“O que quer a mulher?”

Publicado por: Milu  :  Categoria: "O que quer a mulher?", SOCIEDADE

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“Não há barreira, fechadura ou ferrolho que possas impor à liberdade da minha mente.”

Virgínia Woolf

O post de hoje, intitulado “O que quer a mulher”, foi por mim elaborado com base em duas obras constantes na bibliografia que se encontra no final do mesmo. É especialmente dirigido a todas aquelas mulheres que se sentem como ovelhas fora do rebanho, que sentem não se enquadrar nos modelos pré definidos ou que têm dificuldade em obedecer a ditames.

Apetece-me dizer que, o que a mulher quer, talvez não seja assim tão difícil de se revelar, desde que não lhe tracem o destino logo à nascença… educando-a como se educam as meninas, como a sociedade determina que as meninas devem de ser educadas… para se tornar a mulher que se deve ser, a mulher que convém ser, de forma a perfilar o ideal de feminilidade tão valorizado por esta sociedade regida por uma ordem masculina. Mas nem todos terão chegado a esta conclusão, nem todos se apercebem que têm o destino mais ou menos ditado desde que nasceram, e que o seu destino depende em muito do tipo de família em que nasceram. Mas, para aprender a ver mais longe, existem, felizmente, os livros. Sacudir preconceitos e abrir a mente é a palavra de ordem neste blog. O conhecimento é para ser partilhado.

Assim, no primeiro excerto apresentado temos Freud, num Ensaio de Filosofia, obra intitulada “Alteridades Feridas”, da autoria de Laura Ferreira dos Santos, professora e doutorada em Filosofia da Educação pela  Universidade do Minho. Consta nesta obra como Freud percebia o calvário que era a vida das mulheres, que o destino destas era mais ingrato do que o dos homens. No entanto,  Freud, mesmo assim, ignorou o rigor próprio de um cientista, e numa carta que escreveu à namorada, foi capaz de defender a teoria de que o lugar da mulher era em casa a cuidar dos filhos.

No segundo excerto apresentado neste post, temos uma outra obra magnífica, que muito tem contribuído para a minha compreensão da “realidade” que me rodeia. Contribuiu, também, para apaziguar o meu estado de espírito, ajudou-me  muito a fazer as pazes principalmente comigo. É muito difícil lutar contra a nossa natureza, e a minha natureza não me fez obediente. Por isso, todos os dias pago o preço da independência. Todos. Foi um pouco neste aspecto que este livro ajudou à reconciliação comigo mesma. Nesta obra, da autoria de Carmen Alborch, intitulada “Mulheres Contra Mulheres”, aborda-se, entre outras, a teoria dos desejos da mulher, se estes são verdadeiramente os desejos intrínsecos da mulher, ou se, pelo contrário, os desejos da mulher são sugeridos e moldados, fruto da imposição e dos constrangimentos da sociedade. Ou seja, é a sociedade que faz a mulher como ela é, por isso Simone de Beauvoir proferiu a célebre frase: “Não se nasce mulher, torna-se”.  Se assim não fosse, se a mulher não tivesse de corresponder a um figurino determinado, quais seriam os seus desejos, o que ela quereria para si? É esta a interrogação que fica no ar.

E, já  que aqui chegamos, arrisco a dizer o que a mulher quer:

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AS OBRAS

 

 

Original Caption: Sigmund Freud, 1856-1939, Austrian psychiatrist, in the office of his Vienna home looking at a manuscript. B/w photo ca.1930.

O título deste post, “O que quer a mulher?” tem direitos de autor, foi proferida por Freud, “quando confessou à sua amiga princesa Maria Bonaparte que, depois de trinta anos de estudo da alma feminina, havia ainda uma pergunta a que não sabia responder: o que quer a mulher?” (Santos, 2002: 141).

Provavelmente Freud sabia o que quer a mulher, uma vez que:

“Freud teve a consciência que sobre as mulheres pesa um destino mais duro que sobre os homens. Por isso mesmo, Freud dirá nas «Novas Lições» que a impressão que lhe causa um homem com aproximadamente trinta anos é muito distinta da impressão que lhe causa uma mulher da mesma idade. No homem, vê ainda muitas possibilidades em aberto, um jovem inacabado pronto a aproveitar ao máximo as hipóteses que a análise lhe proporcione; na mulher da mesma idade, pelo contrário, o que assusta frequentemente, escreve Freud, é a inflexibilidade (“Starrheit”) e a imutabilidade (“Unveränderlichkeit”, SA, I: 564) psíquicas de que dá mostras. Como se, acrescenta, «a difícil evolução para a feminilidade tivesse esgotado as possibilidades da pessoa. (…) Dir-se-ia, portanto, que as mulheres sofrem de um qualquer «encurtamento». Neste aspecto, Deleuze, não obstante todo o seu anti-edipianismo, dar-lhe-ia razão: é claro que há, afirma, uma dissimetria entre os sexos, mas isto resulta apenas de a menina ser a primeira a quem roubam os seus «n sexos», as múltiplas conexões que poderia estabelecer noutras circunstâncias (Santos, 2002: 138).

(…).

“Ainda acerca de restrições impostas ao desenvolvimento infantil, recorde-se como Freud, em «A questão da análise por não-médicos», afirmava que as crianças de quatro a cinco anos são de um modo geral intelectualmente muito vivas, enquanto fica com a impressão de que a sua entrada no período de latência redunda na sua inibição intelectual, tornando-as mesmo estúpidas. Encurtadas, diríamos nós. Mesmo ao nível físico, acrescenta Freud, muitas crianças perdem então o seu encanto (cf, SA, 305). Ora se isto acontece às crianças em geral, quanto não acontecerá às meninas em particular? Aliás, já na obra «Moral sexual cultural e nervosismo moderno», de 1908, Freud explicava a indubitável inferioridade intelectual de tantas mulheres dizendo que, para vencer, a repressão sexual que sobre elas se abatia tinha primeiro, e forçosamente, que as inibir intelectualmente, que as «encurtar», diríamos (cf. SA, IX: 28)” (Santos, 2002: 138-139).

(…).

“Perante as mulheres, Freud teve algumas vezes uma atitude de notável compreensão dos seus problemas ou do seu sofrimento. Por exemplo, não pode deixar de ser interessante ressaltar que, perante as condições em que os casamentos geralmente funcionavam, tenha dito que as mulheres precisavam de ter muita resistência psíquica para os suportar, e que a incapacidade dos médicos as ajudarem fazia remeter as supostas soluções para a natureza ou a passagem do tempo: a cura viria, primeiro, da menstruação, depois do casamento, e a seguir da menopausa. No fim, escreve com ironia Freud, só a morte ajudava verdadeiramente a resolver o assunto (cf. SA, EB: 323)” (Santos, 2002:140).

Mas, então, percebendo tudo isto, porque Freud teimava em remeter as mulheres para o lar, porque teimava em «encurtar» as potencialidades das mulheres, ao invés de «encurtar» o seu – dele, Freud –  «ideal de feminilidade»? Contradições de um cientista…

Freud numa carta que escreveu à sua futura mulher, Marta Bernays, “discute algumas ideias de Stuart Mill sobre a emancipação das mulheres, pois Marta andava a ler alguns dos seus textos e era preciso não haver equívocos. O lugar da mulher era em casa, tratando das crianças, escreve Freud. Mesmo que o seu trabalho fosse simplificado, isso absorvia suficientemente um ser humano para poder ter hipótese de ganhar dinheiro no exterior. Além do mais, seria impensável querer lançar as mulheres no mundo do trabalho como os homens. Deveria ele, Freud, passar a encarar a sua querida namorada como um concorrente? Impossível. Podia ser, concedia, que um outro tipo de educação conseguisse abafar as qualidades delicadas da mulher e a sua necessidade de protecção, tornando-a capaz de ganhar a vida como um homem. Mas, nessa altura, perder-se-ia «a coisa mais preciosa que a vida nos pode oferecer: o nosso ideal de feminilidade» (Freud, 1991:87)” (Santos, 2002:141).

 

“Novos Desejos”

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“Segundo Lerner, um dos desafios mais importantes do feminismo consiste, precisamente, em criar um contexto em que possamos definir os nossos desejos com maior autenticidade, e estar mais em contacto com o nosso corpo e com a maneira como queremos usá-lo. Não vou repetir a ideia de que querer é poder, só me interessa assinalar aqui que deveríamos interrogar-nos com mais frequência sobre o que realmente desejamos. E não porque ao tornar explícitos os desejos estes se tornem realidade, mas para contrabalançar o facto de tantas vezes os mascararmos, os ocultarmos, os negarmos e, até, de nos envergonharmos deles. A verdade é que nem sempre é fácil averiguar quais são os nossos desejos. Com efeito, não é simples detectar os próprios desejos, porque o imaginário social é que propõe o que é desejável para uma mulher. Em primeiro lugar, é preciso ousar fazer perguntas; depois, como num exercício de responsabilidade e liberdade, ousar dar a resposta” (Alborch, 2004:111).

(…).

“Marcel Burin pergunta-se se as mulheres podem, realmente, ter outros desejos que não os propostos pela cultura dominante; interroga-se também sobre o custo emocional a pagar pelas mulheres que alimentam outros desejos que não os socialmente prescritos. No desejo de viver para o outro e em cumprimento do seu papel (ou para representar o seu papel), foram treinadas na abnegação, na entrega e no sacrifício, em detrimento de atitudes de iniciativa. O que as mulheres «devem desejar» é esboçado insistentemente nos mitos, na literatura, na publicidade, nas mensagens televisivas e no cinema. Mas, significativamente, nessa nómina de desejos, que inclui os já consabidos, não figuram – ou não figuravam até há pouco tempo – a autonomia económica, os espaços sociais para a mulher na esfera pública ou as possibilidades de desenvolvimento pessoal.

Não é fácil encontrar na história mulheres que definam estes desejos. No início da revolução romântica, Olympe de Gouges declarava:

«Mulher, desperta: o toque a rebate da razão faz-se ouvir em todo o universo. Reconhece os teus direitos».

À sua «Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã» seguiu-se a «Defesa dos Direitos da Mulher», de Mary Wollstonecraft.

A Revolução Francesa está ligada aos nomes de Théroigne de Méricourt, Manon Philipon, Claire Lacombe e Pauline Léon. A seu lado encontram-se Mme. de Staël, George Sand, Mary Shelley, as irmãs Brontë, Jane Austen, Dorothea Schlegel, Rahel Varnhagen. As palavras de Mme. de Staël exprimem fielmente as aspirações femininas para além das petições igualitárias: «Tudo quanto tende a comprimir as nossas faculdades é sempre uma doutrina aviltante; há que dirigi-las para o objectivo sublime da existência, o aperfeiçoamento moral; mas não é através do suicídio deste ou daquele poder da nossa era que nos tornaremos capazes de nos elevar a essa meta: sobram-nos meios para nos aproximarmos dela» (Alborch, 2004:112).

(…).

“O conflito ocorre quando os desejos da mulher são impostos e, por conseguinte, fictícios” (Alborch, 2004:114).

(…).

“A incapacidade ou proibição de dar vazão aos desejos pode desembocar em violência. As mulheres têm o hábito de virar uma boa parte dessa violência contra si (é o caso do conhecido recurso moderno aos fármacos, à automedicação; os modelos antigos convidavam ao suicídio). À possível ou temida sanção social junta-se a sanção interna, feita de intensos sentimentos de culpa com que costuma punir-se quando tentam romper com os padrões convencionais que regem suas vidas. Na opinião de algumas terapeutas, o reconhecimento e expressão da hostilidade para consigo, além de porem em causa a sua realidade, expunham-nas a uma forma de sanção social, o serem consideradas nervosas ou histéricas, com a carga de zombaria que, por vezes, acompanha esses qualificativos” (Alborch, 2004:114).

“Segundo Burin, a hostilidade pode ser um recurso vital se, em vez de a usarmos para nos molestarmos, fizermos dela um desejo de transformação” (Alborch, 2004:114).

TRANSFORMAÇÃO!

 

Bibliografia:

 

ALBORCH, Carmen. (2004). Mulheres Contra Mulheres. Rivalidades e Cumplicidades. Editorial Presença. Barcarena.

SANTOS, F. Laura. (2002). Alteridades Feridas. Algumas Leituras Feministas do Cristianismo e da Filosofia. Editora Angelus Novus, Lda. Coimbra.