Mortos vivos

Publicado por: Milu  :  Categoria: LIVROS, Mortos vivos

“A árvore, quando está sendo cortada, observa com tristeza que o cabo do machado é de madeira.” (Provérbio árabe)

Continuando na saga das leituras em tempo de férias, eis mais um livro lido quase de uma penada, já que agora, vagar e disposição, é o que mais abunda.

Quis o acaso que, o segundo livro a cair-me nas mãos fosse o romance “O Luto de Elias Gro”, escrito por João Tordo, um autor português contemporâneo e publicado em 2015. Ao longo da narrativa, Elias Gro encontra diferentes personagens que de alguma forma refletem aspetos de sua própria dor e anseios. Cada encontro oferece a oportunidade de explorar o passado de Elias e sua tentativa de reconciliar-se com o que foi perdido. O livro centra-se na história emocionalmente complexa de Elias Gro, um homem atormentado pelo falecimento de sua esposa, que morreu de cancro nos ossos.

O livro desvenda a jornada de Elias através de suas memórias, pensamentos e reflexões com outros personagens. Conforme ele tenta entender o sentido da vida após uma perda devastadora, o leitor é levado a explorar temas como a tristeza, o isolamento, a busca por identidade e complexidade das relações humanas.

A história é ambientada em um período de tempo após a morte da esposa de Gro, quando ele está tentando voltar a viver sua vida normalmente. No entanto, ele é atormentado por lembranças, remorsos e uma sensação de vazio que parece insuperável. À medida que a narrativa avança, ele se encontra envolvido em uma série de eventos que desafiam suas ocorrências sobre a vida, a morte, o amor e a culpa.

O livro explora temas como o luto, a solidão, a busca por sentido na vida e a complexidade das emoções humanas. Através da jornada emocional de Elias Gro, o autor aborda as diferentes maneiras pelas quais as pessoas enfrentam a perda e como ela pode moldar suas vidas de maneiras profundas e imprevisíveis.

“O Luto de Elias Gro” é um romance introspectivo e emocionalmente carregado, que oferece aos leitores uma visão sensível das lutas internas resultantes de uma perda incomensurável. A narrativa é habilmente construída para explorar a psicologia dos personagens e suas relações com o mundo ao seu redor, ao mesmo tempo em que questiona as complicações da vida e da morte.

“O Luto de Elias Gro” é sobretudo uma exploração sensível e profunda das emoções humanas diante da perda e do sofrimento. Através da trajetória do personagem principal, João Tordo tece uma narrativa que examina a caminhada da existência, as maneiras pelas quais as pessoas enfrentam a adversidade e buscam por significado em meio à dor.

“Ele estava doente, tão doente quanto o corpo permite, e eu, acordei demasiado tarde de um sonho cruel, cruzei-me com Cecilia e com o homem pendurado na cruz, e foram estes dois – cada um no seu infinito talento para a teimosia – que me mostraram o caminho. Na verdade, não existe caminho. Convencemo-nos dele e, de tanto fingirmos que faz sentido percorrê-lo, acabamos por descobrir que, na nossa esteira, se apaga como a película de pó que cobre os móveis num quarto cujas janelas alguém acaba de abrir ao fim de anos de esquecimento. Resta-nos prosseguir sem saber para onde vamos, se seremos capazes. Sem a cumplicidade das coisas já vistas, pois essas perdem-se a cada instante. Para isto, e para outros assuntos mais chegados à vida terrena, é que servem estas palavras; mas é sobretudo para isto” (Tordo, 2015:15-16).

“Os pensamentos, como diabos à solta num quarto escuro e abafado, conduziam-me uma e outra vez à mesma conclusão, de que o homem transporta consigo o inferno, e que esse inferno não são os outros mas nós mesmos, quando entregues às nossas ideias mais acérrimas, às nossas intransigências mais cruéis, às nossas dúvidas mais corrosivas” (Tordo, 2015:116).

Bibliografia

Tordo, João (2015). O Luto de Elias Gro. Companhia das Letras. Lisboa

Por outros caminhos

Publicado por: Milu  :  Categoria: LIVROS, Por outros caminhos

“Uma mudança deixa sempre patamares para outra mudança”. (Maquiavel)

Em tempo de férias, que é o meu caso, pois estou de férias, há sempre espaço e muita vontade para “devorar” alguns livros. Desta vez, resolvi variar. Não direcionar tanto as minhas leituras que, ultimamente, incidiram sobre a área das Ciências Sociais, nomeadamente na Sociologia. Apercebi-me que, a Sociologia, me dava respostas para questões que há muito me intrigavam, até mesmo desde a minha meninice. Ou seja, fez-me compreender os fenómenos humanos, facto que, de certa forma, contribuiu para o meu empoderamento. Posto isto, quem haveria de ter “calhado na rifa”, para me entreter na lassidão destes longos dias?

João Tordo. Ainda não tinha tido oportunidade de o ler, e quis o acaso que, recentemente, tivesse ouvido alguém tecer rasgados elogios à sua obra . Pois então vamos a isso, pensei de mim para mim. O primogénito foi nem mais nem menos do que “O Livro dos Homens Sem Luz”. Em boa hora, diga-se a verdade, é que já aproveitei algumas ideias que me caíram que nem uma luva…

Pois então, “O Livro dos Homens Sem Luz” é uma obra intrigante e emocionante escrita por João Tordo, um renomado autor português. Publicado em 2011, o livro mergulha o leitor em uma jornada literária que abrange diversas temáticas, como a complexidade das relações humanas, a busca por sentido na vida e a exploração das dificuldades da psique humana.

A trama do livro gira em torno de personagens que, de alguma forma, estão em busca de respostas para questões existenciais. O título em si, “O Livro dos Homens Sem Luz”, sugere uma exploração da natureza da humanidade e uma jornada em busca de sabedoria e iluminação. João Tordo utiliza uma narrativa envolvente para abordar os desafios emocionais e espirituais enfrentados pelos personagens, permitindo que o leitor se conecte com suas lutas internas. O livro é conhecido por sua prosa poética e profundidade psicológica. João Tordo mergulhou fundo nos pensamentos e sentimentos dos personagens, oferecendo uma visão rica e complexa de suas vidas interiores. Através dessa abordagem, ele cria uma atmosfera densa e reflexiva que convida o leitor a contemplar as questões fundamentais da existência. Além disso, a trama é habilmente construída, alternando entre diferentes perspetivas e momentos temporais. Essa estrutura narrativa mantém o leitor envolvido, revelando gradualmente os segredos e conexões entre os personagens. A escrita de João Tordo é carregada de simbolismo e de metáforas, proporcionando várias experiências de interpretação e incentivando a reflexão sobre os temas abordados.

Assim, “O Livro dos Homens Sem Luz” não é apenas uma obra de ficção, mas também uma exploração filosófica e espiritual. Ao longo do livro, os personagens são confrontados com dilemas morais, conflitos internos, a procura por um sentido mais profundo em suas vidas. Essa busca pela iluminação e pela compreensão do eu interior é uma constante ao longo da narrativa. No geral, “O Livro dos Homens Sem Luz” é uma leitura enriquecedora para aqueles que apreciam uma prosa reflexiva. João Tordo construiu um mundo literário rico em emoções e questionamentos existenciais, oferecendo aos leitores uma oportunidade de explorar as complexidades da natureza humana e as várias facetas da luz que brilham em cada um de nós.

“…«Estiveste, há pouco tempo, no mesmo lugar que a tua mulher e a tua filha. Um restaurante. Entre a tua mesa e a delas existia não mais do que o espaço de três passos largos. O que seria de esperar de um homem era que tudo fizesse para as recuperar, para as trazer para junto dele. A tua única reacção, no entanto, foi fugir. Claro, os motivos das tuas acções pertencem-te apenas a ti – medo, cobardia, indiferença, tanto faz – e são indescortináveis. Mas as consequências das tuas acções trazem-te ao ponto em que estás agora, de arma em punho, considerando tirares a tua própria vida, quando um pequeno gesto bastaria para que tivesses recuperado o que te pertencera»”

«Não acredito nisso. Mentes.»

«Achas que te minto? Dou-te outro exemplo: Lembras-te de, a certa altura, seguires o teu amigo do prédio em frente?»

«Sim.»

«E recordas-te de uma tarde em que, por acidente ou não, chegaram a trocar palavras?»

Uma espécie de vergonha miudinha invadiu-me. Murmurei algo indistinto.

«Tiveste nesse momento outra oportunidade de estabelecer contacto, de quebrar o isolamento, de reconheceres um outro como alguém que existe fora de ti. O que te estou a tentar mostrar é isto: a tua vida dependeu apenas da tua vontade, e tu fugiste-lhe em todos os momentos. Preferiste a tua reclusão e escolheste o desespero em vez de reconstruíres o mundo em teu redor. Não tens um único amigo e não conheces ninguém. Vives como um condenado, fechado num quarto de cortinas cerradas, aguardando o fatídico dia em que irás desaparecer, anónimo e ausente, da memória de outros. Para trás deixarás nada, ou menos do que nada. Por tua vontade tornar-te-ias um fóssil , uma pedra sem nome, antiga como a criação, sem outro destino senão estar enterrada no fundo do mar, ou ser chutada ao acaso por entre rochas cobertas de visco. Creio que é justo, e corrige-me se estiver enganado, quando te digo que não passas de um fantasma.»” (Tordo, 2011:73-74).

Bibliografia

Tordo, João. (2011). O Livro dos Homens sem Luz. Dom Quixote. Alfragide.