“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.”
Jean-Paul Sartre
Porque nunca é demais debater a problemática da violência doméstica, eis um excerto do livro intitulado “Sem Medo Maria”, da autoria de Fernanda Freitas.
“A violência entre casais de namorados, sobretudo em camadas etárias mais novas é, hoje em dia, não só uma realidade, como uma enorme preocupação, sobretudo pelos elevados níveis de tolerância perante este tipo de violência, junto da população estudantil.
No estudo nacional »Violência nas Relações Amorosas: Comportamentos e Atitudes nos Jovens», apresentado em 2005 por Sónia Caridade e Carla Machado, ambas da Universidade do Minho, em Braga, que analisou três mil inquéritos a pessoas entre os 15 e os 25 anos, abrangendo alunos do secundário, ensino profissional, universitários e jovens em situação de abandono escolar, a maioria dos inquiridos não concordava com o uso de violência, mas 24% deles recorreram ao abuso emocional e 22% chegaram aos maus-tratos físicos. 27% admitiram ter sido vítimas de pelo menos um acto abusivo, e 33% confirmaram ter abusado de alguma forma do outro elemento da relação.
Percepcionou-se que o abuso é mais tolerado pelo sexo masculino, mas vai diminuindo à medida que os estudantes progridem no percurso escolar. O agressor recorre às mesmas estratégias de vitimação que já abordámos em capítulos anteriores, ou seja, violência psicológica e controlo da vida da vítima, seguindo-se as ofensas físicas e os abusos sexuais.
Outros estudos da mesma Universidade apontam para o facto de algumas jovens acabarem por sofrer tanto como as que já estão casadas, distinguindo-as apenas pela inexistência do vínculo matrimonial, partilha de tecto, e por não terem ainda filhos.
O ideal é aprender a identificar os sinais que denotam uma relação violenta e pouco saudável, já que muitas das mulheres que sofrem com a violência doméstica admitem períodos de conflitos verbais e físicos desde a fase do namoro.”
Teste
“Estás a viver uma relação amorosa violenta se o teu namorado:
- Belisca-te, empurra-te, arranha-te;
- Dá-te ordens ou toma todas as decisões,
- Não valoriza as tuas opiniões;
- É ciumento e possessivo, não quer que saias com as tuas amigas e amigos;
- Controla todos os teus movimentos (pergunta constantemente onde estiveste, com quem estiveste);
- Humilha-te à frente das tuas amigas e amigos (insulta-te, diz que nada serias sem ele, etc.);
- Culpa-te pelos comportamentos violentos dele;
- Assusta-te, tens medo da reacção dele quando dizes ou fazes alguma coisa;
- Pressiona-te para terem relações sexuais, para terem relações sexuais não protegidas ou práticas sexuais não desejadas por ti;
- Pressiona-te a consumir álcool ou outras drogas que te poderão desinibir sexualmente;
- Intimida-te;
- Não aceita que queiras terminar a relação;
- Ameaça espalhar rumores se acabares com a relação, fazer mal a alguém (ou a ele próprio);
- Oferece-te prendas em excesso, especialmente após um comportamento violento.
Lembra-te! Tens o direito de:
- Não ter namorado.
- Expressar as tuas ideias.
- Expressar os teus sentimentos, mesmo sendo negativos.
- Escolher o teu trabalho e a tua religião.
- Viver sem medo.
- Ter tempo para ti.
- Gastar o teu dinheiro como bem entenderes.
- Ser apoiada pela tua família e amigas/os.
- Ser ouvida pelas tuas amigas e amigos, e familiares.
- Escolher as tuas amigas e amigos.
- Expressar as tuas convicções, competências e talentos.
- Decidir se queres participar em actos sexuais ou não.
As razões pelas quais as jovens mantêm uma relação de namoro violenta são várias, normalmente, gostam efectivamente do namorado e acreditam que conseguem mudá-lo. Devido às pressões do grupo em que se movimentam, estas jovens receiam que o rompimento não seja apreciado ou compreendido pelos amigos e amigas e têm por vezes vergonha de admitir que existe violência no namoro.
Frequentemente o medo de represálias, perseguições ou ameaças é mais forte do que a vontade de acabar com aquele relacionamento. Mas é importante os jovens perceberem que este tipo de violência não pode ser minimizado: normalmente, constitui um alerta – já que a tendência será agravar-se tanto na frequência, quanto na intensidade, aumentando o risco de ocorrer em futura vivência conjugal.
O fim do namoro não significa o fim da violência. Por vezes, o ex-namorado não aceita o fim da relação, continuando a perseguir e a controlar todos os passos que a ex-namorada dá. Daí que seja importante ter em conta algumas medidas de segurança, avançadas pela Associação de Mulheres contra a Violência:
- Mudar o número de telemóvel
- Mudar de e-mail
- Procurar caminhos alternativos para os locais que habitualmente frequentas
- Procurar andar acompanhada
- Falar da situação com pessoas de confiança que possam apoiar em situações de emergência
- Manter um registo sobre as situações de violência que ocorreram
- Gravar no telemóvel os contactos necessários em caso de emergência (112, 144, polícia local, pessoa de confiança)
Ainda existem muitos aspectos sociais enraizados, o país tem uma cultura machista e há imenso trabalho de prevenção a fazer junto dos mais novos – se as jovens aceitarem um namorado violento irão mais tarde aceitar anos de casamento com violência.
Bibliografia
FREITAS, Fernanda. (2008). Sem Medo Maria. Caderno. Alfragide. pp. 75-79.