O Mistério dos Amanhãs

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“I know not what tomorrow will bring”. (Fernando Pessoa)

Finalmente lido o livro intitulado “O Quanto Amei Fernando Pessoa e as Mulheres da Sua Vida” da autora Sara Rodi.

Fernando Pessoa, o renomado poeta e escritor português do século XX, foi conhecido por criar vários heterónimos, ou seja, personagens literários com personalidades e estilos de escrita distintos. De notar que os heterónimos não são a mesma coisa que pseudónimos. São personalidades poéticas completas, identidades que, em princípio falsas, se tornam verdadeiras através da uma manifestação artística própria, distinta da do autor original. Assim, cada um desses heterónimos tinha sua própria voz poética e perspectiva única sobre o mundo.

Teve várias mulheres famosas em sua vida, embora tenha sido conhecido por uma existência solitária e introspectiva. A sua vida está rodeada de morte. Primeiro a do pai, que morreu de tuberculose, quando Fernando tinha apenas 5 anos. No ano seguinte, morreu o seu irmãozinho. Tristemente, durante a sua vida morrer-lhe-iam ainda duas irmãzinhas. Muito apegado à mãe, apesar da separação física que o destino lhes foi impondo.

Considero este livro como escrito de uma forma muito bela. Tive momentos em que me emocionei, em que fiquei triste, porque também estou a vivenciar um sentimento de perda, uma fase menos feliz da minha vida. Mas tive outros em que me escangalhei a rir. No silêncio da noite, que é quando realmente gosto de ler, gargalhei com gosto, principalmente com a descrição do episódio em que Fernando Pessoa é levado a um bordel, embora consciente que este livro contém factos reais e outros ficcionados. Mas valeu bem a pena. “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena“. (Fernando Pessoa).

Mortos vivos

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“A árvore, quando está sendo cortada, observa com tristeza que o cabo do machado é de madeira.” (Provérbio árabe)

Continuando na saga das leituras em tempo de férias, eis mais um livro lido quase de uma penada, já que agora, vagar e disposição, é o que mais abunda.

Quis o acaso que, o segundo livro a cair-me nas mãos fosse o romance “O Luto de Elias Gro”, escrito por João Tordo, um autor português contemporâneo e publicado em 2015. Ao longo da narrativa, Elias Gro encontra diferentes personagens que de alguma forma refletem aspetos de sua própria dor e anseios. Cada encontro oferece a oportunidade de explorar o passado de Elias e sua tentativa de reconciliar-se com o que foi perdido. O livro centra-se na história emocionalmente complexa de Elias Gro, um homem atormentado pelo falecimento de sua esposa, que morreu de cancro nos ossos.

O livro desvenda a jornada de Elias através de suas memórias, pensamentos e reflexões com outros personagens. Conforme ele tenta entender o sentido da vida após uma perda devastadora, o leitor é levado a explorar temas como a tristeza, o isolamento, a busca por identidade e complexidade das relações humanas.

A história é ambientada em um período de tempo após a morte da esposa de Gro, quando ele está tentando voltar a viver sua vida normalmente. No entanto, ele é atormentado por lembranças, remorsos e uma sensação de vazio que parece insuperável. À medida que a narrativa avança, ele se encontra envolvido em uma série de eventos que desafiam suas ocorrências sobre a vida, a morte, o amor e a culpa.

O livro explora temas como o luto, a solidão, a busca por sentido na vida e a complexidade das emoções humanas. Através da jornada emocional de Elias Gro, o autor aborda as diferentes maneiras pelas quais as pessoas enfrentam a perda e como ela pode moldar suas vidas de maneiras profundas e imprevisíveis.

“O Luto de Elias Gro” é um romance introspectivo e emocionalmente carregado, que oferece aos leitores uma visão sensível das lutas internas resultantes de uma perda incomensurável. A narrativa é habilmente construída para explorar a psicologia dos personagens e suas relações com o mundo ao seu redor, ao mesmo tempo em que questiona as complicações da vida e da morte.

“O Luto de Elias Gro” é sobretudo uma exploração sensível e profunda das emoções humanas diante da perda e do sofrimento. Através da trajetória do personagem principal, João Tordo tece uma narrativa que examina a caminhada da existência, as maneiras pelas quais as pessoas enfrentam a adversidade e buscam por significado em meio à dor.

“Ele estava doente, tão doente quanto o corpo permite, e eu, acordei demasiado tarde de um sonho cruel, cruzei-me com Cecilia e com o homem pendurado na cruz, e foram estes dois – cada um no seu infinito talento para a teimosia – que me mostraram o caminho. Na verdade, não existe caminho. Convencemo-nos dele e, de tanto fingirmos que faz sentido percorrê-lo, acabamos por descobrir que, na nossa esteira, se apaga como a película de pó que cobre os móveis num quarto cujas janelas alguém acaba de abrir ao fim de anos de esquecimento. Resta-nos prosseguir sem saber para onde vamos, se seremos capazes. Sem a cumplicidade das coisas já vistas, pois essas perdem-se a cada instante. Para isto, e para outros assuntos mais chegados à vida terrena, é que servem estas palavras; mas é sobretudo para isto” (Tordo, 2015:15-16).

“Os pensamentos, como diabos à solta num quarto escuro e abafado, conduziam-me uma e outra vez à mesma conclusão, de que o homem transporta consigo o inferno, e que esse inferno não são os outros mas nós mesmos, quando entregues às nossas ideias mais acérrimas, às nossas intransigências mais cruéis, às nossas dúvidas mais corrosivas” (Tordo, 2015:116).

Bibliografia

Tordo, João (2015). O Luto de Elias Gro. Companhia das Letras. Lisboa

Por outros caminhos

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“Uma mudança deixa sempre patamares para outra mudança”. (Maquiavel)

Em tempo de férias, que é o meu caso, pois estou de férias, há sempre espaço e muita vontade para “devorar” alguns livros. Desta vez, resolvi variar. Não direcionar tanto as minhas leituras que, ultimamente, incidiram sobre a área das Ciências Sociais, nomeadamente na Sociologia. Apercebi-me que, a Sociologia, me dava respostas para questões que há muito me intrigavam, até mesmo desde a minha meninice. Ou seja, fez-me compreender os fenómenos humanos, facto que, de certa forma, contribuiu para o meu empoderamento. Posto isto, quem haveria de ter “calhado na rifa”, para me entreter na lassidão destes longos dias?

João Tordo. Ainda não tinha tido oportunidade de o ler, e quis o acaso que, recentemente, tivesse ouvido alguém tecer rasgados elogios à sua obra . Pois então vamos a isso, pensei de mim para mim. O primogénito foi nem mais nem menos do que “O Livro dos Homens Sem Luz”. Em boa hora, diga-se a verdade, é que já aproveitei algumas ideias que me caíram que nem uma luva…

Pois então, “O Livro dos Homens Sem Luz” é uma obra intrigante e emocionante escrita por João Tordo, um renomado autor português. Publicado em 2011, o livro mergulha o leitor em uma jornada literária que abrange diversas temáticas, como a complexidade das relações humanas, a busca por sentido na vida e a exploração das dificuldades da psique humana.

A trama do livro gira em torno de personagens que, de alguma forma, estão em busca de respostas para questões existenciais. O título em si, “O Livro dos Homens Sem Luz”, sugere uma exploração da natureza da humanidade e uma jornada em busca de sabedoria e iluminação. João Tordo utiliza uma narrativa envolvente para abordar os desafios emocionais e espirituais enfrentados pelos personagens, permitindo que o leitor se conecte com suas lutas internas. O livro é conhecido por sua prosa poética e profundidade psicológica. João Tordo mergulhou fundo nos pensamentos e sentimentos dos personagens, oferecendo uma visão rica e complexa de suas vidas interiores. Através dessa abordagem, ele cria uma atmosfera densa e reflexiva que convida o leitor a contemplar as questões fundamentais da existência. Além disso, a trama é habilmente construída, alternando entre diferentes perspetivas e momentos temporais. Essa estrutura narrativa mantém o leitor envolvido, revelando gradualmente os segredos e conexões entre os personagens. A escrita de João Tordo é carregada de simbolismo e de metáforas, proporcionando várias experiências de interpretação e incentivando a reflexão sobre os temas abordados.

Assim, “O Livro dos Homens Sem Luz” não é apenas uma obra de ficção, mas também uma exploração filosófica e espiritual. Ao longo do livro, os personagens são confrontados com dilemas morais, conflitos internos, a procura por um sentido mais profundo em suas vidas. Essa busca pela iluminação e pela compreensão do eu interior é uma constante ao longo da narrativa. No geral, “O Livro dos Homens Sem Luz” é uma leitura enriquecedora para aqueles que apreciam uma prosa reflexiva. João Tordo construiu um mundo literário rico em emoções e questionamentos existenciais, oferecendo aos leitores uma oportunidade de explorar as complexidades da natureza humana e as várias facetas da luz que brilham em cada um de nós.

“…«Estiveste, há pouco tempo, no mesmo lugar que a tua mulher e a tua filha. Um restaurante. Entre a tua mesa e a delas existia não mais do que o espaço de três passos largos. O que seria de esperar de um homem era que tudo fizesse para as recuperar, para as trazer para junto dele. A tua única reacção, no entanto, foi fugir. Claro, os motivos das tuas acções pertencem-te apenas a ti – medo, cobardia, indiferença, tanto faz – e são indescortináveis. Mas as consequências das tuas acções trazem-te ao ponto em que estás agora, de arma em punho, considerando tirares a tua própria vida, quando um pequeno gesto bastaria para que tivesses recuperado o que te pertencera»”

«Não acredito nisso. Mentes.»

«Achas que te minto? Dou-te outro exemplo: Lembras-te de, a certa altura, seguires o teu amigo do prédio em frente?»

«Sim.»

«E recordas-te de uma tarde em que, por acidente ou não, chegaram a trocar palavras?»

Uma espécie de vergonha miudinha invadiu-me. Murmurei algo indistinto.

«Tiveste nesse momento outra oportunidade de estabelecer contacto, de quebrar o isolamento, de reconheceres um outro como alguém que existe fora de ti. O que te estou a tentar mostrar é isto: a tua vida dependeu apenas da tua vontade, e tu fugiste-lhe em todos os momentos. Preferiste a tua reclusão e escolheste o desespero em vez de reconstruíres o mundo em teu redor. Não tens um único amigo e não conheces ninguém. Vives como um condenado, fechado num quarto de cortinas cerradas, aguardando o fatídico dia em que irás desaparecer, anónimo e ausente, da memória de outros. Para trás deixarás nada, ou menos do que nada. Por tua vontade tornar-te-ias um fóssil , uma pedra sem nome, antiga como a criação, sem outro destino senão estar enterrada no fundo do mar, ou ser chutada ao acaso por entre rochas cobertas de visco. Creio que é justo, e corrige-me se estiver enganado, quando te digo que não passas de um fantasma.»” (Tordo, 2011:73-74).

Bibliografia

Tordo, João. (2011). O Livro dos Homens sem Luz. Dom Quixote. Alfragide.