“A opressão não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”
Simone Beauvoir
Para quem me lê, não terá passado despercebido, que canto loas à libertação da mulher. Que ela seja o que entender, a sua heroína, o seu ídolo, que se ame, que se mime, que aprenda a viver com orgulho de si mesma.
Que tenha paz, finalmente.
Para tal, vou contribuindo com a minha parte, publicando textos esclarecedores, através dos quais será possível compreender que tudo, e como tudo, à nossa volta, assenta em construções sociais, elaboradas de forma a defender os interesses de apenas uma parte da humanidade – os homens – eles que, também, são umas vítimas, se bem vistas as coisas. Ora, se tudo é construído, então tudo também pode ser desconstruído, para que uma parte da humanidade não sobreviva à custa da opressão da outra parte. Contudo, é pertinente que nos interroguemos: Será que a mulher liberta existe verdadeiramente??
De acordo com Alborch (2004: 91) a mulher liberta não existe. Ouçamo-la, para compreender o fenómeno e, por conseguinte, tentar descortinar o antídoto para os males apresentados, e lutar pela independência económica, sobretudo, independência mental da mulher, que isso sim, é a libertação, porque é aprender a dizer “NÃO” :
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“A vida humana não se centra só em pensamentos, sentimentos e actividades diversas. A sua essência encontra-se na relação que as pessoas estabelecem com as tarefas do dia a dia e na capacidade de elas próprias hierarquizarem as formas mediante as quais as desempenham. Esta possibilidade de reconhecimento depende, por sua vez, da relação que os indivíduos mantêm com o quotidiano, tal como afirma Agnes Heller.
Através dos rituais diários abstrai-se do que é traumático, ao mesmo tempo que se anestesiam as tensões por ele criadas. As rotinas domésticas constituem, assim, uma espécie de bálsamo, e há mulheres que não as põem em causa. Ordem, obediência, fazer o que os outros esperam delas… As rotinas caracterizam-se por exigências excessivas a si e aos outros na esfera doméstica. Rotinas herdadas que reproduzem na sua vida e na educação dos filhos e das filhas. Apesar de começarem a verificar-se mudanças significativas.
Agnes Heller sublinha que existe uma esquizofrenia das mulheres baseada na dupla jornada, a qual poderia alargar-se ao conceito de vida dupla, segundo Marcela Lagarde, e uma síndrome de culpa como expressão do sentimento de falta de completude, constitutivo da nova identidade de numerosas mulheres. Vivem num estado de dificuldade e confusão para integrar linguagens, tempos, espaços e papéis diferentes do ponto de vista social e cultural, são «mulheres transbordadas», no dizer de Elena Arnedo.
Muitas mulheres profissionais transmitem a sensação de estar onde não deviam estar. María Ángeles Sallé, presidente da consultora Enred e da Fundación Directa, fez um relato, no Congresso Internacional de Mulheres Empresárias (Setembro de 2001, Bilbau), dos obstáculos e entraves sociais e ideológicos que se apresentam à mulher trabalhadora. Referia-se às «frases familiares»: «Não foste ao jantar organizado pelo chefe», «Pareces mais uma madrasta do que uma mãe», «A tua casa tornou-se uma pocilga», «Não és suficientemente complacente para com o teu marido», «Esqueceste-te de comprar a prenda para a festa do colégio do miúdo.» A empresária lamentava o facto de as mulheres terem assumido que, apesar da sua entrada no mundo profissional, continuam a ser depositárias míticas» da paz e da ordem no lar. «Temos uma atitude que integra a nossa identidade doméstica e materna». A consequência destas tarefas sobre-humanas é a culpa. «Culpabilizamo-nos por não cumprir na perfeição os ditames externos e a nossas próprias prioridades.»
Ao ser interiorizada a responsabilidade doméstica torna-se um encargo iniludível. As mulheres pagam um elevado tributo quando sentem que delegam as suas responsabilidades, pois o sentimento de culpa não tarda a aparecer, seguido de uma sensação de estranheza e perplexidade por não se adaptarem «ao que outras mulheres fazem» (Alborch, 2004: 91-93).
(…).
“A propósito da culpabilidade, afirmava María Ángeles Sallé: «Temos uma capacidade infinita de nos culpabilizarmos, de reivindicar o sofrimento como condição para o êxito, temos vocação para complexificar tudo e para nos responsabilizarmos por tudo; temos insegurança e o desconhecimento sistemático de nós próprias; temos uma autolimitação e uma ambivalência perante o poder.» Apesar de tudo, aceitarmo-nos constituiu um passo de gigante que provocou em nós sentimentos de estabilidade e firmeza cujas raízes se encontram nas outras mulheres, como assinalámos. O século XX terminou pondo fim a clausuras e afastamentos, privações de liberdade e de propriedade, proibições e negação do reconhecimento das mulheres” (Alborch, 2004: 93).
Bibliobrafia
ALBORCH, Carmen. (2004). Mulheres contra mulheres. Editorial Presença. Barcarena.