Vidas ocultadas

Publicado por: Milu  :  Categoria: SOCIEDADE, Vidas Ocultadas

“Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento exacto. E então, pude relaxar. Hoje eu sei que isso tem nome: Auto-estima.”

Kim Mcmillen

 

Ainda há quem se atreva a dizer, por disso estar convencido, que só os homens podem ser bons filósofos, cientistas ou intelectuais. Na verdade, tempos houve em que a mulher era  praticamente excluída da escola, sendo que se considerava que uma mulher deveria antes aprender a cuidar de uma casa, do marido e dos filhos. Deste modo, o estudo para uma mulher não serviria para nada, pois a sua função na sociedade era ser uma boa mãe e uma boa esposa. No entanto, mesmo em tempos remotos, durante toda a Idade Média, houve  mulheres que por terem tido a suprema graça de nascerem  no seio de uma família com posses e esclarecida, puderam não só frequentar a  escola como também aprofundar os seus estudos, não obstante as dificuldades sentidas  em relação à escolha de certas profissões que estavam interditas às mulheres, pois toda a educação era feita na base das desigualdades de género.

Por sua vez, a História não fez jus ao esforço e mérito das mulheres, tendo em conta que é muito parca em relatos seja de que ordem for, quando protagonizados por mulheres. Já em relação aos  homens,  facilmente constatamos que as narrativas sobre as suas obras são extensas, abundantes e… empoladas. A escola também tem muita responsabilidade neste facto, uma vez que conta uma história de homens, é profícua em dar a conhecer às crianças e jovens personagens masculinas.

Mas a mim, o que me suscita curiosidade são as histórias de vida das mulheres que não são faladas porque incómodas,  daquelas que vivendo num tempo de trevas foram visionárias e tiveram a coragem de  ter ideias, de desafiar o estabelecido. Algumas destas mulheres pagaram com a vida a sua ousadia…

Mas quem melhor para nos elucidar sobre estas Grandes Mulheres ocultadas senão Ana Barradas, autora do livro denominado “Dicionário Incompleto de Mulheres Rebeldes“? Fruto de aturadas pesquisas, nele poderemos encontrar cerca de 244 referências a mulheres que se destacaram pela sua rebeldia e inconformismo. Chamo a atenção para um pormenor muito importante: Algumas destas mulheres viveram na Idade Média e já viam mais longe do que a maioria das mulheres do nosso tempo… Como não poderia deixar de ser, aqui transcrevo algumas dessas referências que não sendo as mais perturbadoras, são o bastante para fornecer uma ideia do conteúdo deste livro.

Um livro que nos é apresentado da seguinte forma:

“Na bibliografia portuguesa, este livro constitui uma primeira incursão num domínio, a bem dizer, ocultado: o das mulheres que ao longo da História fizeram história ao insurgirem-se simultaneamente contra o poder político e contra as inaceitáveis e específicas limitações que a lei e os costumes sempre impuseram às mulheres para impedir a sua autonomia como seres pensantes.”

 

 

Introdução do livro “Dicionário Incompleto de Mulheres Rebeldes”

 

Sendo a historiografia essencialmente tecida em volta dos feitos dos dominadores, as obras de referência que circulam limitam-se a consagrar as figuras femininas «politicamente correctas», complementares da acção dos homens. (…). Nesta selecção que agora se apresenta transparece pois como critério fundamental o intuito de celebrar o desejo de revolta, o espírito pioneiro, os feitos inéditos e criativos, a dinâmica subversiva, a fuga à norma, enquadrando-os o mais possível num contexto epocal, para tornar mais transparentes as causas, as motivações e os efeitos dessas atitudes quase sempre assumidas à custa de enormes doses de coragem. (…).

Não se pretende pois enaltecer imperatrizes, cortesãs, sábias ou figuras desde há muito consagradas como «grandes mulheres» ou como «as mais famosas». Não se acharão aqui nomes como os da rainha Vitória, Catarina da Rússia ou Madame Curie, para citar apenas algumas.

(…)

Algumas [das mulheres deste livro] continuam a ocupar posições obscuras na história dos homens e nos registos que chegaram até nós, em resultado da sistemática desvalorização de tudo quanto é feminino e contra a norma vigente. Mas nem por isso me parecem menos dignas de nota, pelo contrário. Esse anonimato cativa-me, faz-me senti-las mais próximas, mais irmãs de todas as mulheres desconhecidas.

A selecção que se segue tem lacunas evidentes, a primeira das quais é que as mulheres portuguesas estão muito mal representadas, por falta de material documental e porque a pesquisa exigível precisaria de mais tempo para se desenvolver de forma coerente. E também porque me parece, é preciso confessá-lo, que ao longo da história elas não se destacaram particularmente em matéria de rebeldia. Muito enfeudadas à religião e aos costumes patriarcais, vivendo numa sociedade atrasada e periférica que nunca prezou as inovações, quase sempre caracterizada por um atavismo arreigado, por uma cultura de repressão e exclusão (não era essa «a apagada e vil tristeza»?) e por um desprezo muito  generalizado pelo segundo sexo, foram raros os casos de inconformismo. Ainda está para se fazer o balanço do efeito que sobre essa passividade terá tido, por exemplo, a caça às bruxas movida pela Inquisição, que foi no fundo, em grande medida, uma guerra contra as mulheres e os seus poderes de cura, de magia, de insubordinação. Curandeiras, feiticeiras, abortadeiras, «mulheres santas» e outras sacerdotisas do saber tradicional popular deviam figurar nesta antologia, mais do que a padeira de Aljubarrota, Maria da Fonte e outras figuras emblemáticas, que apenas viram o seu nome consagrado por a sua acção ter secundado , como pano de fundo, outras acções mais proeminentes, viris, políticas ou de alcance nacional, em defesa deste ou daquele interesse patriótico ou de classe”. (…) (Barradas, 1998: 7-10).

 

Histórias de Mulheres Especiais

 

Alice Walker (1954)

 

“Poetisa, romancista e contista americana, é conhecida por desafiar as tradições e inspirar mudanças. Nascida no seio de uma família de trabalhadores de plantação no Sul dos Estados Unidos, Walker confrontou-se com o  racismo, a ignorância e o ódio e procurou refúgio na escrita. Os seus livros mais famosos, The Color Purple e Possessing the Secret of Joy, tratam da opressão das mulheres e dos negros na sociedade americana. «A base de todas as mudanças tem de ser a autonomia feminina.  A mulher está completamente à altura de definir e construir o seu presente e futuro. Não padece de menoridade. É um ser humano de pleno direito, perfeitamente capaz.»

Trouxe à discussão o tema da mutilação genital. Diz ela: «O assunto surge esporadicamente a lume nos meios de comunicação social, mas para cem milhões de mulheres espalhadas por todo o mundo continuou a ser um problema e assim permanecerá, enquanto os seus filhos correrem perigo. Acho que se quebrou o silêncio. As mulheres desses países sabem que já não constitui segredo. Sabem o que se passa. Conhecem o processo em pormenor. Tem-se a sensação de que podemos manter alertada a consciência mundial.» Por outro lado, «é dever absoluto questionar todas as religiões que se conhecem, porque habitualmente agem contra os interesses das mulheres. Estas têm de tomar consciência de que são seres conscientes e que podem compreender tão bem como qualquer um por que estamos neste mundo, para começar. A partir dessa compreensão, podem elaborar uma espiritualidade e uma religião que se adaptem à sua experiência e as conduzam pela vida fora. Aqueles que tentam dominar tantos outros tornaram a vida na Terra uma infelicidade para as pessoas, durante milhares de anos. Chegou a altura de desaparecerem. Podem levar consigo esse Deus que criaram, ir para o céu e sentar-se a seu lado para se aborrecerem por toda a eternidade. Mas as mulheres têm mais que fazer

As suas ideias acerca da família também causaram celeuma: «É muito curioso as pessoas estarem constantemente a lamentarem o colapso da família; com isto querem significar o colapso da família nuclear, com o homem como chefe de família e as mulheres e crianças como uma espécie de membros subservientes. Mas o que acontece é que estão constantemente a formar-se novos tipos de famílias. (…) A família nuclear está a morrer porque serviu muito mal as pessoas. Foi quase fatal para as mulheres e crianças, porque reforçou o poder e o domínio masculinos. O homem abusou desse domínio e usou-o contra as pessoas que devia proteger: a mulher e os filhos. Por isso, deixem-na desaparecer. Deixem de tentar agarrar-se a uma coisa que realmente nunca funcionou bem.»” (Barradas, 1998: 23-24).

 

Antoinette Fouqué 

 

“Professora e crítica literária, editora e feminista, Antoinette Fouqué fundou o Movimento de Libertação das Mulheres em França nos anos 60, o primeiro do género na Europa. Reuniu logo desde o princípio milhares de apoiantes, numa altura em que as mulheres entravam em força no mercado de trabalho. 

Ao mesmo tempo, fundou um grupo chamado Psychoanalyse et Politique, para estudar as razões da opressão feminina. Organizou conferências internacionais em que estiveram presentes muitos milhares de participantes de todos os continentes.

Publicou várias revistas internacionais e fundou uma editora, Des Femmes, conhecida por editar livros escritos por mulheres” (Barradas, 1998: 36).

 

Cristina de Piza (1365-c. 1430)

 

“Cortesã e escritora francesa, é autora do Livro da Cidade das Damas, em defesa do sexo feminino e registando as vidas de mulheres famosas, desde Eva até à rainha de França, sua patrona. Opôs-se às tradições machistas do seu tempo: a educação medíocre que se dava às mulheres era o que causava a ilusão de inferioridade em relação aos homens; o casamento era mais penoso para as mulheres do que para os homens; os homens usam de crueldade com as mulheres, e estas «não sentem absolutamente prazer nenhum em serem violadas.» Ganhou os favores do duque de Bolonha com as suas poesias e escritos didácticos, históricos e filosóficos com os quais, depois de enviuvar aos 23 anos, sustentou a família (mãe, dois irmãos e os dois filhos). Na autobiografia, “Visão de Christine”, afirmou que a «ajuda» que lhe davam era «relutante e não muito generosa, e às vezes, quando a davam, havia atraso no pagamento e necessidade de assediar as suas fortunas para a receber.»

Foi uma escritora conhecida, apreciada e popular em vida. O “Livro das Três Virtudes, sobre  as actividades e atitudes indicadas para as mulheres de diferentes condições”, teve várias edições em França. Ela própria encomendou uma tradução para inglês do “Livro da Cidade das Damas”. Com grande profissionalismo, dirigiu a produção das suas obras: contratou copistas, orientou-os e deve ter copiado também partes de cerca de 55 manuscritos seus.

Christine de Piza foi a primeira mulher a participar nos debates literários e filosóficos sobre o valor das mulheres: «Não há a mínima dúvida de que as mulheres pertencem ao povo de Deus e à raça humana tanto como os homens e não há outra espécie ou raça dissemelhante, pela qual deveriam ser privadas de ensinamentos morais.»

Depois de morrer, caiu no esquecimento, vindo a ser redescoberta  na segunda metade do século XX” (Barradas, 1998: 46-47).

 

Elizabeth Cady Stanton (1815-1902)

 

“Quando da cerimónia em que se casou em 1840, insistiu em não pronunciar a palavra «obedecer» incluída nos votos do matrimónio. Em 1848 organizou, com Lucrécia Mott, a primeira convenção sobre os direitos das mulheres em Seneca Falls, que deu origem ao movimento sufragista americano. Fundou com Susan B. Anthony o Movimento Nacional pelo Sufrágio das Mulheres em 1869″ (Barradas, 1998: 58-59).

 

Émile Du Châtelet (1706-1749)

 

“Nobre e cortesã, as suas capacidades intelectuais revelaram-se desde muito cedo: aos 10 anos já lia Cícero e estudava matemática e metafísica. Aos 12 anos falava inglês, italiano, espanhol e alemão e traduzia do latim e grego textos dos clássicos.

Mais tarde, este tipo de interesses valeu-lhe ser admitida nas discussões entre matemáticos e cientistas parisienses e passou a ser conhecida como intérprete das teorias de Leibnitz e Newton. Dormia muito pouco, lia muito depressa e aparecia em público com os dedos manchados de tinta de escrever. O pai queixava-se: «Farto-me de discutir com ela. Não compreende que nenhum grande senhor quererá casar com uma mulher que se entrega diariamente à leitura.» A mãe, que lhe ensinou as oito maneiras aceitáveis de comer um ovo quente antes de a apresentarem à corte, aos 16 anos, censurava-a por dar provas de inteligência, coisa que afastaria definitivamente os pretendentes, se os outros seus excessos não os afastassem primeiro. Só o duque de Richelieu, seu amante e amigo de toda a vida, a encorajava a prosseguir os estudos e a formalizá-los com a ajuda de professores da Sorbonne.

Quando os cortesãos de Luís XV começaram a apostar sobre qual deles a seduziria primeiro, Émilie, que era atlética e alta, desafiou o coronel Jacques de Brun, comandante da guarda real, para um duelo à espada. Perdeu, mas jogou tão bem que os outros galãs suspenderam as investidas com medo de terem de ser desafiados a novos combates.

Em 1733, ao entrar no café Gradot, onde se reuniam os seus amigos cientistas e filósofos, foi impedida de se aproximar deles, por ser mulher. Mandou fazer um fato de homem e apresentou-se, para gáudio dos colegas e consternação do dono do estabelecimento.

(…)

Em 1740, Émilie du Châtelet publicou As Instituições da Física, obra em três volumes sobre Leibnitz. Também traduziu Princípios da Matemática de Newton, escreveu um livro sobre álgebra e colaborou com Voltaire no tratado deste sobre Newton” (Barradas, 1998: 61-62).

 

Etta Palm D’Aelders (1743-?)

 

Holandesa activa na Revolução Francesa, que desde 1789 se destacara como oradora, sobretudo pelo seu «Discurso sobre a Injustiça das Leis que favorecem os homens em detrimento das mulheres.» Nele denunciava a escravatura doméstica e deplorava estar o género feminino dependente do domínio de um homem, do nascimento até à morte. Quando o  destino as livrava disso, continuavam a ser vítimas dos preconceitos sociais.

No  Verão de 1791, depois de fundar o clube Sociedade Patriótica e de Beneficência das Amigas da Verdade, dirigiu-se à Assembleia Nacional, pedindo educação igual para  as raparigas e igualdade de direitos para as mulheres. Convencida de que conseguiria os seus intentos, afirmou no seu discurso: «Vós devolvestes ao homem a dignidade como ser, reconhecendo os seus direitos; não permitireis que a mulher continue a sofrer sob o jugo de uma autoridade arbitrária.»

Voltou a pronunciar-se naquela Assembleia por duas vezes: a propósito da igualdade entre herdeiros, sem distinção  de sexo, e da igualdade do homem e da mulher face ao adultério.

Em Outubro de 1793, todas as mulheres foram proibidas de exercer actividade política, a pretexto de que

«uma mulher não deve abandonar a família para se imiscuir nos assuntos do governo».

Depois da morte de Olympe de Gouges na guilhotina, Etta viu-se forçada a fugir de França para escapar à repressão. Depois disso, pouco mais se sabe da sua vida” (Barradas, 1998: 75-76).

 

Louise Otto Peters (1819-1895)

 

Feminista Alemã, escreveu romances, publicou um jornal para mulheres no período revolucionário após 1848 e foi fundadora do movimento feminino alemão. Ao fim de dois anos de publicação foi forçada a fechar o jornal, por causa de uma lei aprovada havia pouco, estipulando que só os homens podiam editar jornais.

Escreveu: «A história de todos os tempos, e a de hoje especialmente, ensina que (…) as mulheres serão esquecidas se se esquecerem de pensar em si próprias.»” (Barradas, 1998: 123).

 

Margarita Nelken (1894-1968)

 

De origem judia alemã, interessou-se por temas sociais e viveu de perto a Revolução Alemã. As suas conferências e cursos de arte levaram-na a França, Holanda, Bélgica e Espanha.

Em 1921 escreveu a Condição Social da Mulher em Espanha, livro que a igreja católica fez questão de condenar. Realçava a exploração da mulher, a sua ignorância e falta de educação sexual e a necessidade de se instituir o divórcio. Analisava problemas como prostituição, filhos ilegítimos e mães trabalhadoras.

Cumpriu três mandatos parlamentares pelo PSOE (1931, 33 e 36), antes de aderir ao Partido Comunista. Discursava nos centros industriais. Quando o governo republicano começa a reprimir aos tiros as manifestações operárias, o director da Guarda Civil, o general Sanjurjo, responsabiliza-a por fazer discursos «incendiários».

Em Janeiro de 1939, no dia em que o exército franquista estava já às portas de Barcelona, Margarita Nelken deu uma conferência sobre «Picasso, artista e cidadão de Espanha». O célebre pintor era odiado pelo regime de Franco e fora forçado a exilar-se” (Barradas, 1998: 130).

 

Olympe de Gouges (1748-1793)

 

Filha de um talhante, casou cedo com um militar de baixa patente de quem teve um filho. Aos 20 anos fugiu de casa, aborrecida com a vida de família e desejosa de se dar a conhecer ao mundo. Apresentou-se em Paris com um nome falso e uma genealogia romanceada – dizia-se filha ilegítima de um marquês. Tornou-se famosa como literata e mulher dada a ligações ocasionais.

Quando se deu a Revolução Francesa e embora  se mantivesse a favor da monarquia, pensou ver no novo ideário a possibilidade de direitos iguais entre os dois sexos e lançou-se apaixonadamente nessa luta. Passou a frequentar as tribunas, os cafés e as sociedades eruditas. Defendia, entre muitas outras coisas, mais e melhor educação para as mulheres e direitos iguais no casamento, pagando do seu bolso a impressão de panfletos que distribuía pessoalmente.

Quando, em Outubro de 1791, a Assembleia Constituinte aprovou uma Constituição que excluía as mulheres dos direitos de cidadania, Olympe de Gouges publicou a sua própria «Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne» (Declaração dos direitos da mulher e da cidadã), inspirada na Declaração dos Direitos do Homem, que dedicou a Maria Antonieta. No preâmbulo, afirma: «Esta revolução só se consumará quando todas as mulheres se compenetrarem da sua deplorável sorte e dos direitos que perderem nesta sociedade. Apoiai, Senhora, esta causa tão bela; defendei este sexo infeliz e em breve tereis para vós metade do reino e pelo menos um terço do outro.» Incluiu na declaração um «contrato social entre marido e mulher», com base numa união «pelo termo da vida e pela duração das inclinações naturais». O artigo 10º declara: «Se uma mulher tem o direito de subir à forca, também deve ter o direito de subir à tribuna.» E o texto termina com um apelo:

«Mulher, acorda! Em todo o universo ouvem-se já as badaladas do sino da razão; descobre os teus direitos. O poderoso império da natureza já não está rodeado de preconceito, fanatismo, superstição e mentira. A chama da verdade dispersou todas as nuvens de loucura e usurpação.»

Na Primavera de 1792, já desiludida, escreveu: «Ó meu pobre sexo, ó mulheres que nada adquiristes nesta revolução!» Cada vez mais mal vista pelos dirigentes do poder, é alvo de insultos e chacota. O jornal Les Révolutions de Paris comenta, referindo-se a declarações suas:

«A honra das mulheres consiste em cultivar, de bico calado, todas as virtudes do seu sexo sob o véu da modéstia e na sombra do recolhimento. Além disso, não é às mulheres que compete indicar o caminho aos homens.»

Presa como girondina, sobe à forca em Novembro de 1793, depois de decretada a proibição de as mulheres se ocuparem de actividades políticas. Antes de morrer, fez votos para que a posteridade não esquecesse que agira em favor das mulheres, cuja causa, estava certa, triunfaria um dia” (Barradas, 1998: 166-167).

 

Conclusão

 

“O estudo da História não é politicamente neutro nem alheio aos conflitos sociais. Isso mesmo o afirmam os responsáveis por esta história da mulher ocidental, ao reconhecerem que sem a luta feminina pela emancipação social e  as interrogações que esses movimentos suscitaram jamais lhes ocorreria a necessidade de tal projecto. Mais do que uma história  das mulheres, esta é uma história das relações entre os sexos, da dominação masculina ao longo do tempo. As implicações de tal dominação são tantas e de tal forma totalitárias que obrigam a uma primeira constatação:

a mulher nunca existiu como ser social.

Os ténues vestígios que dela nos chegam não são de proveniência directa, mas dos homens que governam, escrevem, constroem as memórias. Elas «pouco espaço ocupam nos arquivos públicos. Desapareceram na destruição dos arquivos privados. Quantos diários íntimos, quantas cartas queimadas por herdeiros indiferentes, ou mesmo pelas próprias mulheres que, no crepúsculo  de uma vida magoada, remexem as cinzas das suas recordações, cuja divulgação temem. Das mulheres guardam-se, muitas vezes, objectos: um dedal, um anel, um missal, uma sombrinha, a peça de um enxoval, o vestido de uma avó; ou então imagens».” (Barradas, 1998: 226).

 

Bibliografia

BARRADAS, Ana. (1998). Dicionário Incompleto de Mulheres Rebeldes. Antígona. Lisboa.