“Sofremos demasiado pelo pouco que nos falta e alegramo-nos pouco pelo muito que temos…”
WILLIAM SHAKESPEARE
Hoje estou outra vez com a porrada! Ainda não há muito tempo, sempre que estivesse com a pancada na “corneta”, pegava no chaço e toca de andar por aí às voltas na cidade, para trás e para a frente, a estorvar tudo e todos. Às vezes fazia outras coisas, bem entendido! Agora que tenho o blog, venho para aqui dizer coisas. Vou, pois, contar aos meus queridos visitantes, uma parte da minha vida, que me é muito querida, porque me faz rir! Só por isso!
Assim que tirei a carta de condução, há cerca de 28 anos e nas condições que aqui já dei a entender, logo pensei comprar um carrito. Como o dinheiro não abundava, aliás nunca abundou cá para o meu lado, não tinha muito por onde escolher. Tinha de ser uma coisa à minha medida. Nunca fui muito de esquisitices, talvez porque não tive hipótese de o ser. Há que dizer a verdade… No fundo, o que eu queria mesmo era um carro, com rodas, porque de andar a pé estava eu farta, quantas vezes sujeita às intempéries, chuva, frio e vento. É muito duro!
Não me lembro como nem porquê, mas fui parar à Aral em Tomar, que na altura era representante oficial da marca Volkswagen, pelo menos. E fiz negócio! Pois fiz! Comprei um Volkswagen carocha, 80 contos, pintura nova a brilhar e todo testado. A conversa do costume. Paguei a pronto, facto este que me aliviou dos encargos com os custos das papeladas! Foi oferta. Eu cá sou assim! Foi decidido que no dia seguinte iria buscar a carripana. Como iria ser a primeira vez que me ia fazer à estrada, não me estava a agradar a ideia de ir sozinha. Andei a indagar por alguém que estivesse disposto e disponível para me acompanhar naquele passo da minha vida, porém, ninguém quis arriscar a vida! Nem o meu irmão mais novo, que sempre me foi tão próximo! Não tive outro remédio que não fosse fazer peito às contingências e avançar sozinha!
Fui de autocarro expresso para Tomar e assim que me vi dentro do stand, onde ainda permanecia o carrito, senti-me encavacada, só por me imaginar dentro do carro a atravessar as portadas envidraçadas! Claro que podia ter pedido para alguém tirar o carro para fora do stand, mas nem disso me lembrei! Decididamente estava em dia não! Depois de pôr uma nota de 500 escudos para a gasolina, na mão do senhor que me atendeu, disse-lhe para me fazerem o favor de arrumarem o carro no parque privativo da Aral, porque já que estava em Tomar, queria aproveitar para visitar uns amigos, mais tarde trataria de o ir buscar. Muito delicado e atencioso o dito senhor aludiu, que estava tempo de chuva, porque não havia de levar já o carrinho, que já era meu, que evitava assim de andar a pé e porque torna e porque deixa. Porém eu estava irredutível! Há que Deus que tinha vergonha de sair do stand dentro do carro, atravessar a montra, para me despejar estrada fora! No fundo, desejava discrição! Que ninguém me visse! Para não dizerem – olhem aquela! Comprou o carro agora! Tinha cá os meus pudores!…
Entretanto andei pela cidade, sozinha que nem um cão. Quanto à referência aos amigos, mais não tinha sido do que uma mentira airosa para me raspar do stand sem a carreta. Entretanto já chovia. Uma chuva miudinha, daquela chuva que, embora parecendo que não, encharca uma pessoa toda. Fartei-me daquela peregrinação sem destino, e, vai daí, abriguei-me numa pastelaria, de onde podia avistar através da montra o malfadado stand! Ali estive, firme e estoicamente num exercício do mais puro masoquismo, a secar… a secar, até me fartar!! Agora já não se tratava de estar sujeita à desagradável situação de sair do stand, dentro do carro. Pois que, pelas minhas previsões, este já se encontraria no parque. Agora estava-me a incomodar o rapaz que se encontrava na bomba de gasolina defronte do stand, propriedade do mesmo, suponho! Resumindo: Queria ser dali à socapa, sem que me visse, para poder asneirar à vontade e sem testemunhas!
Pois bem, a páginas tantas enfastiei-me. Finalmente! Alguma vez tinha de ser, por isso levantei-me e avancei decidida… É agora ou nunca! Assim que entrei no parque e vi o carro, foi como se, me tivessem atirado para cima com uma baldada de água fria! O carro não se encontrava estacionado tal como tinha recomendado, isto é, arrumado de forma a não ser preciso recorrer à marcha-atrás! Sabia muito bem que não sabia fazer marcha-atrás em condições, mas também sabia que tinha muito tempo pela frente para aprender. Quedei-me ali uns instantes a estudar a manobra, a medir mentalmente os espaços e as distâncias – primeiro viro para ali, depois viro para acolá. Entrementes entrei no carro e fiquei muito agradada, sensibilizada até, logo ali perdoei o descuido na arrumação do carro. No stand haviam-me recomendado a compra de uma almofadinha, dado o carro ser bastante fundo, de maneira a favorecer a visão, para conduzir e para efectuar as manobras, quanto mais não fosse. Pois ali se encontrava uma bonita almofada em napa vermelha! Sim senhor! Bonito gesto, pensei! Lancei mão ao porta-luvas, onde esperava encontrar a outra chave que tinha ficado em poder do stand, para que pudessem arrumar o carro no parque. Eis que o meu cérebro deu um nó! O conteúdo do porta-luvas despertou-me para uma situação que ainda não me ocorrera… Olho em redor! O que vejo? Vários outros carros exactamente iguais ao meu, da mesma cor e tudo! Foi quando me adveio a ideia de verificar, se o carro dentro do qual me encontrava, era efectivamente o meu!
Foi assim que aprendi a procurar o meu carro, pela marca, pela cor e… pela matrícula! Bastante fácil, dado que as letras eram GF, que por brincadeira logo alguém me sugeriu a designação – Guarda-fiscal. De imediato e enquanto o diabo esfrega um olho fugi dali sem mesmo fechar a porta do carro, desatei à procura do meu que, afinal, se encontrava ali bem próximo, mesmo a jeitinho de sair e sem ser preciso fazer marcha–atrás, nem nada. Vermelha que nem um tomate, abafava de tanto calor e de tantas emoções para um dia só! Entrei no carro, liguei a ignição e com toda a alma desapareci dali. Meti-me na estrada com uma pirisca que até ia doida! Só descansei quando vi o stand pelas costas! E fui seguindo, pela estrada fora, direita que nem um fuso, sem me desviar dos buracos nem de nada! Era cada porrada mais seca! Fosse um carro destes de agora e ainda tinha ficado outra vez a pé! Parecia eu que fugia do demónio!
Assim que cheguei ao meu destino dei outra barraca! Fica para a próxima!