Até onde se pode ir?
De
David Lodge
David Lodge nasceu em Londres no ano de 1935. Traduzido em 25 línguas é considerado um dos maiores autores da moderna Literatura Inglesa, que veio a ensinar, quando foi professor na Universidade de Birmingham. Além dos seus romances “Notícias do Paraíso” e “Terapia”, foi autor de obras importantes de ensaio na área da literatura e de séries de televisão, entre as quais da adaptação de “Um almoço nunca é de graça”, que ganhou o prémio para a Melhor Série de Televisão de 1989 da Royal Television Society.
“Até onde se pode ir” é uma obra satírica e bem-humorada, brilhantemente escrita pelo autor David Lodge que nos elucida do alcance da influência exercida pelos dogmas da religião cristã, sobre um grupo de católicos ingleses, acompanhando-os ao longo das suas vidas, desde os primórdios da década de 50 até aos finais da década de 70.
A acção tem início com a descrição do ofício de uma missa na igreja de Nossa Senhora e São Judas, na presença de um escasso número de fiéis, que se restringe a um grupo de estudantes da Juventude Universitária Católica e a um par de idosas que, apesar das iminentes ameaças de perigosas quedas impostas pelas já tão trôpegas e decrépitas pernas, teimam em arrastar-se, amparadas uma à outra, ao altar do Senhor implorando a misericórdia para os seus pecados. Através das personagens podemos testemunhar a consequente involução espiritual, operada nas mentes destes jovens, mormente uma ideologia religiosa cristã, que cega de atavismo, espartilha no colete de forças da ameaça do inferno, os ímpetos e os desejos mais intrínsecos do ser humano.
A terrífica imagem do Inferno, caracterizada pelo extremo sofrimento do fogo eterno, impingida pela igreja e cujos tentáculos nos chegam até hoje, vislumbrou ter sido uma campanha fortemente eficaz, que ao longo dos séculos, logrou manter o rebanho ordeiro, prevenindo o tresmalho das ovelhas menos obedientes, ao mesmo tempo que as hipnotizava com pródigas promessas, de uma seráfica vida eterna ao lado do Senhor. Uma insidiosa concepção do pecado permanece na mente destes jovens e no futuro persegui-los-á, incansavelmente, exercendo uma infausta repressão sexual, que dificilmente os irá abandonar, mesmo depois de casados. Impedidos de desfrutar de uma sexualidade plena e satisfatória, lutam consigo próprios, num mar de angústia, na procura de uma justa compreensão dos tão misteriosos desígnios de Deus, que cada vez mais, lhes parecem descabidos. Perguntam-se amiúde – até que ponto, a religião católica cristã vai ao encontro do sentir e do entendimento das leis da natureza humana? Até que ponto serve ao Homem? Durante os primeiros anos de casados, as personagens seguiram temerosamente, a doutrina dos altos dignitários da igreja, usando o falível método das temperaturas para gerir e controlar a natalidade. Mas nada resiste à erosão provocada pelo avanço dos anos! Viviam-se, então, tempos de mudança, onde a irreverência marcava o passo. O aparecimento dos Beatles e o recurso à pílula anticoncepcional, recentemente descoberta, contribuíram para inaugurar um novo ciclo, reformador e incentivador de inovadoras formas de encarar a fé, abolindo definitivamente das suas vidas o estigma do pecado, que lhes agrilhoava as consciências. Embora o narrador, no desenrolar da acção, oportunamente e com relativa facilidade consiga desmantelar, alguns seculares dogmas da igreja, a verdade é que no términos da obra, não se coíbe de deixar, bem explícito, que é católico e que permanece crente. Ora fé é fé!