A consciência das coisas…

Publicado por: Milu  :  Categoria: A consciência..., PARA PENSAR

John-Locke

Imagem retirada daqui

 

Uma verdade insofismável:

“Sempre considerei as acções dos homens como as melhores intérpretes dos seus pensamentos.”

John Locke

(empirista e teórico da razoabilidade)

Os presentes excertos  do livro intitulado “Ensaio Sobre a Verdadeira Origem Extensão e Fim do Governo Civil”, da autoria de John Locke, ajudam a compreender porque e em que situações um governo se pode tornar ilegítimo.  Como  parece ser o caso do actual governo português, que pôs em marcha um programa não sufragado pelos eleitores. Com isto não se pretende aqui criticar as medidas tomadas pelo governo, se são boas ou más, mas tão só demonstrar que se fez eleger com um programa e que logo que se viu com poder inverteu a marcha. À luz dos ensinamentos de John Locke tornou-se um governo ilegítimo.

“Na filosofia política de Locke, os seres humanos apresentam-se como iguais por natureza e apenas o consentimento voluntário pode submeter alguém à autoridade de outro. (…). Locke tornou-se um dos clássicos do liberalismo político, ao propor uma articulação de temas fundamentais: a igualdade natural dos homens, a defesa do regime representativo, a exigência de uma limitação da soberania baseada na defesa dos direitos subjectivos dos indivíduos. Os princípios fundamentais desta teorização incluem a liberdade natural e a igualdade dos seres humanos; o direito dos indivíduos à vida, liberdade e propriedade; o governo pelo consentimento; o governo limitado; a supremacia da lei; a separação dos poderes; a supremacia da sociedade sobre o governo; direito à revolução. O princípio de governo pelo consentimento, com finalidade e poder limitados, é o fundamento do constitucionalismo liberal (…). A lei natural constitui e protege os direitos à vida, liberdade e propriedade e assim garante a cada indivíduo direitos que não lhe podem ser legalmente retirados, nem alienados, sem processo em devida forma. Locke sintetiza tais direitos fundamentais, ou inalienáveis, como a “vida, liberdade e propriedade.” (Mendo Castro Henriques e Manuel Araújo Costa in Apresentação de Ensaio Sobre a Verdadeira Origem Extensão e Fim do Governo Civil, 1999: 10-11).

“A ignorância dos povos acerca da verdadeira extensão dos seus direitos e obrigações é sem dúvida o principal esteio dos governos absolutos ou despóticos. Se eles fossem assaz iluminados e conhecessem bem as obrigações a que se ligaram entrando em sociedade; bem como os direitos que se reservaram, e dirigissem todos os seus actos segundo uns e outros, não permitindo a sua infracção no mais leve ponto, certamente não estariam expostos às usurpações e vexames que todos os dias estão sofrendo; os seus interesses não seriam desatendidos, e a sua segurança e bem da sociedade, que é o seu único fim, seria completamente conseguido. (…). É certo que os iludidos Portugueses desconhecendo os seus interesses se têm deixado arrastar a fazer oposição à melhor e mais sólida propriedade, que antes deviam sustentar à custa de seu sangue, e de toda a sua propriedade particular: se porém se cavar fundo achar-se-á que toda a desordem em que temos estado, tem a sua origem nos interesses que estrangeiros tiram de Portugal, servindo-se para instrumentos de seus fins de alguns mal intencionados, e outros preguiçosos Portugueses, que estão acostumados a , e desejam continuar a gozar no ócio o fruto dos esforços daqueles que trabalham. Tudo o que resta pois aos Portugueses é desenganarem-se, e conhecer os seus interesses.” (João Oliveira Carvalho in Prefácio do Tradutor de Ensaio Sobre a Verdadeira Origem Extensão e Fim do Governo Civil, 1999: 20-21).

“Por poder político entendo, o direito de fazer leis com pena de morte, e por consequência o de estabelecer toda e qualquer pena menor, a fim de regular e conservar a propriedade, e empregar toda a força comum na execução de tais leis, e na defesa da República, contra as ofensas externas, e tudo isto só com o fim do bem público. Para se poder entender o poder político, e derivá-lo da sua origem, devemos saber qual é o estado natural do homem, o qual é um estado de perfeita liberdade de dirigir as suas acções, e dispor dos seus bens  e pessoas segundo lhe aprouver, observando simplesmente os limites da lei natural, sem pedir licença, ou depender da vontade de pessoa alguma. Um estado de igualdade, onde toda a jurisdição e poder é recíproco, não tendo um mais do que o outro; não havendo nada mais claro, do que ver que entes da mesma espécie e ordem, nascidos todos para as mesmas vantagens da natureza, e para uso das mesmas faculdades, deviam ser também iguais entre si, sem subordinação ou sujeição (…). (…).

E para que os homens não infrinjam os direitos uns dos outros, nem se ofendam mutuamente, e se observe a lei natural, a qual ordena paz e conservação do género humano, a execução da lei natural, naquele estado, compete a cada um individualmente, e por conseguinte cada um tem o direito de punir os seus transgressores, tanto quanto for necessário para obstar à sua violação: porquanto a lei natural seria, bem como todas as outras leis que dizem respeito aos homens neste mundo, de nenhum efeito, se não houvesse pessoa que, no estado natural, tivesse o poder para pôr em execução essa lei, e por esse meio proteger o inocente e coibir os ofensores.

E se alguém há, que no estado natural pode punir o outro por qualquer mal que ele tiver feito, cada um o pode fazer; porquanto o estado de perfeita igualdade, onde não há naturalmente superioridade, ou jurisdição de um sobre o outro, tudo aquilo que a qualquer for lícito fazer em cumprimento daquela lei, é igualmente lícito a todos os outros. E assim no estado natural, um homem adquire poder sobre o outro; mas não um poder absoluto ou arbitrário para punir um criminoso, (…) mas somente para lhe retribuir, tanto quanto o ditar a pacífica razão e consciência, aquilo que for proporcionado à sua transgressão, o que é tanto quanto for necessário para reparação e emenda. Porquanto estas são as únicas razões porque um homem pode legalmente fazer mal a outrem, que é o que nós chamamos castigo.” (Locke, 1999: 34-37).

(…)

“Nascendo o homem, como já se demonstrou, com direito a uma liberdade perfeita, e gozo indisputável de todos os direitos e privilégios da lei natural, igualmente com qualquer outro homem ou número de homens, tem naturalmente o poder, não somente para conservar a sua propriedade, mas também para julgar e punir as infracções dessa lei, segundo ele se persuadir que a ofensa o merece, e até mesmo com a pena de morte, nos crimes em que, segundo a sua opinião, a atrocidade do caso o exige. Porém, como não pode haver ou subsistir sociedade alguma política sem conter em si mesma o poder de conservar a propriedade, e de punir para esse fim as ofensas de todos os dessa sociedade; nisso, e somente nisso, é que consiste a sociedade política, onde cada um dos  membros deixou o seu poder natural, e o resignou na sociedade em todos os casos que o não excluíam de apelar para a protecção da lei por ela estabelecida.

E excluindo-se desta maneira o juízo privado de todo o membro particular, a sociedade vem a ser o árbitro, regulando-se segundo as regras determinadas e estabelecidas, indiferente, e o mesmo para todas as partes, e havendo alguns homens que tenham autoridade da sociedade para pôr em execução essas regras, decidem por meio delas todas as disputas que pode haver entre alguns dos membros da mesma sociedade; e punem as ofensas, que qualquer dos membros cometeu contra a sociedade com penas tais  quais se acham determinadas pela lei; donde é fácil de se discernir quais são os que estão, e não estão, juntos em sociedade política.

Aqueles que estão incorporados numa sociedade, e que têm uma lei comum estabelecida e judicatura para se apelar, com autoridade de decidir litígios entre eles, e de punir os ofensores, estão em sociedade civil uns com os outros: porém aqueles que não têm uma tal apelação comum, quero dizer sobre a terra, estão ainda no estado natural, sendo cada um, aonde não houver outro, juiz para si mesmo, e o executor; o que é, como mostrei anteriormente, o estado perfeito da natureza.

E assim a república, em consequência do poder que tem, determina o castigo que se deve impor às diferentes transgressões cometidas entre os membros da mesma sociedade (o que é o poder de legislar) e tem igualmente o poder de punir a ofensa feita a qualquer dos seus membros por algum outro que não pertence a mesma sociedade (o que é o poder da guerra e da paz) e tudo isso a fim de conservar a propriedade dos membros da mesma sociedade tanto quanto for possível. Porém, todo o homem que entrou para a sociedade civil, e se fez membro de qualquer república, por esse facto não só renunciou o poder que tinha de punir as ofensas cometidas contra a lei natural, segundo o seu próprio juízo particular; mas também deu à república, juntamente com o juízo das ofensas que ele renunciou no legislativo em todos os casos em que pode apelar para o magistrado, o direito de empregar a sua força para a execução das sentenças da mesma república, todas as vezes que ele para isso for chamado; as quais na verdade são suas sentenças próprias, pois que foram dadas por ele mesmo, ou por seu representante. Eis aqui donde deriva a origem do poder legislativo e executivo da sociedade civil, a qual deve julgar segundo as leis estabelecidas as penas que se devem impor às diferentes ofensas, quando são cometidas dentro da república, e determinar igualmente por meio de sentenças casuais fundadas nas presentes circunstâncias do facto o  modo como se devem vingar as ofensas externas, e empregar em ambos estes casos a força toda dos membros quando assim for necessário.

Por isso aonde quer que estiver qualquer número de homens unidos numa sociedade, em que cada um deixa o seu poder executivo da lei natural, e o resigna no público, aí, e somente aí, é que há uma sociedade política e civil. E isso acontece todas as vezes que qualquer número de homens que estão no poder natural entram numa sociedade para formar um povo, ou um corpo político, debaixo de um governo supremo; ou então quando qualquer se ajunta ou se incorpora a algum governo já estabelecido. Porquanto, por esse meio ele autoriza a sociedade, ou, o que é o mesmo, o seu poder legislativo, a fazer leis por ele, segundo o exigir o bem público da sociedade; para cuja execução é devida a sua própria assistência, segundo os seus próprios decretos. (…).

Daqui se vê que a monarquia absoluta,  a qual é por alguns homens reputada como o único governo no mundo, é na realidade inconsistente com a sociedade civil; porque, sendo o fim da sociedade civil o evitar e remediar aquelas conveniências do estado natural que necessariamente se seguem do homem ser juiz em causa própria, estabelecendo-se para esse fim uma autoridade sabida, para quem qualquer dos membros da mesma sociedade possa apelar em caso de alguma ofensa recebida, ou de disputa que se possa suscitar, e a quem todos os da sociedade devem obedecer: aonde quer que há algumas pessoas, que não têm uma tal autoridade para quem apelem para decisão de alguma disputa suscitada por eles, essas pessoas aí, ainda estão no estado natural. E no mesmo caso se acha todo o Príncipe absoluto para quem aqueles que estão debaixo do seu domínio (ou seja, o povo está impossibilitado de apelar das decisões que achar abusivas e injustas que o Príncipe absoluto entender impor).

Porquanto, sendo ele olhado como o único que em si contém todo o poder, tanto legislativo como executivo, não há juiz que tenha autoridade de decidir justa e indiferentemente para quem se apele, e de cuja decisão se possa esperar alívio e indemnização de alguma ofensa ou inconveniência que aconteça receber-se do Príncipe (…). (…) todas as vezes que a sua propriedade for invadida por vontade e ordem de seu Monarca, ele [súbdito] não só não tem a apelação, que devem ter aqueles que estão em sociedade, mas até, como se ele estivesse degradado do estado comum das criaturas racionais, se lhe nega a liberdade de julgar ou defender o seu direito; estando por conseguinte exposto a toda a miséria e inconveniências que um homem pode recear daquele que, estando no estado desenfreado da natureza, está de mais a mais corrompido pela lisonja, e armado de poder.

Porquanto, aquele que julga que o poder absoluto purifica o sangue do homem, e corrige a infâmia da natureza humana, basta ler a história deste ou de outro qualquer século para se convencer do contrário. Aquele que nos bosques da América teria sido insolente e injusto, não seria provavelmente melhor num trono, aonde talvez se sirva da ciência e religião para justificar tudo aquilo que fizer aos seus súbditos, e a espada faz calar imediatamente a todos aqueles que se atrevem a duvidá-lo. ” (Locke, 1999: 81-85).

“Sendo o principal fim da união dos homens em sociedade o gozo das suas propriedades em paz e sossego; e sendo as leis estabelecidas o grande instrumento e meios de se obter aquele fim; a primeira lei positiva e fundamental de todas as repúblicas é o estabelecimento do poder legislativo; visto que a primeira lei natural fundamental, segundo a qual até o mesmo poder legislativo se deve dirigir, é a conservação da sociedade, e (tanto quanto for consistente com o bem público,) de toda a pessoa que nela existe. Este poder legislativo não somente é o poder supremo da república, mas inviolável e inalterável nas mãos aonde a sociedade uma vez o depositou; nem pode determinação alguma de outra pessoa, qualquer que seja a forma em que for concebida, ou poder em que se funde, ter força e obrigação de lei, uma vez que não seja sancionada pelo legislativo que o público escolheu e nomeou. Porquanto, sem isto  a lei não podia ter aquilo que é absolutamente necessário para ser lei.” De acordo com Hooker (in Locker, 1999: 111-112) “O poder legítimo de fazer leis para governar as sociedades políticas, pertence tão propriamente às mesmas sociedades, que se qualquer Príncipe ou Potentado sobre a terra, seja qual for a sua graduação, exercer o mesmo poder por sua autoridade própria, e não por delegação expressa, recebida imediata e pessoalmente de Deus, ou então por autoridade derivada a princípio do consentimento daqueles, sobre quem eles impõem lei, não é mais do que uma mera tirania. Não são leis portanto, aquilo que a aprovação pública não fez como tais”.

E ainda segundo Hooker (in Locker, 1999: 111) “Devemos por conseguinte concluir daqui, que visto que os homens não têm naturalmente um poder pleno e perfeito para governar as sociedades políticas inteiras; por isso, sem o nosso consentimento, nós não podíamos estar sujeitos ao mando de homem algum sobre a terra. E para sermos governados, damos o nosso consentimento, uma vez que a sociedade de que fazemos parte, o tenha consentido em qualquer tempo anterior, não tendo depois disso revogado esse poder pelo mesmo consentimento universal, e por isso as leis humanas, de qualquer espécie que sejam, tem efeito e vigor por via do consentimento”.

“Um homem, como já se demonstrou, não pode sujeitar-se ao poder arbitrário de outrem; e não tendo no estado natural poder algum arbitrário sobre a vida, liberdade, ou bens de outrem, senão tanto quanto a lei natural lhe concedeu para a sua conservação, e de resto do género humano: isto é tudo o que ele cede, ou pode ceder à república, e por meio dela ao poder legislativo; de maneira que o legislativo não pode ter mais do que este: o seu poder na sua maior extensão limita-se ao bem público da sociedade; ele é um poder que não tem outro fim senão a conservação, e por isso nunca pode ter direito a destruir, escravizar, ou empobrecer de propósito os súbditos.

As obrigações da lei natural não cessam na sociedade, mas somente se estreitam mais em muitos casos, e têm castigos conhecidos, que as leis humanas lhes anexaram, a fim de forçar o seu cumprimento. Assim a lei natural é como uma regra eterna para todos os homens, tanto legisladores como os outros. As regras que eles estabelecem para dirigir as acções dos homens devem, bem como mas as suas próprias acções, e as dos outros homens, conformar-se com a lei natural, i. e. com a vontade de Deus, de que aquela é uma declaração; e sendo a conservação do género humano a lei fundamental da natureza, nenhuma sanção humana  pode ser boa ou válida, uma vez que lhe seja oposta” (Locker, 1999: 112-113).

Segundo Hooker Hooker (in Locker, 1999: 113) “Há duas bases sobre que se sustentam as sociedades públicas, uma é a inclinação natural, pela qual todos os homens desejam vida social e companhia,  a outra é um pacto em que os homens convieram expressa ou tacitamente a respeito da maneira da sua união em viverem juntos: este é o que nós chamamos a lei de uma república, a verdadeira alma de um corpo político, cujas partes são animadas pela lei, unidas e postas num movimento tal que requer o bem público. As leis políticas, feitas para o regime e ordem externa entre os homens, nunca são feitas como deviam ser, excepto se presumirmos que a vontade do homem é inteiramente obstinada, rebelde, e avessa a obedecer às leis sagradas da sua natureza; em uma palavra: a não presumirmos que o homem está a respeito da sua mente depravada, pouco melhor do que uma fera, eles providenciam de acordo para regular as acções exteriores ao homem de uma maneira tal, que não sirvam de impedimento ao bem comum, para o qual são instituídas as sociedades. E se não fizerem isto, elas não são perfeitas.”

(…).

“Aquele que está exposto ao poder arbitrário de um homem que tem o mando de cem mil homens , está numa condição pior do que aquele que está exposto ao poder arbitrário de cem mil homens, considerados cada um de per si só: pois que ninguém está certo de que a vontade daquele, que tem um tal comando, é melhor que a dos outros homens, não obstante a sua força ser cem mil vezes mais forte. E por isso qualquer que for a forma da república, o poder directório deve governar por meio de leis inteligentes e aceites, e não por ditames extemporâneos e resoluções indeterminadas: pois que em tal caso o género humano estará numa condição muito pior que a do estado natural, se eles tiverem armado um ou uns poucos de homens com o poder unido de uma multidão, para o obrigar a obedecer, segundo lhes agradar, aos exorbitantes e ilimitados decretos de seus pensamentos repentinos ou vontades em limite, e até então desconhecidas, sem ter regra alguma estabelecida, que possa guiar e justificar as suas acções: porquanto, como todo o poder que o governo tem é unicamente para o bem da sociedade, e não deve ser arbitrário, ou segundo a vontade do governante; por isso deve ser exercido por meio de leis estabelecidas e promulgadas,  a fim de que o povo não só possa saber qual é a sua obrigação, e esteja a salvo e seguro dentro dos limites da lei, mas também para que os governantes se contenham dentro dos seus devidos limites, e não sejam tentados pelo poder que eles têm nas suas mãos e empregá-lo para fins e medidas contrárias ao bem público, e que o povo não aprove espontaneamente” (Locker, 1999: 114-115).

(…).

“O poder político é aquele poder que todo o homem tinha no estado natural, e que cedeu à sociedade, e por conseguinte aos governadores, que a mesma sociedade estabeleceu sobre si, com a condição expressa ou tácita, que há de ser empregado para seu bem, e para a conservação da sua propriedade. Ora este poder, que todo o homem tem no estado natural, e que ele cede à sociedade em todos aqueles casos em que a mesma sociedade o pode preservar, é para empregar na conservação da sua propriedade aqueles meios que ele julga mais próprios, e que a natureza lhe permite; e para punir a infracção da lei natural da parte do outro, segundo ele entender que melhor convém à sua própria conservação, e à do resto do género humano.

De maneira que sendo o fim e medida deste poder, quando se acha nas mãos de todos os homens que estão no estado natural, a conservação de todos os da sua sociedade; que vem a ser de todo o género humano em geral; ele não pode ter outro fim ou medida, quando se acha nas mãos do magistrado, senão o de conservar os membros da sua sociedade na posse das suas vidas, liberdades , e possessões; e portanto não pode ser um poder absoluto e arbitrário sobre as suas vidas e fortunas, as quais se devem conservar tanto quanto for possível; mas sim um poder de fazer leis, e de lhes anexar castigos tais, que sejam suficientes para conservar o todo, apartando aquelas partes, e somente aquelas, que estão tão corruptas que ameaçam a parte sã e sadia; sem o que severidade alguma pode ser legal. E este poder tem a sua origem unicamente no pacto e convenção, e no consentimento daqueles que constituem a sociedade” (Locker, 1999: 138).

“A ofensa e o crime é igual, quer seja cometido por pessoa coroada, quer por algum vilão pequeno. O título do ofensor, e o número dos seus sequazes, não faz diferença alguma enquanto à ofensa, excepto se for para agravá-la mais. A única diferença é, que os grandes ladrões punem os pequenos para os conservar na sua obediência; porém os grandes são recompensados com louros e triunfos, porque eles são demasiadamente fortes para as mãos fracas da justiça neste mundo, e estão senhores do poder que devia punir os transgressores. Qual é o meu remédio contra um ladrão que assim entrou em minha casa?” (Locker, 1999: 142).

Bibliografia:

LOCKE, John. (1999). Ensaio Sobre a Verdadeira Origem Extensão e Fim do Governo Civil. Textos Filosóficos. Edições 70. Lisboa.