“O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.”
Mario Quintana
Apontamentos que retirei durante a leitura do livro de Alcino Cruz intitulado “O Erro do Evolucionismo. O Homem nunca foi macaco”.
O DUALISMO ANTROPOLÓGICO – ALMA E CORPO – DO PENSAMENTO HELENISTA
“O dualismo antropológico é uma realidade que irá marcar todo o pensamento ocidental até aos nossos dias. Nasceu com o pensamento antigo grego, mas viria a ser o Império Romano convertido ao Cristianismo, e de forma paradoxal, a disseminá-lo por todo o Ocidente” (p. 29).
“No pensamento antigo do grego Homero, o morto é um corpo sem força vital, sem alma respiratória. Esta abandona o homem quando ele morre. Mas convém não esquecer, como dirão os órficos, que o corpo, mesmo sem vida, é já um «sepulcro da alma». A alma nesta conceção é extremamente valorizada em detrimento do corpo” (p. 29).
[Órficos – derivado do mito de Orfeu. Numerosas fontes históricas relatam a existências dos mitos órficos. Ler mais aqui]
“O «Helenismo» significa o encontro do pensamento grego herdado de Homero até Aristóteles com o pensamento da cultura judaico – cristã. O Império Romano é o espaço onde se realiza esta fusão entre o grego e o latim, a qual, irá dar origem a novos termos e novas formas de pensar.”
O NOVO MÉTODO CIENTÍFICO DE BACON E A REDUÇÃO DO HOMEM À SUA DIMENSÃO NATURAL
“(…) o Homem conseguiu granjear para si conhecimentos que de uma forma ou de outra são herança do passado. Por um lado, rompe em definitivo com o pensamento medieval separando, definitivamente, a razão da fé e, por outro lado, vai voltar ao conhecimento deixado pelos gregos, onde a razão assumia papel preponderante.
A antropologia desta época vai, pois, ser, assim, essencialmente, marcada pelos novos desenvolvimentos da ciência experimental (empirismo) e racional (humanismos racionalistas), onde o «Teocentrismo» típico da mentalidade medieval (o homem sempre visto à luz da relação com deus que está no centro de todas as coisas) vai dar lugar ao “Antropocentrismo” moderno. É o homem que passa a estar no centro de todas as preocupações e de todos os estudos. Neste sentido, a originalidade dos filósofos deste período não deve procurar-se nos sistemas que professam mas na atitude que adotam perante o homem e a natureza. Os sistemas filosóficos gregos ganham com eles um significado novo, que tem de qualificar-se de moderno. Efetivamente, a atitude dos filósofos humanistas é, radicalmente, antropocêntrica. O regresso aos filósofos gregos é motivado pelo desejo de encontrar um modelo de humanidade diferente do medieval. No Renascentismo aspira-se a um homem novo, liberto da incultura, da superstição, do obscurantismo, enfim, da mediocridade. Daí que o humanismo renascentista se caraterize pela insistência na educação das capacidades naturais humanas, no desenvolvimento da personalidade, na primazia concedida aos valores estáticos e pelo individualismo, em oposição à cultura medieval, que era, radicalmente, teocêntrica: considerava deus como ponto de referência absoluto de todo o real e, por conseguinte considerava o homem também uma referência essencial a Deus. Todavia as instituições religiosas da época, eram uma afronta aos direitos humanos, uma vez que a sua cultura vivia enclausurada nos seus mosteiros. Ao contrário, o renascimento e a Modernidade caraterizam-se por um antropocentrismo naturalista. Referido ao homem, o naturalismo pode ser definido como a atitude que acentua os aspetos naturais deste, esquecendo ou menosprezando a dimensão e o destino sobrenaturais. Esta tendência naturalista vai ser usada na interpretação de todas as correntes filosóficas gregas. Neste sentido, a filosofia platónica é agora vista como uma espécie de “Religião Natural”, vindo a preceder aquela que é tematizada pela modernidade e, como tal, o homem da modernidade é entendido de uma forma estritamente relacional, ou seja, sem dogmas que refiram a dimensão da relação com o divino. Já não há mistérios nem coisas por conhecer, agora, o homem, usando bem o poder da sua razão, já não está condicionado pelas leis divinas nem pelas superstições, tudo lhe é permitido e não precisa de prestar contas a ninguém” (p. 49 – 50).
“Segundo os humanistas, o homem é senhor do seu próprio destino, é ele quem, livremente, e com autonomia, decide da sua própria conduta” (p. 51).
“O surgimento do novo método científico, criado por Bacon, o qual se centra no âmbito da razão absoluta, tendo como principal objectivo reduzir a atividade científica ao domínio da natureza para proveito do homem. Como filósofo da ciência, Francisco Bacon é a expressão eloquente do otimismo e da confiança renascentista na capacidade do homem para estender mais e mais o seu domínio sobre a natureza. A ideia central do seu pensamento é que o homem pode dominar a natureza e que o instrumento adequado para esse domínio é a Ciência. Para este autor, ao contrário do que dissera Aristóteles, o fim da ciência, não é a contemplação da natureza, mas o domínio desta: «a natureza domina-se obedecendo-lhe», isto é, conhecendo as leis que regem os fenómenos naturais para, submetendo-se a elas, utilizá-las em benefício próprio. Devemos ainda acrescentar que esta atitude naturalista de reduzir o conhecimento humano àquilo que se pode experimentar pelos sentidos vai dar origem ao «Cepticismo»: todo o conhecimento advém das impressões sensíveis e como tal não se podem estabelecer leis universais, imutáveis e absolutas, uma vez que, tudo aquilo que, hoje, aparece como certo, amanhã poderá não o ser se a experiência nos mostrar a descoberta de novas bases que ponham em causa as leis anteriormente definidas. Por esta razão é que a «Ciência» não tem razões absolutas, o que é verdade hoje, amanhã pode ser mentira. Deste modo, nada se pode conhecer com absoluta certeza e do divino não faz sentido falar, porque não o podemos sentir. Do homem, a única coisa que os teóricos cépticos podem dizer é que, é um ser que tal como todos os outros animais, nasce, desenvolve-se, reproduz-se, tem uma vida social, envelhece e depois morre. Esta é a natureza do homem que para este autor é semelhante à do animal” (p. 52 – 53).
DESCARTES E A REDUÇÃO DO DIVINO E DO HUMANO À AUTO-SUFICIÊNCIA DA RAZÃO
“No seguimento da linha de pensamento do autor (Bacon) estava aberto o caminho para a expansão da ciência e para o domínio sobre o real. A razão científica era a nova bíblia e viria a ser a grande bandeira do Iluminismo. Os termos racionalismo e racionalista são usados frequentemente, não apenas em filosofia, mas, também, na linguagem comum. Se perguntássemos a qualquer pessoa estranha à filosofia que significam tais termos, talvez nos respondesse que o racionalismo é a atitude que atribui uma importância e um valor fundamentais à razão. E assim é, de facto, a tal ponto, que o conhecido filósofo francês Descartes definiu a essência do homem como substância pensante (res cogitans)” (p. 53).
“O que Descartes diz é o seguinte:
a) é no pensamento, na atividade do pensamento puro (sem ligação à experiência) que se encontra a raiz de todo o conhecimento válido;
b) Descartes dá um peso e uma importância ao sujeito, relativamente, ao objeto, que nenhuma outra filosofia dera até então: se o cogito é a primeira das verdades, se a certeza e a evidência estão nas nossas representações, o objeto (mundo) exterior ao cogito fica sempre incerto e duvidoso. Mas Descartes, como cientista e matemático que é, acredita na realidade do mundo e no conhecimento da ciência e como tal não pode permitir esta incerteza ontológica. Dessa forma, resolve o problema do modo seguinte: Ao contrário de Kant que afirma a incapacidade do intelecto em conhecer realidades numenais, admite a intuição intelectual, que penetra o que se esconde para lá dos fenómenos, ou seja, a essência ou substância. E, deste modo, concebe o «eu» enquanto o res cogitans, ou substância pensante, situando-se no plano metafísico, isto é, conhecer o «em si» desse «eu» (essencialidade) que a simples análise fenomética não atinge” (p. 54 – 55).
“O termo Iluminismo é uma categoria historiográfica, unanimemente, admitida, dentro da história e da filosofia e da cultura em geral, para designar um movimento de ideias que se situa no século XVIII, entre o Barroco e o Romantismo, e que influencia poderosamente a sua época. Mas em termos filosóficos podemos dizer que podem classificar-se de iluminismo todas as épocas em que a atitude cultural dominante é racionalista, num sentido de uma razão que tenta impor-se a si mesma, abandonando o seu próprio juízo, como única construtora do homem: assim, se considera o Iluminismo da época da sofística grega” (p. 67).
“Marx não tem dúvida em afirmar que o Homem está no centro da existência, a evolução da humanidade é determinada pela oposição do homem e da natureza, pelo conflito entre o indivíduo e a sociedade e, sobretudo, pela luta de classes.
Todo o curso histórico depende, afinal, da infra-estrutura económica: o conjunto dos modos de produção da vida material, a natureza e o estado das forças produtivas constituem a base real do devir histórico. Segundo este autor, mudando o seu modo de produção, a sua maneira de ganhar a vida, os homens mudam todas as suas relações sociais e constroem-se a si mesmo. É visto que o ser social do homem determina a sua consciência, todos os aspetos da sua vida cultural serão determinados por estas transformações” (p. 71 – 72).
“(…) o período Iluminista deu origem ao movimento empirista, o qual reduziu o homem à dimensão biológica: só aquilo que provém da experiência sensível, e pode ser demonstrado (com certeza) pela ciência, é verdadeiro. Por este facto, como de Deus e da dimensão espiritual não se tem experiência sensível, não se pode conhecer, e em última análise nada nos garante a sua existência. É, neste sentido, com naturalidade, que se investiga o funcionamento do corpo humano como se de um animal se tratasse” (p. 79).
“As ciências naturais são explicativas e, para elas, explicar consiste em estabelecer relações constantes ou necessárias entre os fenómenos observados, isto é, em captar o que há de uniforme e repetível no comportamento dos fenómenos. Deste modo, formam-se assim as leis naturais“ (p. 78).
“(…) o comportamento do homem é expressão da liberdade humana e por isso não se pode prever esse comportamento tal como se prevê a partir de um determinado aumento da temperatura a dilatação do ferro” (p. 78).
A TESE DARWINISTA DA «SELEÇÃO NATURAL» E A RECUSA DE UMA LEI UNIVERSAL PARA A NATUREZA.
“A teoria da evolução é uma hipótese científica que tem por objetivo explicar a origem das espécies e a diversidade da vida por meio de processos e mecanismos identificáveis pelos métodos correntes em Biologia, nomeadamente, a experimentação. Os factos que inspiram a ideia evolutiva são os parentescos morfológicos das espécies viventes, o desenvolvimento desigual dos órgãos semelhantes, a relação ou adaptação destes às suas funções e dos organismos ao seu meio, e em especial a distribuição geográfica de formas com rasgos comuns e diferenças características em regiões bem delimitadas como ilhas de um arquipélago. O tema das mudanças e transformações na natureza ocupou sempre os investigadores de todos os ramos, mas as teorias biológicas da evolução tratam de dar uma visão sistemática e global dessas mudanças através dos processos e factores biológicos ao longo da história. Aqui, vamos destacar os naturalistas que mais se ocuparam do tema, e os rasgos mais salientes das suas teorias.
A primeira categoria que tratou de explicar o encadeamento dos organismos na Natureza é de começos do século XIX e deve-se a Jean B. Monet de Lamark. A sua noção de evolução na atribuição do crescimento e regressão, observadas em órgãos homólogos de muitos animais, ao uso e desuso e na crença dos carateres adquiridos. Por volta de 1815 anuncia aquilo a que chamou as quatro leis da vida:
1) a vida por suas próprias forças, tende, continuamente, a acrescentar o volume, as dimensões e a organização do vivente até a um limite que ela mesma determina;
2) a produção de um novo órgão deve-se a uma necessidade a a um novo movimento com que o organismo responde a ela;
3) o desenvolvimento e a força de cada órgão é proporcional ao seu uso;
4) tudo o que foi adquirido, traçado ou mudado na organização dos indivíduos no curso da sua vida conserva-se e transmite-se por geração.
A teoria de Lamark que partindo do biológico, tratava, também, de dar valor filosófico resume-se nos princípios da ação do meio como origem de toda a mudança e da hereditariedade de todo o caráter adquirido ou modificado: posteriormente, a influência do meio e a adaptação como resposta sofreriam muitas precisões ainda não muito bem compreendidas nos nossos dias, e a hereditariedade ficaria reduzida a certas mudanças dos cromossomas e das células germinais. Em 1858 C. Darwin e Alfred R. Wallace consideram, simultaneamente, que as mudanças nascem, espontaneamente, no material hereditário e o papel do meio ambiente é extrínseco ao processo e negativo, ou seja, um papel de seleção ou prevalência da descendência do melhor dotado frente aos menos dotados que se eliminam. Darwin é influenciado pela teoria da «luta da existência» cuja ideia principal é o crescimento demográfico segundo as ideias de Malthus: o meio seria condição e não a causa” (p. 70 – 80).
“Darwin foi o primeiro a considerar o evolucionismo num sentido mecanicista e, nesse sentido, a novidade não se situa na teoria da descendência mas sim na teoria da selecção natural. Segundo este autor, o que põe em marcha a evolução e de onde procede o facto de que nem sempre se mantenha no mesmo nível, mas que é uma evolução ascendente, em que se produzem espécies cada vez mais diferenciadas e superiores” (p. 83).
“(…) surgem as teses de Malthus segundo as quais «a luta pela existência» domina, intrinsecamente, a humanidade. Uma vez que para um «lugar ao sol» cada vez há mais pretendentes. A população terretre aumenta, embora o espaço da terra continue a ser o mesmo e apenas pode alimentar um número limitado de homens, e, desse modo, a luta pela existência agrava-se cada vez mais com o decurso do tempo. Segundo Darwin, uma luta semelhante pela existência domina também o reino animal. E aquilo que Malthus tinha profetizado como uma etapa futura no reino humano, é uma realidade no reino animal: cada espécie animal se enriquece cada vez mais no sentido de lhe permitirem as condições externas de vida. Dos descendentes de cada par sobrevivem apenas alguns, ou seja, os mais fortes. Mas estas conclusões são fruto daquilo que em lógica se chama a falácia da generalização apressada, ou seja, a partir da observação de um caso particular, generaliza-se para todos os casos que se situam nas mesmas circunstâncias” (p. 86).
“O homem não pode ser reduzido à natureza, pois, as leis que o governam não são, apenas, leis naturais mas são, também, espirituais e respeitam o plano inteligente da Lei Universal” (p. 89).
“O Darwinismo implica a extensão das suas teorias, também, ao homem. O homem compartilha com todos os demais seres vivos o facto de proceder de um outro ser vivo. A semelhança entre o homem e, sobretudo, o macaco, reclama um parentesco de sangue. Segundo esta tese, há milhares de séculos ou milhões de anos, o homem, num certo momento, ter-se-á separado do animal pela primeira vez” (p. 89).
“É no contexto destas correntes evolucionistas que surge a teoria da Hominização, estudada em todos os manuais de história dos nossos dias. De forma sintética podemos dizer que esta teoria consiste em defender a evolução do homem durante milhões de anos de formas inferiores de vida até chegar ao estado atual. Isto implica afirmar que as nossas civilizações são as mais perfeitas, e que tudo o que aconteceu no passado teve por base o respetivo estado de evolução em que a humanidade se encontrava. Estes autores consideram, por exemplo, que a civilização ocidental atual, é superior, por exemplo, à da Grécia Antiga, ou à dos Incas, pois o fundamento é sempre o mesmo: evoluir de formas inferiores para superiores, quer no domínio fisiológico, quer social, económico, cultural e até mesmo intelectual. O Evolucionismo, defende, irredutivelmente um contínuo progresso para a perfeição, centrado na teoria de que o Homem descende de seres inferiores, os macacos” (p. 90).
“Os espíritos conservadores recusaram sempre esta tese de uma causalidade natural, puramente mecânica, em nome da doutrina da criação dos seres por Deus, a partir do nada. Mas o darwinismo, que estava, totalmente, de acordo com o estilo causal-genético do século XIX, não teve dificuldades em triunfar e em penetrar todas as mentalidades em gera. O conceito de evolução surge como uma palavra mágica que abre todas as portas até agora cerradas ao espírito, e, neste sentido, a realidade passou a ser sempre vista como uma evolução onde, o superior teve origem no inferior, o diferenciado a partir do único, o espiritual a partir do nada” (p. 96).
“As décadas da difusão do darwinismo são ao mesmo tempo as décadas do «Movimento ateu». Não apenas o socialismo se tinha manifestado anti-religioso (como em Marx por motivos éticos), também as ciências naturais que se fortaleciam decompunham cada vez mais as boas consciências. Chegava a nova fé que era chamada a ocupar o lugar da fé em Deus. De facto Moisés ou Darwin era um livro muito lido, apesar da sua pobreza” (p. 96).
“O homem não evoluiu de um ser inferior. A sua interacção com o ambiente e consequente progresso adaptativo ao real difere da dos outros animais: é determinada pela escolha e intenção. O homem, não está vinculado ao ambiente, como acontece com os animais e, desse modo, impõe modificações ao meio adaptando-o a si. Continuamente, produz novas combinações dos elementos da experiência tecnológica e estética do passado, para produzir novos tipos de construção material que alteram o ambiente de novas maneiras, que cria e organiza. Nenhum outro animal possuía ou possui habilidades intencionais, inovadoras e criativas deste género. Logo, o homem, é distinto de todos os outros seres vivos, incluindo o macaco” (p. 122).
“O erro do evolucionismo consistiu, pois, no facto de definir o Homem a partir da comparação com o animal, o que é um paradoxo tão absurdo como é comparar as faculdades do Homem com as dos macacos ou outros seres inferiores” (p. 123).
Bibliografia
CRUZ, Alcino. (2000). O Erro do Evolucionismo. O Homem nunca foi macaco. Campo Grande Editora. Lisboa.