a ideologia do Estado Novo determina que a mulher deve permanecer, e repreendida pelo erro de querer gozar do prazer do seu corpo como se fosse uma amante e não a santificada mulher-mãe” ( p. 32).

“Mocidade Portuguesa Feminina: «Sê-de mulheres, cumprindo-vos como mãe»” (nota de rodapé p. 32).

“(…) evitar os filhos seria não só ir contra a natureza e “a vontade de Deus”, mas confundiria “a Esposa e Mãe com a amante”, encorajando “as maiores depravações” e o adultério” (Luís Vicente Batista, “Valores e Imagens da Família em Portugal nos Anos 30”, op.cit., p. 210. Nota de rodapé p. 32).

“O amor não passa de um instinto fisiológico que a imaginação espiritualiza e embeleza” (p. 34).

“Maria Lamas fará a partir de então ao Estado Novo por se assumir como defensor da “mulher portuguesa” quando, na verdade, é o seu carrasco, incluindo daquelas que defendem as suas medidas repressivas seja por conveniência ou intimidação. Esta tomada de posição começa a perfilar-se publicamente em 1945, quando, após o final da Segunda Guerra Mundia, já com 52 anos, Maria Lamas regista o seu nome em apoio da formação do Movimento da União Democrátiva Juvenil” (p. 37).

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Dulce Rebelo

“A nível internacional, o feminismo estrutura-se e consolida-se nos inícios do século XX tanto nos Estados Unidos da América como em países da Europa, nomeadamente Grã-Bretanha, França, Bélgica e desenvolve uma actividade empenhada na reivindicação do sufrágio feminino” (p. 44).

“As diferentes tendências que se desenvolvem no período entre as duas grandes guerras, que influiu enormemente na alteração dos costumes, com os homens a combater e as mulheres a substituí-los no trabalho, fomentam o aparecimento de grupos feministas . Em França destacam-se as Radicais, que investem nos direitos cívicos e as Moderadas, que pretendem obter os direitos civis. Mas há ainda outros grupos apelidados de individualistas, ascendendo nos países anglo-americanos, que apostam essencialmente nos direitos humanos e na procura pessoal da independência” (p. 44).

“O feminismo português, chegado tardiamente a Portugal, na segunda década do século XX é formado por um grupo de mulheres da burguesia, com formação superior, que revelam grande determinação na sua militância a favor duma sociedade diferente, onde as mulheres tenham igualdade de direitos com os homens, onde se criem melhores condições de vida” (p. 44).

“O movimento feminista em Porugal é sempre um movimento moderado, nunca declaradamente subversivo, nem violento, procurando alcançar os seus objectivos mais pela força da persuasão do que por manifestações públicas ruidosas. Nos discursos das feministas portuguesas, nos atos que empreendem vai sempre pesar o constrangimento exercido pelas mentalidades da época, muito difíceis de ultrapassar” (p. 45).

“Em 1909 é de relevar a criação da “Liga Republicana das Mulheres Portuguesas” em que se notabilizaram figuras como a médica Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório, escritora de renome que se empenhou na alteração da situação jurídica da mulher. Maria Veleda, professora que desenvolveu grande atividade de propaganda republicana e tratou problemas feministas e pedagógicos. Ana De Castro Osório, que chegou a liderar, em 1911 a Associação de Propaganda Feminista considerava que a educação feminista era muito importante, podendo tornar-se numa mais valia para as mulheres. As Sócias da LRMO reivindicam o direito ao voto, mas de forma tímida, dirigido apenas às mulheres diplomadas, escritoras, comerciantes com certo estatuto” (p. 46).

“Em 1914, Adelaide Cabete fundava o “Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas” que era um ramo do International Council of Women” (p. 47).

“O regime de Salazar é explícito quanto ao papel da mulher. O artigo 5º da Constituição de 1933 ao estabelecer os princípios da igualdade dos cidadãos perante a lei, acrescenta “salvos, quanto à mulher as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família ( p. 50).

“O fascismo português, associado ao catolicismo, atraiu as mulheres para as suas organizações e instituições onde poderiam dedicar-se a práticas de caridade e de assistência social. Era importante ter as mulheres do lado do regime” (p. 50).

“Maria Lamas na sua resposta , em 1935 (“O Diabo, nº 76, 8 Dez, p. 4) considera que no geral a “nova mulher é só exterior, maquilhagem, figurino, conforme o último modelo de Hollywood.
Quanto ao feminismo responde de forma explícita:
«de um modo geral estou fora do problema do feminismo – porque não o compreendo nem o sinto como a maioria das mulheres. Não me interessa, por exemplo, a luta pela conquista dos direitos políticos, pois só a política humana merece a minha atenção de mulher».
Eugénio Ferreira, que veio a ser uma figura de realce da cultura angolana, conheceu Maria Lamas em 1937. Colaborou no “Modas e Bordados” e foi muito apoiado em momentos difíceis pela jornalista, de quem se tornou amigo e com quem trocou correspondência assídua quando do exílio dela em Paris. Em 1937 traça de M. Lamas o seguinte retrato:
«A sua conduta jornalística, as suas atitudes políticas, a sua orientação fundamentavam-se num profundo sentimento de humanidade e solidariedade com todos os oprimidos do mundo, mas sem definição de uma ideologia política” (Monteiro, 2004, pp. 71.72)pp. 52.

“E chegamos a 1945, ano em que M. Lamas, segundo a sua própria declaração, vai realizar o seu primeiro ato político, assinando as listas para a fundamentação do Movimento de Unidade democrática (MUD) juvenil. Nesse mesmo ano redige um artigo intitulado «Algumas Palavras às Mulheres Portuguesas» que tem como objectivo a consciencialização dos direitos da mulher (“Alma Feminina”. Nº 14, Nov, 1945,pp. 1.2). p.53.

Eugénia Vasques

“Aliás, a «frustração» é, para Maria Lamas, conceptualmente, uma característica das mulheres. Em 1976, em entrevista a Maria da Graça Varela Cid, para a homenagem do MUTI, ML afirmava: “Verifiquei que a mulher é um ser frustrado… se a Revolução de Abril não tivesse trazido mais nada útil, trouxe… em especial à mulher, a consciência de si própria e, simultaneamente, das suas frustrações. E ter consciência das suas frustrações é já um princípio de luta. Pode ser a recusa do irremediável. Tem de tornar-se na recusa do estabelecido e do convencional” (MUTI, s/p). p. 59.

“Essa frustração das mulheres seria fruto dos condicionalismos sócio-culturais, e reflectir-se-ia numa quase impossibilidade da mulher ser sincera no romance, um género social e colectivo, por excelência, que Maria Lamas opõe à poesia: “Porque os versos são feitos com a minha alma, tão sentidos que seria… uma profanação atirá-los para as montras da livrarias” (p.59).

Ninguém diz toda a verdade. Há sempre qualquer coisa que se esconde e até a nós próprios recusa mostrar-se tal como é. Mesmo quando se apregoam crimes e baixezas há no que se escreve falsidade romântica. Podem contar-se factos isolados; não se conta uma vida. Por entre os acontecimentos que marcam os pontos culminantes de uma existência, escapam-se factores quase imponderáveis, reacções, tumultos íntimos, erros, misérias, embates e animalidades que nenhuma voz humana se atreveu ainda a confessar… Certamente, também se dissimularam aqui e ali mesmo sem eu dar por isso, verdades desagradáveis para a minha vaidade ou tão rastejantes e feias na sua vulgaridade, que as releguei para o inconfessável”. (Ver e Crer, p. 112). p. 59.

“Acho difícil conciliar as duas coisas [ser sincera e ser mulher]. Porque exactamente ser sincero é não alterar a verdade, não dizer meias verdades… ter a coragem de confessar os próprios anseios, fracassos e ilusões. É difícil porque, por muito que se queira, a mulher é muito vulnerável por causa da maternidade… Além disso dificilmente se consegue ser sincera até consigo própria, pois o atavismo e a educação impedem-na de encarar com naturalidade as suas necessidades fisiológicas no domínio sexual. Aliás, a religião tem contribuído para isso, ligando sempre a mulher à noção de pecado (cit. In Maria Leonor Varela, “Das Mulheres à Mulher (Fragmentos de uma Investigação”), capítulo II s/p.) p. 60.

Fernanda Mateus

Porque a cinquenta anos de distância da realização desta Exposição, que procurou afirmar que a mulher existia, pensava e agia, continua a ser indispensável mostrar às mulheres, à sociedade e ao poder político a realidade concreta com que no século XXI as mulheres se confrontam no seu dia a dia. Realidade que é tantas vezes camuflada pelos importantíssimos avanços nas leis, que foram dados no reconhecimento das capacidades intelectuais das mulheres e no justo direito à igualdade em todas as esferas da vida. Realidade concreta das mulheres que é tantas vezes camuflada pelos importantes sinais de mudança na sociedade. Porque muitas mulheres saem das Universidades, porque ganham merecido reconhecimento na cultura e em várias esferas da vida. Mas são tantas vezes ignoradas as razões que levam à persistência das discriminações na família, na sociedade e na vida social e política” (p. 71-72).

Margarida Tengarrinha

“Pacto do Atlântico Norte (NATO), instrumento do imperialismo americano na sua política de domínio do mundo e contenção ao avanço do socialismo no Mundo.
Já em 1946, no I Congresso Mundial das Mulheres, quando foi fundada a Federação Democrática Internacional das Mulheres, as participantes tinham concluído que a luta pela paz estava indissoluvelmente ligada à luta em defesa dos direitos fundamentais da Mulher” (p. 81).

“O II Congresso da Federação Democrática Internacional das Mulheres, em que Maria Lamas também participou, realizou-se em 1948, ano em que saíu o primeiro fascículo de “Mulheres do meu País”. Quando em 1953, se realizou em Copenhaga o III Congresso Mundial das Mulheres, já Maria Lamas era há vários anos membro da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático, tinha sido presa e julgada com outros membros dessa Comissão e subscrevera o documento fundador da Comissão Nacional para a Defesa da Paz (em 1950)” (p. 82).

“Terminado o Congresso, (Congresso Mundial da Juventude) que se realizou em princípios de Junho, Maria Lamas foi a Budapeste onde seria eleita para o Conselho Mundial da Paz” (p. 83).

“Dez anos mais tarde, em Junho de 1963, realizou-se o V Congresso Mundial das Mulheres, em Moscovo, Maria Lamas era a chefe da delegação, de que faziam parte Georgette Ferreira, Alice Sena Lopes, Laura Cunha e eu própria” (p. 83).

“Avizinhava-se o desencadear de uma guerra feroz que o imperialismo americano vinha preparando. Nos dois anos anteriores (1961-62) o governo americano tinha começado a enviar conselheiros de guerra e forças militares para o Vietname em que o apoio ao regime de ditadura reaccionária que vigorava no Sul e iniciara provocações contra a República Democrática do Vietname Norte. As vietnamitas presentes vinham das duas zonas e as que vinham do Vietname do Sul, valentes lutadoras contra o regime reaccionário que ali vigorava, denunciaram as violências e prepotências cometidas pelos militares norte-americanos ali instalados e transmitiram o desejo de reunificação da população do Sul, oprimida por um regime opressor e despótico apoiado pelos Estados Unidos da América. As resoluções do Congresso expressavam o desejo da Paz das Mulheres de todo o Mundo, denunciavam a escalada das provocações e ingerências dos EUA no Vietname exigindo que cessassem e fosse eliminado o perigoso foco de guerra ali ateado pelo imperialismo. Poucos meses depois, helicópteros americanos, violando o direito internacional, bombardearam o Vietname do Norte, fazendo as primeiras vítimas duma guerra que iria prolongar-se por mais de dez anos” (p. 84).

“Nas suas intervenções e nos seus escritos define-se claramente a consciência de que a luta pela igualdade de oportunidades, contra a discriminação, pela eliminação dos preconceitos, a luta pela emancipação da mulher está indissoluvelmente ligada à luta geral da Humanidade progressista por uma sociedade mais justa, mais humana e igualitária” (p 85).

Sofia Branco

“Não pude deixar de lamentar que a RTP não revele ao público mais vezes as peças do seu inestimável tesouro histórico. Não há muitos registos de mulheres feministas e que lutaram pela liberdade, figuras durante muito tempo menosprezadas pela televisão. Mas, os que existem deviam ser dados a conhecer. Isso seria um verdadeiro serviço público, já que, infelizmente, a vida destas mulheres precursoras também não consta dos livros da escola, porque a História, escrita por homens, sobre os homens e para os homens, tratou de apagar os seus feitos. Face a esta ocultação, a comunicação social tem a responsabilidade acrescida de dar a conhecer estas mulheres “esquecidas”, tem mesmo o dever de não deixar morrer a sua história” (p.87).

“M. Lamas – Pragmática, dizia que «o amor realiza-se fora ou dentro do casamento, mas não dura sempre». E citava Florbela Espanca para referir que é possível «amar sem amar ninguém», podendo-se simplesmente «amar a vida»” (pp. 88-89).

“Nas palavras de Ana Barradas, que inclui Maria Lamas no seu “Dicionário Incompleto de Mulheres Rebeldes”, “no meio provinciano e pequeno burguês em que vivia, esta atitude indiciava já a coragem e inconformismo que se lhe conheceram ao longo de toda a vida” (p. 89).

“Maria Lamas era, fundamentalmente, uma humanista. E, nesse sentido, uma pacifista também, tendo sido eleita para o Conselho Mundial da Paz em 1953. Procurava, como ela própria dizia, um «horizonte de claridade e de justiça», que ambicionava alcançar através do sonho e da acção individual – «a única coisa que vale a pena na vida é sonhar e lutar», achava” (p. 90).

“Defensora dos direitos das mulheres e da igualdade entre os dois sexos, Maria Lamas estendeu a sua luta à democracia, à liberdade e à paz. O seu palco não era Portugal, era toda a Humanidade” (p. 90).

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Regina Marques

Feminista, no sentido transformador de mentalidades, de enaltecimento das mulheres e, de recusa decidida das desigualdades que marcaram as mulheres que estudou, ou com quem conviveu. Feminista, ainda, no sentido em que soube traduzir na prática, o princípio da relação dialética da teoria com a prática e, da complementaridade dialéctica e complexa, da subordinação social, económica e política das mulheres com o seu desejo ardente, de serem mulheres amantes, pessoas de corpo e alma, emocionada e lúcida, desejando sem humilhações, uma maternidade feliz ou uma liberta intimidade” (p. 93).

Chamou-se feminismo à luta das mulheres para alcançarem o reconhecimento dos seus direitos e melhorarem a sua situação na sociedade”, distinguindo-o, das “querelas de mulheres” e de muitas reacções femininas que visavam apenas a “liberdade sexual”. Reconheceu porém que de situações pontuais se tratava, ao acrescentar, de seguida, que as aspirações de mulheres alargaram-se e evoluíram” (p. 94).

“Nós não pretendemos negar, antes queremos assumir, o carácter diverso e múltiplo do nosso próprio objecto de trabalho – as mulheres e a sua condição pessoal, social e política, na diversidade das suas origens, das suas experiências de vida, das suas histórias. São nosso objecto de trabalho, investigação e acção, as mulheres discriminadas, esquecidas, as que querem lutar para melhorar a sua vida. Assumimos, isso sim, que os movimentos das mulheres, são e podem ser, grandes instâncias propulsoras de acção e transformação. E que podem ser importantes atores sociais de criação, de inteligibilidade e compreensão da vida e do mundo. E, assumimos, igualmente, que o papel que nos cabe como Movimento das Mulheres não é, nem pode ser, o de substituir o dos estudos e da investigação académica. Nem tão pouco o papel assistencialista que cabe às instâncias da segurança social ou da saúde” (p. 97).

“Teremos então de exigir ao mundo académico que, o rigor, a seriedade e a objectividade concernentes aos estudos de género – ou se se quiser, sobre as diferenças entre os sexos, ou sobre a igualdade de oportunidades
O conceito de género deverá ser entendido, em nossa opinião, como uma construção social de dimensão histórica, social, cultural como Gisela Bock o define. Não se trata de uma categoria gramatical mas sim de uma variável que tem sempre em conta uma relação (masculino/feminino e o seu contexto)” (Nota de rodapé. p. 98).

“Proporemos um paradigma alternativo ao da feminilidade biológica mais ou menos exaltante de virtudes, qualidades e competências femininas, a um outro, que recomeça a experiência das mulheres – trabalhadoras, desempregadas, operárias, camponesas, professoras, intelectuais, domésticas ou empregadas de serviços, e tenha em conta os seus saberes inseridos e integrados nas complexas questões da política sectorial, local e global para a educação, o trabalho, a saúde, nomeadamente. Defendemos um paradigma que aliando a Experiência e os Saberes das mulheres, os articule criativamente, entre e dentro das realidades sociais e políticas, com os demais actores sociais e políticos, no espaço público e no espaço privado; um paradigma que reconheça que o Século XX, como o século das mulheres, não poderá ser interrompido nem fracturado com retrocessos nos direitos, nas aspirações e no desejo de realização pessoal e política das mulheres como seres humanos (p. 99).

“Cumpre-nos propor uma acção dinâmica e convergente para a construção de um paradigma feminista que de forma incessante deve equacionar, discutir, problematizar a esfera pública e privada onde mulheres e homens desejam assumir a sua quota parte de poder e responsabilidade e, ao mesmo tempo, deve alargar a noção de Estado de Direito, com o reconhecimento do direito das mulheres a serem sujeitos e não objectos, com todo o sentido moral e ético que a subjectividade comporta” (p. 99).

“Como Sujeitos – libertas, ativas e intervenientes, sem arbitrariedades ou arrogâncias, com sabedoria e modéstia, estamos aptas a procurar com o nosso movimento de mulheres e com outros, porventura parceiros neste gigantesco caleidoscópio de divergências e contradições que é hoje e será nos próximos tempos o feminismo, transformar as mulheres para transformar as sociedades (p. 99).

Bibliografia

MARQUES, Regina (Coord.). (2008). A memória, a Obra e o Pensamento de Maria Lamas. Movimento Democrático das Mulheres. Edições Colibri.