Violência no Namoro

Publicado por: Milu  :  Categoria: SOCIEDADE, Violência no Namoro

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“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.”

Jean-Paul Sartre

Porque nunca é demais debater a problemática da violência doméstica, eis um excerto  do livro intitulado “Sem Medo Maria”, da autoria de Fernanda Freitas.

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A violência entre casais de namorados, sobretudo em camadas etárias mais novas é, hoje em dia, não só uma realidade, como uma enorme preocupação, sobretudo pelos elevados níveis de tolerância perante este tipo de violência, junto da população estudantil.

No estudo nacional »Violência nas Relações Amorosas: Comportamentos e Atitudes nos Jovens», apresentado em 2005 por Sónia Caridade e Carla Machado, ambas da Universidade do Minho, em Braga, que analisou três mil inquéritos a pessoas entre os 15 e os 25 anos, abrangendo alunos do secundário, ensino profissional, universitários e jovens em situação de abandono escolar, a maioria dos inquiridos não concordava com o uso de violência, mas 24% deles recorreram ao abuso emocional e 22% chegaram aos maus-tratos físicos. 27% admitiram ter sido vítimas de pelo menos um acto abusivo, e 33% confirmaram ter abusado de alguma forma do outro elemento da relação.

Percepcionou-se que o abuso é mais tolerado pelo sexo masculino, mas vai diminuindo à medida que os estudantes progridem no percurso escolar. O agressor recorre às mesmas estratégias de vitimação que já abordámos em capítulos anteriores, ou seja, violência psicológica e controlo da vida da vítima, seguindo-se as ofensas físicas e os abusos sexuais.

Outros estudos da mesma Universidade apontam para o facto de algumas jovens acabarem por sofrer tanto como as que já estão casadas, distinguindo-as apenas pela inexistência do vínculo matrimonial, partilha de tecto, e por não terem ainda filhos.

O ideal é aprender a identificar os sinais que denotam uma relação violenta e pouco saudável, já que muitas das mulheres que sofrem com a violência doméstica admitem períodos de conflitos verbais e físicos desde a fase do namoro.”

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“Estás a viver uma relação amorosa violenta se o teu namorado:

  • Belisca-te, empurra-te, arranha-te;
  • Dá-te ordens ou toma todas as decisões,
  • Não valoriza as tuas opiniões;
  • É ciumento e possessivo, não quer que saias com as tuas amigas e amigos;
  • Controla todos os teus movimentos (pergunta constantemente onde estiveste, com quem estiveste);
  • Humilha-te à frente das tuas amigas e amigos (insulta-te, diz que nada serias sem ele, etc.);
  • Culpa-te pelos comportamentos violentos dele;
  • Assusta-te, tens medo da reacção dele quando dizes ou fazes alguma coisa;
  • Pressiona-te para terem relações sexuais, para terem relações sexuais não protegidas ou práticas sexuais não desejadas por ti;
  • Pressiona-te a consumir álcool ou outras drogas que te poderão desinibir sexualmente;
  • Intimida-te;
  • Não aceita que queiras terminar a relação;
  • Ameaça espalhar rumores se acabares com a relação, fazer mal a alguém (ou a ele próprio);
  • Oferece-te prendas em excesso, especialmente após um comportamento violento.

 

Lembra-te! Tens o direito de:

  1. Não ter namorado.
  2. Expressar as tuas ideias.
  3. Expressar os teus sentimentos, mesmo sendo negativos.
  4. Escolher o teu trabalho e a tua religião.
  5. Viver sem medo.
  6. Ter tempo para ti.
  7. Gastar o teu dinheiro como bem entenderes.
  8. Ser apoiada pela tua família e amigas/os.
  9. Ser ouvida pelas tuas amigas e amigos, e familiares.
  10. Escolher as tuas amigas e amigos.
  11. Expressar as tuas convicções, competências e talentos.
  12. Decidir se queres participar em actos sexuais ou não.

 

As razões pelas quais as jovens mantêm uma relação de namoro violenta são várias, normalmente, gostam efectivamente do namorado e acreditam que conseguem mudá-lo. Devido às pressões do grupo em que se movimentam, estas jovens receiam que o rompimento não seja apreciado ou compreendido pelos amigos e amigas e têm por vezes vergonha de admitir que existe violência no namoro.

Frequentemente o medo de represálias, perseguições ou ameaças é mais forte do que a vontade de acabar com aquele relacionamento. Mas é importante os jovens perceberem que este tipo de violência não pode ser minimizado: normalmente, constitui um alerta – já que a tendência será agravar-se tanto na frequência, quanto na intensidade, aumentando o risco de ocorrer em futura vivência conjugal.

O fim do namoro não significa o fim da violência. Por vezes, o ex-namorado não aceita o fim da relação, continuando a perseguir e a controlar todos os passos que a ex-namorada dá. Daí que seja importante ter em conta algumas medidas de segurança, avançadas pela Associação de Mulheres contra a Violência:

  • Mudar o número de telemóvel
  • Mudar de e-mail
  • Procurar caminhos alternativos para os locais que habitualmente frequentas
  • Procurar andar acompanhada
  • Falar da situação com pessoas de confiança que possam apoiar em situações de emergência
  • Manter um registo sobre as situações de violência que ocorreram
  • Gravar no telemóvel os contactos necessários em caso de emergência (112, 144, polícia local, pessoa de confiança)

Ainda existem muitos aspectos sociais enraizados, o país tem uma cultura machista e há imenso trabalho de prevenção a fazer junto dos mais novos – se as jovens aceitarem um namorado violento irão mais tarde aceitar anos de casamento com violência.

 

Bibliografia

 

FREITAS, Fernanda. (2008). Sem Medo Maria. Caderno. Alfragide. pp. 75-79.

Maternidade – O mito!

Publicado por: Milu  :  Categoria: Maternidade..., PARA PENSAR

 

 

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“Não somos o que sabemos. Somos o que estamos dispostos a aprender.”

Council on Ideas

Na senda do que tem vindo  a ser habitual aqui vos apresento mais um artigo esclarecedor, por isso libertador, constituído por uma entrevista com o tema o “Mito da Maternidade, que encontrei numa das minhas incursões pela Internet, aqui neste link

Deliciem-se pois. E vocês mulheres: Libertem-se!

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Você dá as mãos à Elisabeth Badinter quando ela diz que a Maternidade é um mito?

 

Antes de mais nada, deixe-me comentar como é divertido o seu jeito de perguntar. Agora vamos à resposta à pergunta, em si mesma, libertadora.

A maternidade é um mito?

Sim, podemos dizer que em alguns aspectos, a maternidade é um mito. Mas o é, sobretudo, por ser uma peculiar condição política. Uma condição em que a figura denominada mãe ocupa um lugar especial em um contexto social. Só que este lugar guarda uma contradição, mais ainda, guarda um paradoxo. Aquele que implica que a maternidade é a política da dominação das mulheres por meio de seu culto.

De um lado, temos o posicionamento da mãe como a “rainha” do lar. De outro, ela é uma espécie de escrava.

As de antigamente, quando não eram ricas, deviam cuidar da casa e dos filhos, as de hoje tem tripla ou quádrupla jornada de trabalho. Sem falar no fato de que a mãe é sempre a culpada de tudo o que ocorre ao filho. Se um filho tiver sucesso na vida, dificilmente lembrarão da mãe. Se um filho cair no crime ou tiver qualquer outro tipo de problema, a culpa será da mãe. O que temos que nos perguntar é o que esta figura denominada mãe ganha aceitando a mística da “rainha” do lar? Penso que as mães são eleitas (e elas caem nisso tão facilmente) para um lugar que é de bode expiatório, sagradas e profanadas ao mesmo tempo. Tudo o que é sagrado pode ser sacrificado. É isso o que acontece com as mães. Elas caem facilmente nesta armadilha do lugar especial, quando na verdade, são as eleitas para um grande sacrifício. Vivem num limbo, num estranho estado de exceção, adoradas desde que façam tudo certinho, execradas desde que cometam qualquer tipo de “erro” em relação ao que se esperava delas, que não correspondam ao padrão, à regra, à verdadeira ordem que é a maternidade. A maternidade pode ser muito bacana, mas é muito mais fácil que seja para as mulheres uma tirania que não deixa para elas outras escolhas e possibilidades. Não desejo a maternidade para ninguém que não conheça suas armadilhas. E quase ninguém conhece essas armadilhas. Quem quiser ser mãe precisa começar combatendo o mito da maternidade.

O que poderemos pensar pelo esclarecimento e desconstrução da maternidade? 

Mostrar que, se a maternidade não é ditadura, ela tem que ser coletiva. Se olharmos para a maternidade como algo que está além da neurose, como algo prático, ela é necessariamente um trabalho de várias pessoas. E isso porque ela é uma condição de responsabilidade para com um outro. Ninguém cria um filho sozinho. Antigamente haviam amas de leite. Hoje quem pode pagar tem uma babá, um berçário, creche ou escolinha onde deixar o filho. Cuidar o tempo todo de uma criança pode ser um inferno para uma pessoa que não tenha muito desejo de fazer isso. Aliás, as pessoas chamam de “mãe desnaturada” aquela mulher que pariu um filho e não conseguiu desejar a maternidade. Como se a maternidade (na espécie humana) fosse simplesmente algo natural e não um dado da cultura. Verdade é que podemos falar de maternidade como uma condição subjetiva.

Mãe seria aquela pessoa que teria a capacidade de cuidar de um outro.

Acontece que o fato de ser mulher e de ter parido um bebê não é a condição para a maternidade se a pensarmos nestes termos. Nem todo mundo consegue isso, nem todo mundo gosta disso. Este fato deve ser respeitado. As mulheres bem que poderiam se libertar desse peso.

Parir um bebê é uma coisa, ser mãe de uma pessoa é outra.

A meu ver, ninguém deveria sentir-se obrigada a ser mãe nem depois que a pessoa nascesse. Inclusive, digo isso pensando que você pode ser alguém legal com a pessoa que nasceu de você, sem precisar encaixar-se no estereótipo da boa mãe. Além disso, esse pensamento melhoraria a questão da adoção entre nós. Do mesmo modo, aquelas pessoas que perguntam “quando você terá um filho?” deveriam calar. Esta pergunta é performática, ela surge como uma cobrança e cria uma dívida. “Toma que o filho é teu” é algo que as mulheres deveriam dizer a qualquer um que as colocasse nessa situação em uma sociedade que mistifica a maternidade, pressiona as mulheres para que sejam mães e ao mesmo tempo proíbe o aborto.

Por que o peso pela criação e educação dos filhos recai tão diretamente sobre a mulher?

Como eu disse, porque as mulheres são eleitas para este papel da procriação que é um papel questionável do ponto de vista dos valores políticos. Você acha que as mulheres teriam tantos filhos se pudessem não ter? Muitas não teriam nenhum. É verdade que outras teriam por motivos muito próprios. Mas creio que estas seriam as que não tem que trabalhar, porque tem maridos muito ricos (elas ainda existem?) e que não tem problemas físicos com a gravidez e a amamentação e tudo o que vem depois. É certo que a sustentação da maternidade historicamente precisou de muito bombardeio ideológico da sociedade patriarcal, da qual as próprias mulheres fizeram parte. E, infelizmente, ainda fazem.

Como discutir, socialmente, o direito ao não desejo de “maternar”?

Isso também tem que ser desmistificado. Uma mulher quando pare pode descobrir que gosta do filho ou não gosta. As mulheres, na maior parte não se colocam esta questão porque elas mesmas introjetaram os discursos que as oprime. Uma mulher até pode vir a gostar do filho depois do parto, mas não quer dizer que tenha gostado de pari-lo ou que tenha se encantado com sua condição de bebê. Não podemos mais naturalizar isso. Naturalizar é mistificar. Pois a condição da mulher que pariu sofre muitas mediações. Ela descobre que a coisa de cuidar lhe interessa ou não, que ela tem condições ou não. Na verdade, o termo exato não é bem esse. Não se trata exatamente de descobrir isso ou aquilo, porque isso não vem à consciência. Muitas mulheres ficam se culpando porque não levam jeito para a maternidade. Ninguém leva, me desculpem, a não ser que comecemos a teorizar sobre mães heroínas, super mulheres e super mães. Isso não nos ajuda a desmistificar a questão.

As mulheres que parem crianças precisam de ajuda, porque não é algo nada fácil em nossas vidas complexas. Quando há ajuda tudo é mais fácil. Além disso, gostaria de dizer que não há nada de anormal em ficar deprimida após o parto. Dizemos que isso é anormal por conta do padrão da maternidade defendido em nossa cultura. A maternidade não é tudo na vida, não é a realização do ser humano denominado “mulher”. Pode ser momentaneamente, pode ser durante um tempo, mas um filho não é em si mesmo o sentido da vida de uma mulher. Ele é uma grande responsabilidade, uma terrível e assustadora responsabilidade que precisa ser partilhada. Do contrário, não há porque tê-lo.

A responsabilidade é tão grande que o patriarcado inventou o mito da maternidade para jogar isso tudo sobre a figura denominada mãe.

E ela, como vítima culpada, ou seja, como otária, deveria aceitar. Agora, é claro que a sociedade, cínica em relação a este assunto, afirmará sempre que quem tem filho que trate de criá-lo. As coisas são assim, mas isso não quer dizer que sejam justas. Se houvesse justiça neste campo, as mulheres poderiam escolher com mais tranquilidade o aborto, não ter filhos, viver sem filhos.

Haveria alguma maneira de colocar o assunto em pauta e efetivamente pararmos de apontar o dedo prás mães que não querem ou não podem cumprir essa “função”?

Acho que a desmistificação do aborto é uma saída. Além da crescente manifestação de mulheres que não desejam ter filhos, mesmo quando casadas. Como já acontece em vários países e aqui no Brasil também.

Quantos anos tem a sua filha e qual é sua relação com ela?

A minha filha tem 15 anos. Eu a tive aos 27 anos, num momento em que me deu uma vontade imensa de ter uma filha. Naquela época eu era muito, mas muito ingênua. Muito devotada a todas as causas auto-sacrificiais.

Meu feminismo ainda não tinha acontecido.

Vejo minha filha como uma pessoa linda, maravilhosa. Ela é, sem dúvida, a pessoa que mais amo na vida. Sorte que a tive naquela época, pois hoje, depois de perceber muitas implicações da procriação, seria difícil fazer esta escolha. O que mais me atinge hoje em dia é o tamanho da responsabilidade. É a intensidade da responsabilidade. Naquela época eu tive ajuda de muita gente. Minhas irmãs, minha mãe, as pessoas que pude pagar. Como separei do pai dela muito cedo, ele quase não ajudou, como até hoje, praticamente não tem participação em suas questões de ordem subjetiva e prática. Para mim isso não é um problema. Ao contrário. Eu me sinto mãe de muita gente, no sentido de que tenho o gosto de proteger e ajudar várias pessoas. E acho que, neste sentido, a maternidade é boa, desde que ela não seja jogada e imposta às mulheres. E é neste sentido que ela pode também ser praticada pelos homens. Podemos ter filhos adotivos, diversos, vários. A maternidade, neste caso, é uma subjetividade de acolhida que não precisa ter relação com um corpo capaz de parir.

Você acredita que haja diferença em educar meninos e meninas? Em qual aspecto o gênero influencia na criação dos filhos?

As pessoas fazem esta diferença. Educar está intimamente atrelado ao gênero, só que o gênero é histórico e, por isso mesmo, limitado. Basta você entrar numa loja de brinquedos e ver a divisão dos sexos. Deste modo, a educação que os pais dão aos filhos também é limitada. Eu, por exemplo, não educo minha filha para ser mulher. Nem para ser homem. Não gosto aliás, da ideologia do sexo binário e heterossexual. Educo a minha filha na convivência, com a mesma sinceridade que tenho com qualquer outra pessoa. Eu falo com ela como falaria com qualquer um e falo com qualquer um como se fosse meu filho, com a mesma sinceridade. Pelo menos é o que eu tento. Espero que minha filha seja sempre ela mesma como já é e sempre foi desde pequena. Ao mesmo tempo, lembro da minha educação. Nem minha mãe, meu pai e meus avós e parentes e professores, me educaram para assumir papéis ou agradar alguém. Não lembro de ter sido conduzida a isso ou aquilo. Eu nunca fui ensinada diretamente a ser mulher, mãe ou coisa parecida. Percebi o quanto minha mãe sofreu sendo mãe e esposa. Ela literalmente estragou a sua vida. E ela mesma acha isso. Podia ser diferente. Mas naquela época, naquela cidade, com aquela cultura… ela, como muitas mulheres neste Brasil, estava numa situação sem saída.

Como criar filhas feministas, conscientes e ruidosas?

Falando tudo. Sendo sincera. E, sobretudo, sendo livre para pensar, dizer e fazer. Penso que o que damos uns aos outros diariamente é a nossa coerência ou incoerência. Os filhos percebem e sofrem ou alegram-se com a liberdade de ser e pensar que podem também ter.

Qual sua maior dificuldade como mãe?

Nenhuma. Eu sou uma mãe no sentido bom, não sou culpada, sou solidária e responsável com a minha filha, os filhos dos outros, os que não tem pais, os que não tem filhos. Enfim, não vejo nada demais em ser mãe, nem para pior, nem para melhor. E acho que este modo que colocar a questão é bom pra todo mundo.

Tenho a impressão de que a maioria das mães quer falar de maternidade no âmbito funcional, sobre partos, amamentação, chupetas, o como fazer e o que fazer. Estamos na superfície das questões sobre um relacionamento (mães e filhos) que requer uma reflexão mais política (não num sentido partidário) e sociológica? Por que ficamos tão neuróticas procurando respostas sobre COMO AGIR ao invés de pensar na maternidade em si?

É que para a maior parte das mulheres o filho é um brinquedo e elas estão brincando de casinha. Um dia recebi uma visita em minha casa. A moça disse que queria engravidar porque estava querendo decorar um quarto de bebê e se preocupava com quem cuidaria dela quando fosse velha. Eu, sem querer ser grosseira perguntei a ela se ela tinha certeza de que seu filho cuidaria dela quando ela envelhecesse… hoje eu diria: quem garante que vamos envelhecer? Recomendo a todos que tratam os filhos como brinquedos ou coisas leiam o livro de Julio Cabrera: “Por que te amo não nascerás”. Um livro sobre a manipulação da procriação e a falta de ética com aqueles que vão nascer.

Sou mãe solteira e levanto a bandeira pela causa. Não consigo acreditar que minha filha TENHA QUE TER um modelo masculino em sua criação, necessariamente. Principalmente um modelo com o qual discordo pessoalmente em questões, inclusive, morais. O que eu gostaria de saber é qual a sua consideração sobre esse assunto de modelo masculino e feminino e também sobre a educação de crianças por casais homossexuais.

Eu acho que isso não é uma questão. Eu lembro de que antigamente as pessoas se referiam assim às mulheres, mas hoje? Depois de toda a libertação que vivemos?

Quem ainda vai se referir a uma mulher como “mãe solteira”?

Não falamos em “pais solteiros”.

Nem em “mães divorciadas”.

Acho que estas designações são fruto de preconceitos que recaem sobre mulheres. Mas se é sua bandeira tomara que seja como afirmação e não como falta de um pai que tornaria esta mãe não solteira. Como já falei a binariedade sexual bem como o paradigma da heterossexualidade estão cada vez mais ultrapassados. Não vejo como educar afirmando isso tudo. A única saída é a desconstrução desse paradigma.

Qual seu maior medo em relação à mulher e à maternidade?

Medo? Agora me pergunto, será que tenho um? Talvez, que as mulheres banquem o machismo que as oprime como o fazem em muitos casos.

Medo em relação à maternidade? Que ela continue sendo uma armadilha.

Quais mães você destacaria como modelos de sua admiração?

Não tenho admiração, tenho mesmo é pena. Pena da minha mãe e das minhas avós que não puderam ser outra coisa na vida.

A admiração só reforça a mística materna e o mito da maternidade.

O que perguntaria para sua mãe? E para sua filha?

Para minha mãe: por que você não nos abandonou?
Para minha filha eu não perguntaria nada. Mas eu já pedi desculpas por tê-la colocado neste mundo. Ela, gentil, me respondeu” relaxa, mãe, eu tou gostando”.

Como o homem pode (e até deve) participar da criação dos filhos?

Eu realmente acho que essa questão não tem outro sentido senão este: um homem pode ser uma mãe!!!

Por que temos tanto medo de errar?

Qualquer pessoa sensata e que não sofra de omnipotência tem medo de errar. É um medo que não é de todo ruim…

Webgrafia

http://revistacult.uol.com.br/home/2012/12/sobre-a-maternidade-entrevista/

Acedido a 21/06/2015

 

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Deixa de ser otária!

Publicado por: Milu  :  Categoria: Deixa de ser otária!, SOCIEDADE

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“Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem.”

Rosa Luxemburgo

 

A violência contra a mulher tem raízes profundas, mas é produto de uma construção histórica, sendo, por isso, passível de desconstrução. Constitui violência contra a mulher toda e qualquer conduta baseada no género, que possa causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico, sexual ou psicológico, tanto na esfera pública quanto na privada. Assim, se a violência contra a mulher é tudo o que lhe possa causar sofrimento, exigir-lhe que seja, por exemplo, uma mãe perfeita, é violência contra a mulher.

Ora, vejamos:

Por uma questão cultural, são as mães as maiores responsáveis e aquelas que estão mais presentes na convivência com os filhos. Isso leva a que muitas pessoas  acreditem que, sempre que uma criança se torna um adulto problemático, a culpa é das mães, porque supostamente não o educaram como devia ser.

Mas, se por um lado, os valores transmitidos pelos pais  são muito importantes, por outro lado, há que ter em linha de conta, que estes não são definitivos nem exclusivos. A verdade é que os valores absorvidos por cada pessoa desde a infância sofrem adaptações ao meio e aos novos contextos, circunstâncias e aprendizados.

Por exemplo: as mães são muitas vezes acusadas de darem uma educação machista aos seus filhos, mas todos sabemos que o machismo é grandemente reproduzido por toda a parte. Na cultura e posturas que inferiorizam as mulheres, nas propagandas dos mais diversos produtos, nos programas de televisão, enfim. Há todo um sistema especializado em separar o mundo entre homens e mulheres e atribuir valores melhores ou piores a ambos. Não se trata de uma força isolada, mas de um grande e complexo sistema que subjuga o feminino, portanto.

Ora, os filhos não são marionetas dos pais, nem estes estão a criar robôs! Assim sendo, torna-se imperioso ter um senso crítico apurado para compreender que cada indivíduo é um ser único, que faz escolhas e opta de acordo com as suas perspectivas. 

É preciso afirmar peremptoriamente, que a responsabilidade pelo cuidado e pela educação dos filhos não é só das mães, mas também de toda a família e do Estado. É responsabilidade do Estado garantir que todas as crianças tenham acesso à escola de educação infantil e aos posteriores níveis de ensino. Também é dever do Estado garantir que este ensino seja público e de qualidade, baseado numa educação inclusiva, não-sexista, não-homofóbica, não-lesbofóbica e anti-racista, livre de qualquer forma de preconceito.

A educação das crianças deve ser compartilhada entre as mães, os pais, a família, a sociedade e o Estado.

Nós, mulheres, não podemos aceitar essa culpabilização eterna. Não podemos reproduzir esse pensamento formado pela sociedade patriarcal. Sabemos que não é fácil despertar para toda a opressão que existe na nossa sociedade. É reconhecido que não é simples para as mulheres se desprenderem das obrigações que historicamente lhes foram atribuídas. Mas, nesse sentido, é preciso lembrar a conhecida frase da feminista Rosa Luxemburgo: “quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”.

Mas, nada melhor para esclarecermos as nossos anseios e dúvidas do que ler os entendidos no assunto, neste caso uma entendida, embora a autora se dirija não apenas às mães, mas aos pais no seu conjunto.  Vamos a isso:

Marta Gautier em “Não há Famílias Perfeitas”

“Na minha área de trabalho, dar conselhos de pedagogia pura, e não conselhos da pedagogia que é possível na realidade das pessoas, vai resultar exactamente naquilo contra pretendo lutar: a culpabilidade de mães e pais que, só por si, não leva a lado nenhum.

A minha ambição, na minha actividade e neste livro, é esbater a sensação de fracasso partilhada diariamente por tantos pais, e para a qual contribui a ambiciosa e impossível tarefa que lhes propõem as páginas dos livros da especialidade e a conversa panfletária de vários técnicos: «Devemos incutir nas crianças…», «Devemos ter cuidado para que as crianças…», «Devemos ensinar as crianças a…»

Recuso-me a pactuar com a variedade de exigências dos dias de hoje. Se por um lado se espera que cumpramos simultaneamente vários propósitos importantes e difíceis, por outro também nos é pedido que sejamos, ou pelo menos pareçamos, perfeitos. Como todos, perseguidores e perseguidos, fazem parte desta emboscada, é importante que de vez em quando alguém levante o dedo para lembrar que somos todos imperfeitos e que assim é que deve continuar a ser.

Para se ambicionar um dia exercer bem esta profissão, deve começar-se pela humildade de reconhecer que o conhecimento, a ciência, só por si, não basta para ajudar alguém. Como princípio, devemos assumir que os pais amam mais o seu filho do que nós, conhecem-no melhor do que nós, que a sua intuição é preciosa e que é uma honra entregarem a sua história de amor ao nosso cuidado.

Também não nos podemos esquecer de que na relação pais-filhos se confundem vários sentimentos e estados de alma: amor, frustração, dor, cansaço, ressentimento, identificação, mágoa e tantos outros. A lucidez de uma mãe e de um pais está demasiado comprometida por aquilo que os filhos são independentemente deles, por aquilo que os filhos são, misturados connosco, por aquilo que gostaríamos que fossem, pelas partes deles que não vemos, pelas partes deles que queremos ver, pelas partes deles onde nos revemos, pelo amor que lhes temos, pelo amor que não lhes temos, pelo que neles denuncia os nossos fracassos, a pedagogia que lemos, o que os nossos pais foram connosco e contrariamos, o que os nossos pais foram connosco e imitamos. E tem a ver com as falhas de que nos acusam. E com o não querer que sejam só nossos e o não querer que sejam do mundo.

Esta é a complexa dinâmica que exige que o trabalho nas Competências Parentais seja, por um lado, necessariamente sério e cirúrgico, mas mutável e incoerente, por outro. Desde que comecei a acompanhar crianças com as mais variadas queixas/sintomas, três conclusões essenciais levaram-me à opção de direccionar o meu trabalho e o meu interesse para os pais:

1) Durante o crescimento, para exteriorizar as suas dificuldades, e em vez de se sentar a contar-nos o que a aflige, a criança utiliza muitas vezes o que podemos chamar uma «linguagem paralela», que se traduz no que designarei por «sintoma», e que será a forma de comunicar a dificuldade que se sente. 

Para explicar de uma forma mais simples, podemos pensar que cada ser humano, criança ou adulto, tem um limite interno no que aguente de sofrimento, medos, ansiedades, e que, atingido esse limite, temos de «deitar cá para fora» o que já não é possível «conter lá dentro». Há sentimentos que têm de sair para o exterior, seja pela atitude, seja pelo corpo. Para exemplificar de modo simples, a prova mais observável desta realidade são os fenómenos psicossomáticos que se traduzem em casos de queda de cabelo, eczemas, problemas intestinais, asma e uma grande variedade de problemas médicos. É como se estes sintomas físicos viessem complementar ou substituir o lugar das lágrimas, desabafos, gritos, zangas, medos, fobias, agressividades, depressões e outras patologias, ou outros mecanismos catárticosmais canalizados, como  a escrita, o trabalho, a criação, a criatividade, a arte, etc.

Os pais procuram-nos quando estão preocupados com reacções que consideram pouco «normais» nos filhos. Na maioria das vezes, o sintoma trata-se de uma circunstância inconsciente, em que não há um plano premeditado do tipo: «Vou fazer birras para me darem atenção». Trata-se da tentativa da criança de se adaptar à desorganização interna que, se não for devidamente enquadrada pelo adulto, pode perpetuar-se no tempo e até transformar-se num modo de viver.

Por isso, pode acontecer os sintomas começarem por determinada razão e continuarem por outra completamente diferente. Por exemplo, a criança começou a portar-se mal na sala de aula porque não conseguia compreender a matéria, mas, depois de a compreender, continua a fazê-lo porque percebe que resultam daí benefícios secundários, como ter mais tempo para fazer os testes ou uma atenção privilegiada dos pais e professores. Como este, podia dar milhares de exemplos.

Acontece mais frequentemente do que se julga.

Qualquer que seja a sua origem, o sintoma nunca é o verdadeiro problema, mas o indicativo de uma questão mais profunda que, essa sim, deverá ser devidamente entendida e resolvida do ponto de vista da dinâmica social que envolve a criança.

2) O sintoma tem uma razão de existir. É sua função organizar o melhor possível, ou o melhor que se consegue, as coisas, perante determinadas circunstâncias. O sintoma realiza-se numa tentativa de equilíbrio. Se o retiramos sem o entender, e à utilidade que tem na rotina da criança e da família, mais tarde os pais voltam a bater-nos à porta, queixando-se do seu regresso, ou do aparecimento de um sintoma novo. Por exemplo, a criança deixou de bater nos colegas da escola e agora rói as unhas ou faz xixi na cama. Para explicar esta ideia, costumo pegar num balão com água que, apertado de um dos lados, não tem outra hipótese senão inchar do outro.

Uma vez que o sintoma não é o problema em si mesmo, e a sua grande maioria é extinta sem grande dificuldade, pode ser tentador para os técnicos darem-se por satisfeitos com o seu desaparecimento e considerar o trabalho concluído.

O problema reside na questão subjacente ao sintoma e, perante ele, o psicólogo deve fazer uma pergunta a si mesmo: se este sintoma, desta criança, com esta personalidade, com esta idade, com esta maturidade, e inserida nesta família, falasse, o que diria?

Uma criança que tem medo de ficar sozinha pode indicar que receia ser abandonada; uma criança que recua na linguagem pode querer ter só para si a atenção dada ao irmão acabado de nascer; uma criança que rói as unhas pode querer dizer que fica muito ansiosa em determinadas situações; uma criança que faz xixi na cama pode querer lembrar-nos de que ainda é pequenina; uma criança que bate nas outras crianças pode indicar que rejeita porque tem medo de ser rejeitada; uma criança que faz birras pode indicar-nos que precisa de limites. Mas, em cada um dos casos, o sintoma pode estar a exprimir uma realidade diferente, própria daquela criança.

3) Existem duas forças opositoras: a culpabilidade – grande, antiga e entranhada – que exala do corpo e do discurso dos pais e das mães, e a resistência em tomarem conhecimento de parte dessa mesma culpabilidade.

A mistura de ambas é que os leva a uma semi-consciência turva e má conselheira, e os paralisa na pescadinha de rabo-na-boca de vários paradoxos, como por exemplo: «Dedico todo o tempo ao  meu filho», quando seria mais apropriado tomar consciência de que «Fico impaciente por não ter um minuto para mim».

As pessoas têm uma enorme dificuldade em aceitar estas incoerências como algo legítimo, e essa incompreensão fá-las sentirem-se ainda mais culpadas e com necessidade de compensar os filhos. Num contexto de pouca lucidez, é natural que o tipo de recompensas seja muitas vezes desadequada e amplie sentimentos pouco saudáveis de ambas as partes.

O meu objectivo no trabalho das Competências Parentais não é apenas oferecer fórmulas concretas para a modificação de comportamentos indesejáveis ou da forma como a família se organiza. Seria ingénuo, por ignorar a complexidade do problema, e pouco útil, por não atacar a raiz do problema. Os pais convivem diariamente com os filhos, conhecem-nos bem. Seria arrogância sequer imaginar que bastariam os meus conhecimentos ou a minha insistência para reorganizar uma teia que demorou meses e anos a erguer-se. Respeitando o ritmo, a estrutura, a história pessoal e as crenças enraizadas de cada um, o que pretendo é partir dessa realidade para levá-los a assumirem-se como são, o que são, com toda a sua complexidade.

Aceitando os próprios sentimentos, os pais poderão iniciar uma relação mais autêntica com os filhos. Pretendo que dentro de si, do seu coração, da sua alma e do seu corpo, compreendam o que os está a impedir de serem mais felizes com os filhos. Com essa consciência, as pessoas estarão mais bem preparadas para ir às raízes da própria culpabilidade, detectando onde ela promove uma rotina viciada e nociva. É esta complexidade, esta colisão de forças e sentimentos, muitas vezes negados pelos próprios, que faz deste trabalho uma actividade delicada e engenhosa.

Reagir contra a enorme culpabilidade dos pais é a mais premente intenção deste livro.

Pretendo identificar o inútil e secreto fardo que os pais carregam, e propor-lhes que, enquanto educam os seus filhos, voltem a ser eles próprios, com a sua identidade original de seres humanos que um dia se tornaram pais. Ao contrário do que seria de esperar, esta é uma ideia difícil de assimilar. Não só porque tudo à sua roda parece impor um modelo único, mas também porque as pessoas têm dificuldade em saber quem são, e os filhos podem ser a desculpa perfeita para escamotear essa dúvida. 

Se a verdade é que, do ponto de vista pedagógico, os pais cometem no mínimo meia dúzia de erros por dia, ter consciência da inevitabilidade do erro pode ajudar a sossegar o esforço e a esperança de sermos perfeitos.

Nem sempre é mau encolhermos os ombros e permitirmo-nos ser quem somos. É um gesto que implica muita coragem, e que não deixará de se reflectir, numa espécie de espelho, na coragem e na auto-estima dos filhos, que também terão licença de acreditar que «é bom serem eles mesmos», especiais e únicos.

Com os testemunhos que apresento neste livro, é minha intenção mostrar que partilhamos muitos sentimentos e, assim, retirar as pessoas de um isolamento desnecessário, que, se não for desmistificado, pode perdurar vidas inteiras. Temos tendência para achar que em casa dos outros tudo corre bem, mas não é assim. Nada é linear e todas as pessoas têm as suas esquisitices, manias, transgressões. Ao mesmo tempo, ver nos outros algo de nós motiva-nos a sermos mais nós mesmos, e a assumirmos as nossas limitações e imperfeições. Na prática, ao vermo-nos parecidos com os outros temos vontade de ser mais nós mesmos. Dizia o filósofo qualquer coisa como: «Dizer que sou tímido, já é não ser tímido».”

Bibliografia

GAUTIER, Marta. (2010) Não há famílias perfeitas. Editora Objectiva. Carnaxide. 3ª edição. pp. 243-250