Foto tirada daqui
“Faça o que puder, com o que tiver, onde estiver.”
Theodore Roosevelt
O texto que se segue, subordinado ao tema “Já fui à serra…”, foi por mim elaborado com o especial propósito de concorrer à blogagem do mês de Setembro, mais uma iniciativa do blog “A Minha Aldeia“, no qual foi publicado dividido em duas partes, uma estratégia da autora do referido blog, que diga-se em bom abono da verdade, resultou maravilhosamente! Porém, aqui no meu blog, o texto surge unificado, além de que um pouco mais desenvolvido e abrilhantado com mais algumas fotos, que, confesso humildemente, ter encontrado apenas hoje, na última pesquisa por mim efectuada para terminar este post.
Já fui à Serra…
Da Arrábida, à Serra do Buçaco e à nobilíssima Serra da Estrela. Destas majestosas serras guardo recordações que ao longo do tempo foram perdendo alguma da sua nitidez, ainda assim permanecem suficientemente vivazes nos recônditos da minha memória, para delas me ser possível extrair assunto capaz de reverter numa singular e curiosa história. Mas faço questão de não ir por aí… Muito ao meu jeito, e para não trair o meu já reconhecido estilo, antes optei por trilhar um outro caminho e mais uma vez empreender uma viagem ao passado para nele rebuscar uma história, que apesar de velha e poeirenta, não deixa mesmo assim, de representar com denodo e excelência o espírito da presente blogagem.
Era eu uma menina ladina, na irrequieta idade dos joelhos esfolados, quando num belo dia, inspirados pela série televisiva “Os Pequenos Vagabundos”, eu e um grupo de amigos, na busca de aventura e descoberta, decidimos subir a extremidade nordeste do planalto de Santo António, mais precisamente da designada “Costa de Mira”, que faz parte do PNSAC (Parque Natural das Serras D’Aire e Candeeiros), na mira de explorarmos as três misteriosas cavernas que adornam os píncaros de tal lugar.
Quando na nossa inexperiência deliberamos intentar tal gesta, esta afigurou-se-nos fácil, mas uma vez encetada a empresa, não havíamos ainda calcorreado meio percurso e já as antes tão felizes expectativas eram goradas, pois depressa nos apercebemos de que os nossos erráticos cálculos, a pedir palmatória, nos iriam valer um verdadeiro cabo das tormentas, pois ficou-nos cara a incúria! Quebrantados, constatámos que subir a costa a pique, não era de forma alguma uma tarefa para crianças, afinal, por algum motivo nos passeios pedestres se utilizam os trilhos, mas estes, se os havia em tão inóspito lugar, não chegámos a dar por eles. Por entre toda aquela infinita extensão por desbravar nada mais se avistava que não fossem pedras e oliveiras! Não fôssemos nós uns miúdos habituados à dureza da vida, como por exemplo, palmilhar o caminho para a escola a pé, durante toda a santa semana, à chuva e ao frio, ou debaixo de um céu de trovoadas e relâmpagos, e teríamos com toda a certeza fracassado na intentona, em vez disso, fizemos da fraqueza força, das “tripas coração”, e quando a costa se encrespava demais, agarrávamo-nos com ímpeto aos viçosos fetos, que para nosso regozijo estavam sempre onde eram precisos, e alavancados pelas providenciais plantas silvestres, impelíamos o moído e devastado corpito em direcção ao céu. Uma vez chegados ao alto, à nossa gloriosa meta, o sentimento de triunfo e satisfação mal cabia dentro de nós! Durante uns instantes, que nos pareceu uma eternidade, mergulhámos num profundo silêncio, num profundo e revelador silêncio, pois havíamos em conjunto acabado de constatar de que tudo nos é possível, desde que haja em nós a vontade férrea de vencer.
Foto tirada daqui
Prestes a rebentar de curiosidade e ainda não totalmente refeitos da euforia da nossa proeza, penetrámos numa das cavernas que logo nos aprestamos a explorar minuciosamente, e cada um por sua conta entreteve-se a dar largas à imaginação. Eu, claro, não conseguia deixar de sonhar que por ali escondido, algures, poderia estar um tesouro, ouro, estatuetas, potes, ou mesmo um terrível segredo antigo… Tanta coisa que a minha pródiga e fértil imaginação se encarregava de aventar! E, quando desejamos uma coisa com muita intensidade, ela acontece…
Subitamente um de nós soltou uma exclamação. Um dos rapazes, afoito, havia enfiado uma das mãos num escuro buraco, mas quando a retirou esta empunhava um pequeno objecto. Surpreendidos e expectantes fitámos a palma aberta, na qual jazia uma pequena caixa de plástico, daquelas de ourivesaria, vulgarmente utilizadas na embalagem dos fios de ouro, anéis, etc. Dentro da dita caixa encontrava-se uma mensagem, um rapaz, provavelmente adolescente, rabiscara em trémulas letras o seu amor por uma jovem, de quem anotara ali mesmo, na inesperada missiva, o nome e a respectiva morada, fazendo apelo para quem encontrasse a caixa, que a fizesse chegar às mãos da sua Dulcineia. Enleados e comovidos com tão assolapada paixão, logo ali prometemos, muito convictos, de que haveríamos de dar seguimento à coisa. Depois do nosso achado esmoreceu-nos o entusiasmo pelas explorações, pelo que decidimos iniciar a descida da costa, tarefa que não nos ofereceu dificuldades por aí além, para baixo todos os santos ajudam. Mas antes ainda tivemos de fazer a nossa maldadezinha, é da praxe, já que a nossa aventura carecia de mais emoções, por isso demos em lançar lá do alto uns grandes pedregulhos, que desamparados desembolavam encosta abaixo, e que para nosso grande descontentamento, terminavam abruptamente a desalmada corrida sustidos nos troncos das oliveiras, e foi nesse momento que me ocorreu à ideia, que afinal os antigos não eram assim tão parvos, pois as oliveiras não haviam sido plantadas ali para fornecer azeitona, como já antes havia julgado, mas sim para amparar a queda de pedras e evitar que estas se depositassem no fértil vale.
Escusado será dizer que a missão que nos fora incumbida pelo desconhecido e fervoroso amante teve um desfecho inglório. Embrenhados já noutras brincadeiras bem depressa nos esquecemos da caixinha encantada. Para dizer a verdade, nem sequer sei o fim que levou. Mas não posso deixar de pensar que o destino daqueles dois jovens poderia ter sido diferente, se não tivesse havido o inconveniente da localidade de residência da jovem distar da nossa cerca de 5 km, ou se algum de nós enviasse a mensagem pelo correio… Tão simples quanto isso … Mas nem tudo foi em vão! Esta história de amor permanece viva na minha memória, facto que me faz pensar o quanto os nossos actos podem ter reflexo nas outras pessoas, até mesmo nas desconhecidas!
Fotos tiradas daqui
Vídeo de uma das cavernas aqui
A parte que agora apresento não consta no texto original:
Quando atrás vos disse, que a descida da serra, foi para nós como “trigo limpo, farinha Amparo”, não estava a dizer propriamente a verdade, porque pela parte que me toca, enfrentei alguma dificuldade na zona mais perto das cavernas. Acontece que para escalar as rochas, que se encontram um pouco abaixo da entrada das cavernas, eu pude ver onde me agarrar e onde colocar os pés para me impulsionar, porém, na descida, isso já não me foi tão fácil! Dentro de mim, subsistia a angustiante sensação de que estava precariamente suspensa nas alturas, pois impedida de saber onde se poderia encontrar uma reentrância suficientemente firme, para nela apoiar um dos pés e deste modo, pouco a pouco, vencer a enervante batalha. Contudo, nunca me ocorreu pedir por ajuda, em vez disso, tive sempre presente no meu espírito a firme esperança de que encontraria forma de dominar a situação, e também, que deveria evitar olhar para baixo, ou seja, para o abismo que pairava sob os meus pés. O que prova que já naquela altura, e apesar dos meus verdes anos, era mulher para me deslindar sozinha das trapalhadas em que me via metida, por isso ali andei “ensarilhada”, mas sem tugir nem mugir, alapada às rochas, qual mulher aranha, a tactear cegamente com os pés, na procura de um qualquer vislumbre de apoio que me valesse. Demorei algum tempo naquela empreitada, é verdade, suei as estopinhas, também é verdade, mas o certo é que saí vitoriosa da perigosa incumbência. É claro que poderia ter contornado o obstáculo, mas assim não teria tido oportunidade de saborear o doce gosto da vitória em tão importante desafio, que foi pôr à prova os meus dotes de resistência e de aventureira!
As fotos aqui apresentadas sugerem uma paisagem agreste, mas foi lá, naquela serra, que encontrei um pé de flor de grande beleza, a qual trouxe para casa, porque de tão bonita não lhe resisti, chama-se ela “Rosa Albardeira”, ou “Paeonia broteroi”. Nunca mais tornei a ver outro exemplar e já lá vão cerca de 40 anos! Ó tempo, porque não voltas atrás?