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“A fingida caridade do rico não passa, da sua parte, de mais um luxo; ele alimenta os pobres como cães e cavalos.”
Jean-Jacques Rousseau
Apontamentos recolhidos durante e leitura do livro “Género e Pobreza. Impacto e Determinantes da Pobreza no Género Feminino”. As referências relativamente aos autores podem ser consultadas na Bibliografia que consta no final do post. Informo que este livro é muito completo, com tabelas e gráficos que podem servir de consulta e ajuda nos procedimentos de investigações ou trabalhos de pesquisa, relacionados com a pobreza nas mulheres.
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“Nos países mais pobres a pobreza tem fundamentalmente um caráter absoluto, enquanto incapacidade de satisfação de necessidades básicas. Nas sociedades mais desenvolvidas a pobreza manifesta-se essencialmente de forma relativa, enquanto impossibilidade de viver de acordo com o padrão de vida dominante.”
“Em termos demográficos o fenómeno da pobreza não é neutro. De facto, é possível identificar subgrupos da população particularmente vulneráveis à pobreza, quer em termos de idade (as crianças e os idosos) como em termos de género (as mulheres). A generalidade dos estudos realizados sobre a problemática da pobreza analisa as especificidades do problema à luz de critérios geográficos, decorrentes do contexto económico-social, e em termos de idade. Porém, são escassas as análises compreensivas do fenómeno que integrem uma perspetiva de género.”
“Um indivíduo encontra-se em risco de pobreza monetária quando o seu rendimento equivalente está abaixo do limiar da pobreza (aqui definido como 60% do rendimento mediano por adulto equivalente)” (p. 7).
“Os estudos clássicos sobre a pobreza centram-se na observação do agregado familiar. As metodologias baseadas no conceito de rendimento equivalente partem do pressuposto que os rendimentos da família são igualmente repartidos por todos os membros, hipótese controversa e que não corresponde necessariamente à realidade. Estes estudos exploram exaustivamente o conceito de pobreza de cariz monetário ou seja, resultante da escassez de recursos monetários, negligenciando outras áreas, de carácter material e imaterial ou mesmo de cariz subjetivo que, conjuntamente com o rendimento, traduzem o caráter multidimensional do fenómeno da pobreza. Só nos finais da década de 70 é que os trabalhos pioneiros de Peter Townsend vieram introduzir uma nova vertente nos estudos sobre a pobreza – a privação – a partir da análise direta das condições de vida dos indivíduos” (p. 13).
“De facto, as opções metodológicas normalmente adotadas nos estudos clássicos não são neutras em termos de género, senão vejamos:
⇒ A adoção da noção de agregado não evidencia as situações de pobreza ocultada de alguns membros da família, nomeadamente daqueles que detêm tradicionalmente menor poder, como sejam as mulheres e as crianças.
⇒ A atribuição de rendimento equivalente – das mulheres idêntico ao dos homens – é uma hipótese fortemente controversa, dadas as diferentes formas de obtenção e gestão dos recursos financeiros que poderão existir dentro da família e que muitas vezes conferem uma posição desfavorável à mulher.
⇒ A análise agregada das condições de vida e a inexistência de indicadores específicos de privação por género pode escamotear situações de privação vivenciadas de forma diferenciada no seio da família, designadamente pelas mulheres, que tradicional e culturalmente detêm um papel mais gregário do que o homem e que, por isso, chamam preferencialmente a si as carências” (p. 13).
“A abordagem absoluta versus relativa. A concepção absolutista da pobreza radica no problema da satisfação das mais elementares necessidades humanas num dado contexto histórico e de acordo com os respetivos enquadramentos culturais da sociedade. A visão relativista da pobreza tem por referência os padrões de vida médios das diferentes sociedades, num dado momento. Assim, “indivíduos, famílias ou grupo da população podem dizer-se em situação de pobreza quando lhes faltam os recursos para obter os tipos de dieta, participar nas actividades e ter as condições de vida e conforto que são comuns, ou pelo menos largamente encorajadas e aprovadas, nas sociedades a que pertencem (Townsend, 1979)” (p. 18).
“As desigualdades económicas de género discutem-se em grande medida, ao nível da partilha de recursos no seio do próprio agregado familiar, isto é, em termos da distribuição do “poder de comando de recursos” real estabelecido entre o homem e a mulher que vivem em comum, numa dada tipologia familiar” (p. 27).
“Não estamos já apenas preocupados com a identificação dos grupos sociais mais vulneráveis à pobreza, nas suas dimensões tradicionais, mas também com a identificação dos “clusters” de pobreza crónica e transitória (e as caraterísticas sociodemográficas e socioeconómicas que estão mais fortemente associadas a esses “estados” dinâmicos), dentro da população pobre como um todo” (p. 31).
“A população pobre é heterogénea, tanto numa perspetiva estática como dinâmica. Em termos estáticos, essa heterogeneidade pode ser constatada a partir das principais dimensões do fenómeno: uma taxa de pobreza, num dado momento do tempo, pode “esconder” subgrupos de indivíduos pobres que sofrem o fenómeno com mais ou menos intensidade, com mais ou menos severidade” (p. 33).
“Em 1995, o grupo de mulheres que coabitavam enquanto casal, embora sem rendimento individual, apresentavam uma intensidade e severidade da pobreza superior à das famílias monoparentais femininas, facto que poderá estar associado ao impacto das transferências sociais na pobreza” (p. 47).
“Em relação à população total as mulheres parecem ser mais atingidas pela pobreza tanto em termos de incidência como de intensidade e severidade“ (p. 48).
“As famílias monoparentais são predominantemente compostas por mulheres (situação que abrange mais de 80% dos casos, segundo o recenseamento de 2001), que têm a guarda das crianças, são mães solteiras ou viúvas com filhos. Com efeito, é de equacionar que muitas destas famílias facilmente cairiam na mais profunda indigência na ausência de transferências sociais” (p. 47).
“Importa reter que a idade representa um vector de discriminação e fragilização no mercado de trabalho, num contexto social que enleva as características socialmente associadas à juventude (vitalidade, energia, força, produtividade, atividade…) e penaliza os atributos socialmente atribuídos aos trabalhadores mais idosos. Afigura-se verosímil que, à luz das transformações socioeconómicas recentes, algumas mulheres enfrentem menores dificuldades em encontrar uma colocação na esfera laboral, embora frequentemente ocupem postos de trabalho desqualificados, precários e mal pagos. Este facto prende-se essencialmente com a forte contração do sector secundário, designadamente dos segmentos tradicionais e fortemente empregadores de mão de obra masculina, com a expansão do setor terciário e de ocupações socialmente tidas como femininas” (p. 49).
“A condição de pobreza persistente é particularmente grave uma vez que a pobreza persistente encerra as situações mais severas de pobreza, sublinhando a vulnerabilidade acrescida das mulheres. Simultaneamente, importa ainda ter presente que a prolongada privação incorre no risco de contribuir para a reprodução inter-geracional da pobreza, as dificuldades de acesso a instrução escolar, a formação profissional, à cultura em geral, as condições adequadas de saúde, qualidade habitacional, higiene e nutrição; a fraca qualidade das inserções socioprofissionais, a ausência de participação cívica e em redes de sociabilidade que extravasem as relações familiares e de vizinhança do bairro; a inexistência de expetativas positivas dos projetos quanto ao futuro” (p. 60).
“De acordo com a tipologia dos grupos definida, é no grupo das mulheres que coabitam enquanto casal embora sem rendimento individual que se regista um peso mais acentuado da pobreza em termos longitudinais, em particular da pobreza crónica. A este propósito, importa reter que, em geral, nos agregados pobres, as mulheres carregam muito mais o peso da pobreza na gestão quotidiana dos magros percursos, subalternizando a satisfação das suas necessidades à dos restantes membros do agregado familiar” (p. 50).
“Quanto mais precário e mal pago o emprego da mulher, maior a sobrevalorização do vencimento do cônjuge para a subsistência do agregado, maior a desvalorização do trabalho feminino, maior a assimetria na divisão do trabalho na relação do casal e, por conseguinte, menor a disponibilidade individual para o investimento na esfera profissional” (p. 52).
“A análise por grupos mostra que as mulheres idosas isoladas apresentam os níveis mais elevados de privação, quer em termos de intensidade como de incidência” (p. 55).
“Interessante é ainda observar, na linha de algumas investigações realizadas em Portugal, que a classe social influencia fortemente as redes de apoio familiar, observando-se uma associação linear entre situações de maior volume de apoio e situações de classe com volumes superiores de capital” (p. 56).
“Quando são avaliadas as cinco dimensões de bem estar no segmento feminino constata-se que a “participação social” é aquela que mais contribui para o nível de privação, seguindo-se a habitação independentemente do ano considerado. A saúde merece também destaque por se tratar da dimensão que mais contribui para o nível de privação no caso das mulheres idosas isoladas” (p. 62).
“A pobreza é um fenómeno generalizado a todo o mundo e não específico dos países subdesenvolvidos. Nos países mais pobres, predomina a escassez de recursos para fazer face a necessidades tão básicas como alimentação e cuidados de saúde, levando à marginalização face a padrões de vida mínimos. Já nos países mais ricos, a escassez de recursos tem fundamentalmente um caráter relativo, face a um padrão de vida dominante ou médio, embora as situações de privação absoluta também existam (como é o caso dos sem abrigo)” (p. 71).
“O risco de pobreza não é homogéneo. Assim, em termos de idade, as crianças e os idosos são os grupos mais expostos à pobreza. No que diz respeito às tipologias familiares, os agregados monoparentais, as famílias numerosas e as famílias de idosos, são os agregados mais atingidos pela pobreza. De acordo com uma perspetiva de género, as mulheres registam maior incidência da pobreza relativamente aos homens” (p. 72).
“A existência de um baixo nível de escolaridade/qualificação, pode desencadear situações de pobreza devido às potenciais dificuldades de inserção no mercado de trabalho” (p. 74).
“A pobreza manifesta-se de várias maneiras, entre as quais se incluem a carência de rendimentos e de recursos produtivos suficientes para assegurar um meio de vida sustentável: a fome e a má nutrição; a falta de saúde, a falta de acesso ou acesso limitado à educação e a outros serviços básicos; o aumento da morbilidade e da mortalidade por doença; a falta de habitação ou habitação degradada; um ambiente inseguro; e a discriminação e exclusão sociais. Carateriza-se também pela falta de participação no processo de tomada de decisão e na vida cívica, social e cultural” (p. 79).
“A participação no mercado de trabalho é um domínio onde se localizam os principais fatores de pobreza nos países da União Europeia. O indicador proposto dirige-se à situação específica da mulher, para quem a interrupção da vida profissional ou a redução do horário de trabalho por razões familiares atuam como fatores que podem gerar perda de rendimento ou efeitos negativos posteriores num menor nível de proteção social (no valor das pensões de reforma).
A privação de bem-estar engloba, em grande medida, a falta de capacidade de tomar decisões em domínios relevantes da vida familiar.
“Há dois grupos de mulheres que são geralmente considerados como grupos vulneráveis, quer com base nos estudos empíricos quer nas respostas ao questionário enviado aos peritos nacionais:
i) as mulheres isoladas, nomeadamente as mulheres que são famílias monoparentais;
ii) as mulheres idosas, sejam desempregadas ou com carreiras contributivas irregulares para a segurança social.”
Bibliografia
PEREIRINHA, José. A., NUNES, Francisco., BASTOS, Amélia., CASACA, Sara. F., FERNANDES, Rita., MACHADO, Carla. (2008). Género e Pobreza. Impacto e Determinantes da Pobreza no Feminino. Coleção estudos de Género 4. Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). Lisboa.