“Nunca ore suplicando cargas mais leves e sim ombros mais fortes.”
Phillips Brooks
“Os homens estão em apuros.
Essa parece ser a conclusão do psiquiatra Anthony Clare em “A Crise da Masculinidade”. Trata-se, com efeito, de uma crise de identidade, pois «há a sensação, certamente nas zonas remotas do império patricarcal, de que o império da autoridade, a dominação e o controlo masculinos chegaram ao fim».
Insatisfação, dúvidas, descontentamento… No fim de contas, verifica-se que «a agressividade e a violência são extremamente sensíveis a factores que não são biológicos», isto é, a cultura, o ambiente social e a estrutura psicológica de cada homem são as verdadeiras molas da conduta.
«Podem conter a agressividade, controlar a tendência para dominar, e continuar a ser homens.»
O problema não reside em ser homem, mas na obrigação de ser o que se supõe que deve ser um homem:
«agressivo, racional, mandão, competitivo, reticente, taciturno, analítico, resoluto, independente, dominador e invulnerável.»
O homem do século XXI enfrenta mudanças e revoluções perturbadoras:
as rupturas sentimentais repercutem-se na sua saúde, a competitividade deprime-o e leva-o à solidão, a ciência e a tecnologia médica reprodutiva tornam-no inútil ou prescindível, a família nuclear, patriarcal e tradicional desfez-se e são as mulheres que obtêm a guarda dos filhos, o papel de pai perdeu o valor… Anthony Clare propõe um novo modelo:
pais comprometidos com a família, que desenvolvam «empatia, altruísmo, sensibilidade e expressividade emocional».
O autor responde à pergunta:
que querem os homens?
«Bem, o que eu quero como homem e o que eu quero para todos os homens é que sejamos mais capazes de exprimir a vulnerabilidade, a ternura e a afeição que sentimos, que dêmos mais importância ao amor, à família e às relações pessoais e menos ao poder, aos bens e aos êxitos, e que continuemos a depositar a nossa fé em valores sociais e comunitários mais amplos que facilitem e permitam a todos viver uma vida mais generosa e satisfatória.» Em suma:
competir e dominar menos, amar e deixar-se amar mais.
(…)
Fala-se do novo sexo fraco. Não vou penetrar nesses temas, daria para outro ou vários outros livros. Queremos estar de acordo com eles, encontrar-nos, o que não quer dizer fundir-nos, nem ser dependentes, nem prender ou ser presa pela culpa. Preferimos a liberdade, a responsabilidade, o gozo, a reciprocidade, a cooperação, uma vida sã.
Referimo-nos à cooperação porque, como diz Claude Steiner, é a antítese do abuso do poder e, se os homens aprenderem a cooperar, a fazer uso do poder sem oprimir quem está à sua volta, poderão desfrutar da plena expressão de energia sem o peso da culpabilidade.
Penso que há uma ideia chave:
se os homens compreenderem que os privilégios os prejudicam, se se aliarem às mulheres em prol da liberdade, ganharão em felicidade o que perdem em regalias.
(…)
Na opinião de Daniel Cazes, a condição masculina e os privilégios atribuídos aos homens no patriarcado dão origem à sua alienação. Todos os homens podem gozar das vantagens que lhes são oferecidas como recompensa da permanente tensão causada pela obrigação de as possuir, se satisfizerem os requisitos suficientes da masculinidade hegemónica; é por essa via que se alienam permanentemente da possibilidade de se construírem como seres humanos plenos e de construírem a equidade e a igualdade entre os géneros.
Mas os tempos do masculino alienado e alienante parecem ter começado a mudar.
fala-se de novas paternidades. Fala-se das novas masculinidades.
Da necessidade de criar um homem novo em oposição ao homem antigo. (…).
Os meios de comunicação reflectem um fenómeno de novidade, o varão e a masculinidade estão em crise, embora, como explica Marta Segarra, os media e a publicidade pretendam conformar um cânone de masculinidade, de atitude de vida; um dos mitos (no sentido de falsas evidências, segundo Barthes) é o da normalidade, um valor que se repercute no modo de percepcionar o ambiente circundante e a conduta e de ajustar esta a modelos estabelecidos na formação de padrões de masculinidade.
Muitos homens já começaram a ser críticos da masculinidade convencional.
Já em 1978 se escrevia na revista Achiles Heel («O Calcanhar de Aquiles»):
«O nosso poder na sociedade não só aprisiona as mulheres, mas também nos aprisiona numa masculinidade tão rígida que mutila as relações entre nós, com as mulheres e de cada um consigo.»
Os homens podem mudar e estão a fazê-lo, diz Àngeles Carabí; os Men’s Groups vão-se formando e estendendo em países como os EUA, a Austrália, a Inglaterra, a Holanda, Espanha. Geralmente, são constituídos por homens próximos de mulheres feministas, que assumiram ou compreenderam que o pessoal era político, manifestaram o desejo de manter relações mais igualitárias com as pessoas que lhes eram chegadas e procuraram rever as imagens polarizadas. No seu processo de recriação, continua Àngeles Carabí, deram-se conta de que o inimigo comum era a masculinidade convencional, e procuraram modificá-la. Aprenderam a ser mais abertos, a exprimir as emoções, a estar mais perto dos filhos e das companheiras, e descobriram o prazer de um maior contacto consigo mesmos. Suponho que também os filhos educados em famílias mais modernas, mais democráticas, de mães feministas ou de mulheres e homens mais sensíveis e comprometidos, contestarão a masculinidade convencional.
A autora recorda que numerosas escritoras de várias culturas – Toni Morrison, por exemplo – criaram imagens de homens igualitários ou não hierárquicos, propondo alternativas ao modelo tradicional de masculinidade. Dizem que o homem e a masculinidade estão em crise, sendo apresentados como expoentes de mal estar. As publicações sobre o tema, o aumento de patologias no colectivo masculino (analisado por Luis Bonino), o número crescente de operações de cirurgia estética, o auge do Viagra… A outro nível, assistimos ao crescimento alarmante da violência contra as mulheres.
O que é que está a correr mal?
Estará o processo de igualdade a ser entendido ou encarado como uma perda de poder e, por conseguinte, de virilidade?
Tal como a feminilidade, a masculinidade é um produto cultural, um conceito plural e variável conforme as culturas. A propósito dos distúrbios masculinos, Luis Bonino propõe a desconstrução da «normalidade» masculina a partir da ideia de que a masculinidade, como tal permaneceu intocável, uma vez que se pôs a tónica na subjectividade feminina:
«o masculino e os seus valores continuam a ser considerados, na cultura, paradigma de normalidade, saúde, maturidade e autonomia, razão porque parecem não precisar de ser interrogados».
Em resultado disso, mantém-se intacta a dicotomia, injusta para as mulheres, do espaço simbólico saúde-doença mental. As mulheres continuam a ser «o» problema, e as coisas são assim porque os homens e a masculinidade se colocaram, desde o início do Ocidente, como proprietários da normalidade-saúde-bom senso. Logo, eles não constituem problema, são a unidade ideal e única de medida do ser humano, a partir da qual produzem as pautas que definem o «normal».
Mas de normalidade falamos?
A masculinidade é um mito, diz Cristina Alsina, um estereótipo como a feminilidade e, ao alterar-se a concepção de feminilidade, a masculinidade desestabilizou-se (Susan Faludi estudou consciosamente o fenómeno actual da «desestabilização» dos homens nos EUA, em Stiffed: The betrayal of the american man); ser homem e ser compelido pelos homens significa ser o mais forte, o melhor, o que tem êxito e vence. Desconstruir a masculinidade torna claro o preço que os homens pagam e a alienação que sofrem nas relações com os seus congéneres, homens e mulheres.
Se a masculinidade se constitui, também se pode mudar.
Como afirma Alicia Puleo, tanto os homens como as mulheres são natureza e cultura, razão e afectividade, intelecto e corpo. O futuro da humanidade passa pelo exame atento e – na medida do possível – sem preconceitos das nossas identidades sexuadas e da nossa relação com a natureza. Precisamos todos de observadores críticos; as culturas e os indivíduos enriquecem e tornam-se auto-refelxivos em contacto com os outros. Deste modo, o acesso das mulheres à posição de sujeito oferece aos homens uma oportunidade histórica inédita de se observarem, finalmente, num espelho não deformador, assinala Alicia Puleo (aludindo à famosa frase de Virginia Woolf acerca da mulher como espelho que aumenta a imagem dos homens).
Mas é preciso terminar. Voltaria a citar Steiner, quando afirma que homens e mulheres podem viver as suas vidas separadamente e juntos, como indivíduos autónomos, solidários e iguais. As mulheres podem seguir carreiras sem terem que se transformar nas «abelhas mestras» a que aludimos, ou ser mães de uma prole e viver numa casa grande sem necessidade de se tornarem «grandes mães». Os homens podem ficar solteiros ou manter relações com as mulheres sem serem playboys, ou podem casar e ter filhos a quem apoiar sem serem tiranos ou grandes pais; as mulheres podem ser atletas e cirurgiãs e os homens, enfermeiros e donos de casa… (sem rancor, sem mentiras, sem culpabilidade).
As necessidades humanas podem ser satisfeitas de muitas maneiras susceptíveis de evitar as alternativas triviais.
Steiner apresenta alternativas aos banais estilos de vida opressivos. Trata-se de educar na igualdade (eu estou bem, tu estás bem), na autonomia (escolher, em vez de seguir os guiões que outros escreveram para nós), na autenticidade (em vez de mentiras, segredos e jogos), na cooperação (em vez de jogos de poder e competição) (…).
A esperança no futuro exige que se cultive o acordo e a reciprocidade (…).
Bibliografia
ALBORCH, Carmen. (2004). Mulheres Contra Mulheres. Rivalidades e Cumplicidades. Editorial Presença. Barcarena. pp.218-223.