“Os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, a repressão, os assassinatos, mas também pela existência de condições de extrema pobreza e estruturas económicas injustas, que originam as grandes desigualdades.”
Papa Francisco
Eis mais um post que pretende ajudar a compreender de como as políticas erradas e sobretudo hipócritas, tomadas pelos governos dos países ocidentais, ajudaram a chocar este ovo da serpente, que já eclodiu e a serpente por aí anda à solta.
“O aumento considerável na força e no alcance das organizações jihadistas na Síria e no Iraque não mereceu até há pouco tempo a atenção dos políticos e jornalistas ocidentais. Um motivo primário para isto é o facto de os governos ocidentais e as suas forças de segurança definirem de forma restrita a ameaça jihadista, limitando-a às forças directamente controladas pelo «núcleo» central da al-Qaeda” (p.70).
(…).
“O nome al-Qaeda sempre foi aplicado de forma flexível no processo de identificação de um inimigo. Em 2003 e 2004, no Iraque, enquanto crescia a oposição armada iraquiana à ocupação liderada por americanos e britânicos, Washington atribuía a maioria dos ataques à al-Qaeda, apesar de muitos serem levados a cabo por grupos nacionalistas e baathistas. Propaganda deste tipo ajudou a persuadir quase 60% dos eleitores americanos antes da invasão do Iraque de que existia uma ligação entre Saddam Hussein e os responsáveis pelo 11 de Setembro, mesmo sem existirem provas. No próprio Iraque e por todo o mundo islâmico, estas acusações beneficiaram a al-Qaeda por exagerarem o seu papel na resistência à ocupação americana e britânica.
A táctica oposta foi empregue pelos governos ocidentais na Líbia em 2011, onde foram minoradas quaisquer semelhanças entre a al-Qaeda e rebeldes apoiados pela NATO no esforço para derrubar Muammar Gaddafi. Apenas os jihadistas com uma ligação operacional directa com o «núcleo» da al-Qaeda de Osama bin Laden foram considerados perigosos. A falsidade da crença de que os jihadistas anti-Gaddafi na Líbia eram menos ameaçadores do que os que tinham ligação directa com a al-Qaeda foi exposta de forma trágica quando o embaixador americano Chris Stevens foi morto por jihadistas em Benghazi em Setembro de 2012. Os responsáveis foram os mesmos combatentes louvados pelos regimes ocidentais e pelos média pelo seu papel na revolta contra Gaddafi.
A al-Qaeda é mais um conceito do que uma organização e há muito que isto se verifica. Num período de cinco anos após 1996, teve centros de recrutamento, recursos e bases no Afeganistão, mas tudo isto foi eliminado após o derrube dos talibãs em 2001. Posteriormente, o nome «al-Qaeda» tornou-se sobretudo um grito de guerra, um conjunto de crenças islamistas centradas na criação de um Estado islâmico, na imposição da sharia, no regresso às tradições muçulmanas, na subjugação das mulheres e na guerra santa contra outros muçulmanos, sobretudo contra os xiitas, que são considerados hereges e merecedores de pena capital. No centro desta doutrina bélica encontra-se uma ênfase do sacrifício próprio e do martírio como símbolos de fé e compromisso religioso. Isto levou à utilização de crentes fanáticos sem treino como bombistas suicidas, com efeitos devastadores.
Os Estados Unidos e os governos de outros países sempre tiveram interesse em apresentar a al-Qaeda como possuindo uma estrutura de controlo central semelhante a um Pentágono em miniatura ou semelhante à máfia. É uma imagem confortante para o público porque os grupos organizados, por mais demoníacos que sejam, podem ser localizados e eliminados pela prisão ou pela morte. Mais alarmante será a realidade de um movimento cujos aderentes se recrutam por sua própria iniciativa e que podem surgir em qualquer parte do mundo.
Há doze anos, o grupo de militantes que se reunia em redor de Osama bin Laden, a que não se chamou al-Qaeda até ao 11 de Setembro, era apenas um entre muitos grupos jihadistas. Actualmente, as suas ideias e métodos tornaram-se predominantes entre os jihadistas pelo prestígio e publicidade conquistados após a destruição das Torres Gémeas, após a guerra no Iraque e graças à sua demonização por Washington como origem do todo o mal antiamericano. Hoje em dia, estreitam-se as diferenças entre as crenças dos jihadistas, independentemente da sua ligação formal à al-Qaeda ou falta dela.
De forma nada surpreendente, os governos preferem a visão fantasiosa da al-Qaeda porque lhes permite clamar vitória quando conseguem matar os seus membros e aliados mais conhecidos. Frequentemente, atribuem-se aos eliminados patentes quase militares, como «chefe operacional», para aumentar a relevância da sua morte. O culminar deste aspecto altamente publicitado mas praticamente irrelevante da «guerra contra o terror» foi a morte de bin Laden em Abbottabad, no Paquistão, em 2011. Isto permitiu ao presidente Obama apresentar-se diante do povo americano como o homem que orientara a caça ao líder da al-Qaeda. Em termos práticos, porém, a sua morte teve pouco impacto nos grupos jihadistas inspirados pela al-Qaeda, tendo a sua maior expansão ocorrido posteriormente.
As decisões principais que permitiram a sobrevivência da al-Qaeda e sua posterior expansão foram tomadas nas horas que se seguiram ao 11 de Setembro. Quase todos os elementos significativos no plano para lançar aviões contra as Torres Gémeas e contra outros edifícios americanos emblemáticos apontavam para a Arábia Saudita. Bin Laden pertencia à elite saudita e o seu pai fora um associado próximo do monarca saudita. Citando um relatório da CIA de 2002, o relatório oficial acerca do 11 de Setembro refere que a al-Qaeda obtinha o seu financiamento a partir de «uma ampla variedade de dadores e angariadores, sobretudo nos países do Golfo e, em particular, na Arábia Saudita».
Os investigadores responsáveis pelo relatório viram o seu acesso ser limitado ou negado quando procuraram informações na Arábia Saudita. E, no entanto, o presidente George W. Bush parece nunca ter sequer ponderado a possibilidade de considerar os sauditas responsáveis pelo que sucedeu. Uma partida dos Estados Unidos de sauditas de relevo, incluindo parentes de bin Laden, foi facilitada pelo governo americano nos dias que se seguiram ao 11 de Setembro. De forma ainda mais significativa, vinte e oito páginas do relatório da comissão sobre o 11 de Setembro acerca da relação dos executores do ataque e a Arábia Saudita foram cortadas e nunca publicadas, apesar do presidente Obama ter prometido fazê-lo. O motivo indicado foi a segurança nacional.
Em 2009, oito anos após o 11 de Setembro, numa mensagem revelada pelo WikiLeaks, a secretária de Estado americana Hillary Clinton, queixava-se de que o principal financiamento de grupos terroristas sunitas em todo o mundo provinha de dadores na Arábia Saudita. Mas, apesar de o admitirem em privado, os Estados Unidos e a Europa Ocidental continuaram indiferentes aos pregadores sauditas, cuja mensagem, chegando a milhões de pessoas graças às transmissões por satélite, ao You Tube e ao Twitter, pediam a morte dos xiitas como hereges. Estes apelos ocorriam enquanto bombas da al-Qaeda chacinavam inocentes bairros xiitas iraquianos. (…)
O Paquistão, por intermédio dos seus serviços secretos militares, os Serviços Interligados de Informação (SII), foi o outro progenitor da al-Qaeda, dos talibãs e dos movimentos jihadistas em geral. Quando os talibãs se desintegravam sob os bombardeamentos americanos em 2001, as suas forças no Norte do Afeganistão eram cercadas por forças antitalibã. Antes de se renderem, centenas de elementos dos SII, formadores militares e conselheiros foram apressadamente evacuados por via aérea. Apesar das provas claras do patrocínio dos SII aos talibãs e aos jihadistas em geral Washington recusou confrontar o Paquistão e abriu assim caminho ao ressurgimento dos talibãs após 2003, algo que nem os Estados Unidos nem a NATO conseguiram inverter.
A «guerra contra o terror» fracassou porque não escolheu como alvo o movimento jihadista como um todo e, acima de tudo, porque não foi orientada contra a Arábia Saudita e o Paquistão, os dois países que albergaram o jihadismo como credo e como movimento. Os EUA não o fizeram por não quererem ofender dois países que são aliados importantes. A Arábia Saudita é um grande mercado para as armas de fabrico americano e os sauditas aliciaram e compraram ocasionalmente membros influentes do panorama político americano. O Paquistão é uma potência nuclear com uma população de cento e oitenta milhões e forças armadas com ligações próximas ao Pentágono.
O ressurgimento espectacular da al-Qaeda e das suas ramificações ocorreu apesar da grande expansão dos serviços de espionagem americanos e britânicos (e dos respectivos orçamentos) após o 11 de Setembro. De então para cá, os Estados Unidos, seguidos de perto pela Grã-Bretanha, travaram guerras no Afeganistão e no Iraque e adoptaram procedimentos normalmente associados a Estados policiais, tais como a prisão sem julgamento, o envio de suspeitos para interrogatório noutros países, a tortura e a espionagem doméstica. Os governos travam a «guerra contra o terror» alegando que os direitos individuais dos cidadãos terão de ser sacrificados para assegurar a segurança comum.
Perante estas medidas de segurança controversas, os movimentos contra os quais são implementadas não apenas não foram derrotados como se tornaram mais fortes. Aquando do 11 de Setembro, a al-Qaeda era uma organização pequena e geralmente ineficiente. Em 2014, grupos inspirados pela al-Qaeda cresceram em número e em poderio. Por outras palavras, a «guerra contra o terror» que alterou o panorama político de uma parte tão considerável do mundo desde 2001, fracassou de uma forma comprovada.”
Bibliografia
COCKBURN, Patrick. (2014). O Novo Estado Islâmico. Self- Desenvolvimento Pessoal. Carcavelos. pp. 70-77.