“Cabe ao indivíduo descobrir o que é capaz de fazer, esticar essa capacidade ao máximo e escolher os fins a que essa capacidade poderia melhor servir.”
À conta desta frase, perguntei ao meu irmão, em busca de alguma luz que me ajudasse no meu processo de auto conhecimento:
Eu – Qual é a minha matriz?
Ele – A tua matriz original é seres Humana. A tua matriz é única, irrepetível.
Eu – Certo. Mas qual, ou quais os traços, indícios de qualquer coisa especial, particular, que vês em mim, que poderei potenciar?
Ele – Só tu o poderás saber. Essa matriz que procuras é a matriz artificial, que foi construída ao longo da tua vida e objecto das influências do meio envolvente, dos acontecimentos, das relações, de tudo. Matriz esta, já fruto da educação, que te fez perder para sempre a matriz original. Mas, citando Sócrates: Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses.
Eu – Certo, mas, ainda assim, não és capaz de ver em mim algo que me demarca e que me faz diferente, que poderá indiciar essa minha matriz construída?
Ele – Estás a pensar de forma racional… E o racional fode tudo.
Grande filósofo é o povo! E grande tarefa é a minha, querendo conhecer-me.
“Tudo, por assim dizer, corre agora por conta do indivíduo. Cabe ao indivíduo descobrir o que é capaz de fazer, esticar essa capacidade ao máximo e escolher os fins a que essa capacidade poderia melhor servir – isto é, com a máxima satisfação concebível. Compete ao indivíduo «amansar o inesperado para que se torne um entretenimento».
Viver num mundo cheio de oportunidades – cada uma mais apetitosa e atraente que a anterior, cada uma «compensando a anterior, e preparando o terreno para a mudança para a seguinte» – é uma experiência divertida. Nesse mundo, poucas coisas são predeterminadas, e menos ainda irrevogáveis. Poucas derrotas são definitivas, pouquíssimos contratempos, irreversíveis; mas nenhuma vitória é tampouco final. Para que as possibilidades continuem infinitas, nenhuma deve ser capaz de petrificar-se em realidade para sempre. Melhor que permaneçam líquidas e fluidas e tenham «data de validade», caso contrário poderiam excluir as oportunidades remanescentes e abortar o embrião da próxima aventura. Como dizem Zbyszko Melosik e Tomasz Szkudlarek em seu interessante estudo de problemas da identidade, viver em meio a chances aparentemente infinitas (ou pelo menos em meio a maior número de chances do que seria razoável experimentar) tem o gosto doce da «liberdade de tornar-se qualquer um». Porém essa doçura tem uma cica amarga porque, enquanto o «tornar-se» sugere que nada está acabado e temos tudo pela frente, a condição de «ser alguém», que o tornar-se deve assegurar, anuncia o apito final do árbitro, indicando o fim do jogo.
«Você não está mais livre quando chega o final; você não é você, mesmo que tenha se tornado alguém».
Estar inacabado, incompleto e sub determinado é um estado cheio de riscos e ansiedade, mas seu contrário também não traz um prazer pleno, pois fecha antecipadamente o que a liberdade precisa manter aberto.
A consciência de que o jogo continua, de que muito vai ainda acontecer, e o inventário das maravilhas que a vida pode oferecer são muito agradáveis e satisfatórios. A suspeita de que nada do que já foi testado e apropriado é duradouro e garantido contra a decadência é,
porém,
a proverbial mosca na sopa.”
Actualização do post, um dia depois da sua publicação: 😀
Ao organizar um montão de livros, calhei a folhear um deles, da autoria de Francesco Alberoni, intitulado “Tenham Coragem”. Tantas páginas e fui logo abrir o livro na página 59, na qual consta apenas um pequeno excerto, cujo conteúdo, a meu ver, veio corroborar a tese do meu irmão. Se queremos saber quem somos não podemos ser racionais.
Ei-lo, pois:
“Na nossa vida há sempre uma coerência misteriosa, um fio condutor, uma trama a que alguns chamam de vocação, ou chamamento, ou até mesmo destino. E que devemos saber reconhecer e que devemos ter a coragem de não trair se quisermos continuar a sermos nós próprios e fazer alguma coisa que valha a pena. Esta trama misteriosa não permanece idêntica, muda em cada etapa da nossa existência. Temos de reconhecê-la e aceitá-la todas as vezes até ao fundo. Só então entramos em contacto com as energias profundas que nos mantêm e nos guiam. Não sentimos mais o cansaço e conseguimos ir «mais além» do nosso eu quotidiano.» (ALBERONI, 2000: 59).”
Biografia
ALBERONI, Francesco. (2000). Tenham Coragem. Bertrand Editora. Venda Nova. p. 59.
BAUMAN, Zygmunt. (2001). Modernidade Líquida. Zahar. Rio de Janeiro. pp. 80-81.