Nietzsche e o Cristianismo

Publicado por: Milu  :  Categoria: Nietzsche e o C..., PARA PENSAR

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Friedrich Nietzsche nasceu na aldeia de Röcken, perto de Leipzig, na Saxónia. O pai, Carl Ludwig Nietzsche, era pastor. Por sua vez, a mãe, era devota e também filha de um pastor. Contudo, o amor filial não impediu Nietzsche de fazer sérias reservas à consolação que o seu pai, e o cristianismo em geral, oferecia aos sofredores:

“Faço contra a Igreja Cristã a acusação mais terrível que jamais lhe foi dirigida por um perseguidor. Para mim, ela é a forma mais radical de corrupção imaginável… nada escapou à sua depravação… Considero o cristianismo a grande maldição, a grande depravação intrínseca… Não era má ideia usar luvas para ler o Novo Testamento. O contacto com tanta sujidade quase nos obriga a fazê-lo… Tudo nele é cobardia, tudo é dissimulação e fechar os olhos às nossas próprias ações… Será ainda preciso acrescentar que em todo o Novo Testamento só existe uma figura que somos obrigados a respeitar? Pilatos, o grande governador romano. Muito simplesmente: É indecente ser-se cristão hoje.”

Como é que o Novo Testamento nos dá consolo para as nossas dificuldades? 

Sugerindo:

Que muitas das nossas dificuldades não são dificuldades, mas sim virtudes.

Exemplo:

“Se a timidez nos preocupa, o Novo Testamento responde:

Felizes os mansos, porque possuirão a terra. (Mateus 5,5)

Se nos aflige o facto de não termos amigos, o Novo Testamento sugere:

Felizes sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome […] a recompensa será grande no Céu. (Lucas, 6,22-3)

Aos que se sentem explorados no emprego, aconselha o Novo Testamento:

Escravos, obedecei em tudo aos senhores terrenos […] sabendo que é do Senhor que recebereis a herança como recompensa. O Senhor, a quem servis, é Cristo. (Carta a São Paulo aos Colossenses 3,22-4)

Se a falta de dinheiro nos preocupa, diz-nos o Novo Testamento:

É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus. (Marcos 10,25)

Para Nietzsche os  dois grandes narcóticos europeus são o álcool (pelo qual nutria uma relação de desprezo) e o Cristianismo.

O Cristianismo, segundo Nietzsche, emergira das mentes de tímidos escravos do Império Romano que não tinham estômago para subir ao cume das montanhas, não conseguiam subir alto, e, portanto, haviam construído para si próprios uma filosofia em que os sopés eram maravilhosos.

Os cristãos teriam gostado de gozar os verdadeiros ingredientes da realização (posição social, sexo, superioridade intelectual, criatividade) mas não tinham coragem para suportar as dificuldades que esses bens acarretavam. Por conseguinte, inventaram um credo hipócrita enchendo de condenações o que eles desejavam, mas eram fracos demais para o alcançar e louvavam o que eles nem por sombras ambicionavam mas estava ao seu alcance.

Assim, a falta de combatividade passou a ser «bondade», a pobreza «humildade», a submissão «obediência» e, de acordo com Nietzsche, a «incapacidade de se vingarem» tornou-se «capacidade de perdoar».

Deste modo, todos nos tornamos cristãos quando professamos a indiferença pelo que secretamente desejamos mas não possuímos; quando afirmamos alegremente que não precisamos de amor, nem de posição social, dinheiro ou sucesso, criatividade, saúde, as nossas bocas  contorcem-se de amargura; e fazemos guerras silenciosas àquilo a que publicamente renunciámos, disparando tiros das janelas ou escondidos nas árvores.

Como devemos então proceder de acordo com a filosofia de Nietzsche?

Continuando a acreditar no que desejamos – mesmo quando não o temos, e talvez nunca o cheguemos a ter. Ou melhor – resistindo à tentação de denegrir e considerar maus certos bens por eles se terem revelado difíceis de obter.

Nietzsche não foi feliz no amor. No final da sua vida, mergulhado na solidão, obscuridade, pobreza e falta de saúde nunca, porém, manifestou o comportamento de que tanto acusou os cristãos; não culpou a amizade, a riqueza ou o bem estar. O Padre Galiani e Goethe continuavam a ser os seus heróis. Continuou a acreditar que «para o problema masculino da auto-rejeição a melhor cura é ser-se amado por uma mulher inteligente». Apesar de doente, a ideia de uma vida ativa ainda o atraía:

«De manhã cedo, ao romper do dia, com toda a frescura e em grande forma, ler um livro – só por vicío!”

Bibliografia

BOTTON, Alain. (2001). O Consolo da Filosofia. Círculo de Leitores. Camarate.

Alexander-Deineka

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