A Terceira Mulher

Publicado por: Milu  :  Categoria: A Terceira Mulher, SOCIEDADE

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“O Mundo está cheio de pessoas que desde a infância nunca entraram por uma porta aberta com a mente aberta”

E.B. White

Não! Este livro intitulado A Terceira Mulher, da autoria do filósofo Gilles Lipovetsky, apresentado como um dos ideólogos mais representativos da corrente «ética inteligente», que suporta uma cultura pós-modernista, baseada estruturalmente no predomínio do individual sobre o universal, e na diversificação extrema da conduta e dos gestos, não constitui uma abordagem sobre traições, adultérios, amantes  e companhia, como alguém com sorriso matreiro, sugeriu quando me referi a este livro.

A Terceira Mulher é um conceito, tal como o Terceiro Instruído de Michel Serres, e A Terceira Cultura de John Brockman.

O Terceiro Instruído é o título de um livro da autoria de Michel Serres, no qual o seu autor defende a teoria de que, para se ser instruído, não basta ser doutor, mas sim um homem de muitas culturas. O terceiro instruído é um tratado sobre a educação, que instiga à aventura de viajar, no intuito de enriquecer culturalmente, através do contacto com os costumes de outros lugares.

“Expõe o corpo ao vento e à chuva, porque, para ser verdadeiramente educado, é preciso te expores ao outro, esposar a alteridade e renascer mestiço.”

Assim, quando, por exemplo, um português emigra para um outro país, ir-se-á dar um encontro entre duas culturas, a cultura de origem, que é a portuguesa, e a cultura do país de chegada. Inevitavelmente, o emigrante português irá adotar alguns costumes desse país, nem que seja por uma questão de conveniência. Ao fim de alguns anos, esse emigrante não é mais a mesma pessoa, ele é um mestiço, está embebido de costumes oriundos de duas culturas. Houve um processo de bricolage, conceito de Lévi-Strauss, que consiste em fazer novos arranjos, adaptações. Já não é só português, mas também não é estrangeiro, é o resultado desses dois, ou seja 1+1=3 → O terceiro instruído. Porque nas Ciências Sociais 1+1=3, isto é, da junção de duas entidades resulta uma terceira, já que é constituída pelas outras duas mas diferente.

Quanto à Terceira Cultura, conceito de John Brockman, dirige-se a “cientistas e pensadores do mundo empírico que com seus trabalhos e com a forma de expor as ideias estão sobrepondo o intelecto tradicional ao tornar visível os significados mais profundos de nossas vidas, redefinindo quem e o que somos”.

Ou seja, é um espaço de interação entre os intelectuais tradicionais e os cientistas emergentes. Os intelectuais tradicionais seriam os humanistas, escritores, filósofos, etc, os cientistas eram então aqueles que no imaginário coletivo só se interessavam pelas ciências naturais, pela matemática e publicavam as suas descobertas em revistas especializadas e de difícil acesso e compreensão. Tantos uns como outros estavam de costas voltadas entre si.  Atualmente, na Terceira Cultura há espaço para a interação entre cientistas e humanistas e deu-se também uma junção. Um exemplo disso é o cientista português António Damásio, que escreve livros onde descreve as suas descobertas que podem ser adquiridos por qualquer pessoa e de relativa facilidade de compreensão. O Cientista dirige-se diretamente ao mundo.

Terceira Mulher, é um conceito que se exprime na junção e/ou interpenetração do tradicional com a modernidade. É a entidade que resulta da mulher tradicional mais a mulher moderna, e uma nova consciência de qual é o seu papel na sociedade, que passa a ser designada pela Terceira Mulher, ou  mulher pós-moderna.

A mulher da Tradição, ou primeira mulher, que em certas vertentes das nossas sociedades vai até inícios do século XIX, é de um tempo em que  a mulher é depreciada. Todos os mitos e discursos evocam a natureza inferior das mulheres. São-lhe atribuídas as tarefas menores, as actividades mais valorizadas são entregues aos homens, vinga a supremacia do sexo masculino sobre o sexo feminino. A mulher surge associada ao mal e à desordem, à feitiçaria, magia e ardis. Quando os homens falavam sobre as mulheres quase sempre era para as estigmatizar. Já Aristófanes, Séneca, Platão e outros alinharam na tradição de fazer sátiras contra a mulher. Aliás, Simone Beauvoir, aquando das suas pesquisas nas bibliotecas, em busca de dados para escrever a obra o Segundo Sexo, confessou um dia, que chegou a ficar tão indignada com os ditos injuriosos sobre as mulheres, proferidos pelos filósofos da antiguidade, que até lhe apetecia gritar!

A mulher da Modernidade, pós-tradicional, ou segunda mulher  pertence a um tempo que tem início no século XVII, quando começa a Modernidade, com Descartes, no entanto, para muitos autores, a Modernidade diz respeito à civilização moderna engendrada pela Revolução Industrial e pela generalização da economia de mercado. Agora, de bruxa a mulher passa a ser considerada a bela amada. Dá-se a exaltação da mulher e da sua beleza. A musa inspiradora. O tempo de “por detrás de um grande homem está uma mulher”. Goethe escreve: “O eterno feminino eleva-nos para as alturas”. A mulher é reconhecida como tendo o poder civilizador dos costumes, a fada do lar, a educadora, etc.

Finalmente a Terceira Mulher, ou Mulher Indeterminada! E o que dizer desta mulher?? –

A Terceira Mulher  é o que ela quiser ser!

Antes, a mulher não era mais do que aquilo que o homem queria que ela fosse. A existência feminina estava pré traçada: casar, ter filhos, desempenhar tarefas menores e cuidar dos pais velhos e até dos sogros. Agora é ela que escolhe o seu caminho, como e quando. Tudo se tornou não uma obrigação, um destino premeditado pelos constrangimentos sociais, mas uma opção. Já nenhuma atividade está vedada às mulheres. Encontram-se, tal como os homens, em posição de poderem definir e de inventar a sua própria vida. Conquistaram o poder de se governarem a si mesmas. A primeira e a segunda mulher estavam subordinadas ao homem, a terceira mulher está sujeita a si mesma, constitui-se na sua autocriação. Contudo, há que notar que não terminou a desigualdade entre os sexos. E a mulher continua a querer preservar a sua feminilidade. Algumas continuam a ter um grande apreço pela vida doméstica. Não esquecer que a Tradição e a Modernidade se interpenetram. Mas o que a mulher agora fizer, fá-lo porque quer, não porque seja o seu papel. O que aconteceu foi que se deu um processo de igualização das condições dos dois sexos, no que diz respeito ao direito da auto-orientação, da individualidade soberana que dispõe de si mesma e do seu futuro, sem um modelo social directivo.

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