Instinto de defesa feminino

Publicado por: Milu  :  Categoria: Instinto de defesa..., PARA PENSAR

mexerico

 

“De tudo que existe, nada é tão estranho como as relações humanas, com suas mudanças, sua extraordinária irracionalidade.”

Virginia Woolf

“É costume afirmar-se que, enquanto os homens são, amiúde, responsáveis por violência física, as mulheres conseguem ferir-se umas às outras de um modo indirecto, como, por exemplo, condenando outra mulher ao ostracismo, evitando-a, excluindo-a sem explicações, mantendo-a afastada de um grupo sem que ela saiba porquê ou tornando-a alvo de mexericos e comentários malévolos (achamos que o mexerico não tem de ser maldoso, embora Marcela Lagarde considere que, em geral, é fruto da misoginia. A seu ver, trata-se de uma prática política dos oprimidos, o exercício de um poder menor pelos que não têm poder, uma manobra de deslocação por parte das que se encontram em espaços depreciados, das poucas que chegam, a conta-gotas, um pouco mais acima, pelo menos através da palavra).

Outro aspecto do assunto em análise é a violência juvenil, e é frequente aludir-se à influência de programas de televisão e filmes violentos… Na União Europeia, um estudo recente do Observatório Europeu sobre a violência escolar dá conta de um constante assédio nas aulas, de uma acumulação de pequenas violências que permitem reforçar o poder de uns sobre outros. E recentes estudos nos EUA vão ao ponto de detectar uma forma nova de crueldade não física, a chamada «agressão relacional», tão expandida nas escolas. As meninas, dizem, sempre tiveram camarilhas e hierarquias, sempre bisbilhotaram e excluíram. Rapazes e raparigas intimidam os colegas, exigem adesões e provas de toda a espécie para se poder entrar no «clube». 

As adolescentes, as raparigas, sentem necessidade de pertença, são mais expressivas e precisam mais de intimidade interpessoal do que os rapazes; gostam de ter uma «melhor amiga» com quem conversar e, para isso, constituem-se em grupinhos de duas ou três, muito restritos, com relações intensas e exclusivas, diz Chesler. A aceitação ou rejeição revestem-se de grande importância e, por vezes, a selecção é muito dura, bem como as provas de fidelidade.

Más, malignas, maliciosas… Mais de uma vez discutimos o assunto ou vimos filmes que abordam a crueldade na infância – entre eles, entre elas -, o medo da exclusão, o anseio de sobressair, o recurso à força física nos rapazes, as atitudes mais sibilinas das raparigas, as vinganças, traições, exclusões… Antigamente, comentava-se num grupo de mulheres, fazíamos pouco desporto, falávamos muito e ríamos. Praticávamos a troça «cruel» ou podíamos ser objecto dela – olhares, cochichos, a moda, os rapazes… As raparigas de hoje têm uma educação mais audiovisual e famílias mais plurais, geralmente interessam-se mais pelos estudos e pelo desporto, dão mais importância à liberdade, sentem menos repressão, mas também, porventura, uma agressividade mais manifesta, mais física. Os rapazes continuam a ser importantes, e elas, menos afectadas, mais abertas, mais directas, avançaram muito em vários domínios, tornaram-se mais desenvoltas.

Destaquemos algumas reflexões de Phillys Chesler, que, no seu último livro, resultado de mais de vinte anos de investigação, lembra as conclusões de recentes estudos sobre a hostilidade de mulheres para com outras mulheres. Enquanto os homens são agressivos de um modo directo e dramático, as mulheres embora não sejam, directa e fisicamente violentas, são agressivas de um modo indirecto, e o objecto da sua agressão, ou seja, as vítimas, não são os homens, são as mulheres e as crianças... Em diferentes zonas do mundo – Europa, América do Norte, Austrália… -, mostram preferência pela agressão verbal, insultando, fazendo troça, ameaçando, excluindo, impedindo que se travem amizades, censurando, caluniando.

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Chesler cita outra especialista, Gloria Cowan, quando afirma que os dados indicam que as mulheres hostis com outras mulheres não gostam de si e têm uma fraca auto-estima, ao contrário das mulheres que não são hostis (cruéis), as quais, de um modo geral, se mostram mais optimistas, se sentem mais satisfeitas com a sua vida e em maior harmonia com o seu corpo. 

(…)

Nos EUA, quando os jovens passam do ensino primário para o secundário, sofrem uma enorme confusão; saem de um ambiente de atenção e cuidado e perdem interesse pelos estudos, para concentrarem os seus esforços na procura de aceitação pelo grupo social. Esta passagem é especialmente dramática no caso das meninas, uma vez que, por tradição, necessitam de um relacionamento com maior intimidade emocional. As relações entre meninas são a chave da sobrevivência, mas também da destruição, afirma R. Wiseman.

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As mulheres são sujeitos passivos das mais diversas violências. A violência foi exercida sobre as nossas mães e exerceu-se sobre nós: fomos submetidas a tentativas de controlo para que correspondêssemos ao modelo de mulher tradicional, materializadas em agressões verbais e chantagens emocionais quando não fazíamos o que se esperava de nós – mecanismos que, no seu conjunto, serviram para desenvolver a culpa. A violência provoca sentimentos de desvalorização que perduram muito tempo, às vezes para sempre.

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A autoviolência, esse mecanismo de autodestruição, tem diversas manifestações. (…). Há uma autoviolência física que se traduz em não sabermos cuidar de nós, em nos entregarmos a uma actividade profissional desmedida, em ignorarmos os sinais de fadiga, em cairmos em dependências. Então, o corpo somatiza e protesta. E há também uma autoviolência psíquica, simbólica, tão prejudicial ou mais do que a primeira, com múltiplas manifestações, entre elas o adiar de forma crónica a nossas necessidades próprias ou ignorá-las, ou manter relações afectivas dolorosas, degradantes. A autoviolência é negação e auto-exclusão. A falta de controlo de emoções intensas, como a ira, o rancor, o ódio, é a nós que prejudica, em primeiro lugar. Exercemos a autoviolência quando não nos permitimos o são egoísmo, pois pode haver um egoísmo positivo, não culpabilizante, como é aquele que se traduz no cuidado connosco.

Bibliografia

ALBORCH, Carmen. (2004). Mulheres Contra Mulheres. Rivalidades e Cumplicidades. Editorial Presença. Barcarena. pp. 140-144.