Imagem retirada daqui
Contrariamente a Durkheim, que defende pressupostos epistemológicos de inspiração positivista, Simmel procura uma visão mais relativista da irredutibilidade do saber. Em a Filosofia do Dinheiro, Simmel desenvolve a sua perspetiva sobre o casamento, a família e a emancipação feminina. Para o autor, a variedade de formas de relacionamento entre homens e mulheres, desenvolvidas ao longo dos tempos, está associada a “circunstâncias históricas específicas”. Não decorrem, por conseguinte, de uma evolução simples e linear a partir de um estado primitivo.
Simmel defende que a relação mais estável ao longo do tempo não é propriamente a que se estabelece entre homens e mulheres, mas antes, aquela que associa mães e filhos. O conceito original do que era ser pai incluía apenas a posse da criança através da posse da mãe. Foi o surgimento da propriedade privada, que terá permitido a individualização da relação pai/filho através do desejo de transmissão do património. A propriedade privada estaria também na origem da valorização da monogamia e da fidelidade feminina no casamento, enquanto meio de garantir a transmissão do património a filhos legítimos.
Quando ainda não existia a divisão do trabalho entre os sexos, o casamento fazia-se por compra da mulher. Considerada como um objecto, uma espécie particular de animal de trabalho, um “bem” que passava da família de origem para o marido que a adquiria, o casamento representava perda de mão de obra para a família. Assim, esta perda de braços para trabalhar, só poderia ser compensada pela “compra” da mulher. Este tipo de situação era mais frequente quando a divisão do trabalho entre os sexos não tinha ainda uma grande expressão, participando as mulheres na actividade produtiva. Por outro lado, o valor acrescentado das capacidades reprodutivas femininas contribuíam para acentuar as vantagens da aquisição da mulher pelo marido – a lógica da mulher como mercadoria.
Na perspetiva de Simmel, a passagem do casamento por compra para o casamento com dote surgiu na sequência de mudanças das circunstâncias sociais. Ou seja, quando a economia perdeu o seu carácter familiar e se desenvolveu a economia monetária, acentuou-se a divisão do trabalho entre os sexos. Com a distinção entre o trabalho doméstico não directamente produtivo e o trabalho para o mercado, assumido pelos homens, as mulheres deixaram de ter valor produtivo, passando, a partir do casamento, a constituir para os homens um “encargo”, um “peso”. O dote da família da noiva funcionava, assim, como forma de atenuar essa despesa futura.
Na Filosofia do Dinheiro, o autor refere ainda o problema das diferenças entre homens e mulheres no que diz respeito à sexualidade. “Ligadas mais estreitamente e mais intensamente do que os homens ao fundo primordial, obscuro, da natureza, o essencial da sua personalidade está ancorado muito mais solidamente nas funções eminentemente naturais e universais que garantem a unidade da espécie”. As mulheres são, assim, uma essência, uma totalidade, encontrando-se todos os seus diferentes aspectos intimamente fundidos no seu ser a partir “dos afectos, vontades e pensamentos incluídos”. Portanto, a mulher é o “ser”, a totalidade com uma unidade psíquica mais indistinta, enquanto o homem é “devir”, um ser dividido mas muito diferenciado, racional e distante dos fundos obscuros da natureza.
Estas diferenciações têm como consequência duas posturas inteiramente distintas de homens e de mulheres perante a sexualidade. Enquanto as mulheres no relacionamento sexual entregam todo o seu ser, os homens entregam apenas uma ínfima parte. Trata-se, por conseguinte, de uma visão fundamentalmente essencialista e naturalista a que distingue o masculino do feminino. Ao especificar melhor as diferenças entre os sexos, o autor responde ao problema da emancipação feminina, sustentando que só existirá verdadeiramente emancipação, se as mulheres afirmarem a sua cultura própria, que se caracteriza pela oposição total à cultura existente. Esta última é masculina, porque é objectivada e assenta na essência racionalista e dispersa do masculino.
Ora, o problema que reside nestas teorias de Simmel, é que em vez de considerar essas diferenças como decorrentes de aprendizagens e de circunstâncias históricas e sociológicas, o autor assenta-as na alma feminina, entrando em territórios que não se prestam à comprovação empírica e que se afastam da pesquisa sociológica. Será que há uma alma feminina e outra masculina? A alma tem sexo? O que parece evidente, é que as diferenças entre os sexos não decorrem do problema de natureza, mas de contextos diversificados de aprendizagens, de socialização, de cultura.
Contudo, é de louvar a preocupação de Simmel, ao sublinhar as vantagens do que ele considera ser a “cultura feminina”, se a entendermos como uma procura de atingir a totalidade, ou como vontade de mostrar que, na vida social, para além das dimensões racionais é importante também ter em conta as emocionais, sendo que as duas são constituintes do que se entende por “pessoa”. O que é o mesmo que dizer, que as emoções não são atributos inscritos na natureza ou na alma feminina, mas de competências dos seres humanos, homens e mulheres. Porém, por razões históricas, de divisão do trabalho, de funções e de papéis, as mulheres, inevitavelmente, desenvolveram mais essas competências. A procura de zonas de complementaridade entre emoção e razão tem constituído crescente objecto de pesquisa, particularmente no âmbito da neurobiologia, para o qual muito tem contribuído António Damásio (1994).
Nota importante – Cuidado com os essencialismos, pois estes são redutores.
Bibliografia
TORRES, M. C. Anália. (2010). Relatório da Unidade Curricular Sociologia da Família Análises e Debates. Lisboa. Instituto Universitário de Lisboa Departamento de Sociologia.