Meu Portugal Brasileiro

Publicado por: Milu  :  Categoria: Meu Portugal Brasileiro

Meu Portugal Brasileiro
De
José Jorge Letria

José Jorge Letria nasceu em Cascais em 1951. É jornalista nos mais renomados jornais portugueses e escritor com ampla obra publicada em vários domínios. É perito em Relações Internacionais. No espaço de tempo compreendido entre 1994 e 2002 desempenhou as funções de vereador da Cultura do município da terra que o viu nascer. A sua obra poética, teatral e infanto-juvenil está traduzida em mais de uma dezena de línguas, tendo sido distinguida com importantes prémios nacionais e internacionais, dos quais se destacam: Dois Grandes Prémios da APE, o Prémio Internacional UNESCO, o Prémio Aula da Poesia de Barcelona, o Prémio Plural (México), o Prémio da International  des Arts et des Lettres (Paris) e o Prémio Eça de Queirós/Município de Lisboa. Os dois volumes da antologia “O Fantasma da Obra” reúnem o essencial da sua obra poética. Durante anos foi um dos mais eminentes nomes da canção política em Portugal tendo sido galardoado com a Ordem da Liberdade de 1997. É desde Setembro do ano 2003, vice-presidente e administrador da Sociedade Portuguesa de Autores e membro do Comité Executivo do Conselho Internacional de Autores Dramáticos, Literários e Audiovisuais. Foi ainda, autor de programas de rádio e de televisão.

“Meu Portugal Brasileiro” é um romance histórico da autoria de José Jorge Letria onde consta o relato da fuga para o Brasil de D. João e a sua corte, aquando da invasão do exército francês comandado pelo general Junot. Na madrugada de 27 de Novembro do ano de 1807 o cais de Belém foi palco de uma inusitada agitação, procedia-se a uma evasão em massa, cerca de quinze mil portugueses ansiavam pôr-se ao fresco, rumo ao Brasil com o propósito de escapar à fúria do exército francês, que não tardava a assomar a Lisboa. No que respeita ao Príncipe Regente D. João, assim denominado por ter assumido a responsabilidade da regência do reino, devido à doença mental da rainha mãe D. Maria, tudo parecia ter sido objecto de uma aturada preparação, há muito que a corte se preparava para este acontecimento pelo que o seu embarque foi levado a cabo sem problemas de maior, exceptuando o infante D. Pedro, o último a entrar a bordo, por ter levado até ao fim, um intenso esforço no intento de se fazer acompanhar pela avó D. Maria que, apesar de louca, foi capaz de um rasgo de lucidez suficiente, para enxergar que, o que estava a acontecer era um desavergonhado e grosseiro acto de cobardia! O descarado abandono de Portugal e as suas gentes, deixadas à mercê do sedento e vingativo exército francês! A frota composta por oito naus, três fragatas, dois brigues, uma escuna de guerra e mais de duas dezenas de navios mercantes com as mais diversificadas cargas e toneladas de mantimentos foi manifestamente insuficiente para abarcar tantas almas e tudo o que estas se dispunham a transportar consigo, animais de estimação, caixas, baús, peças em ouro, caixotes, porcelanas orientais, quadros, faqueiros, baixelas, enfim, um nunca mais acabar de tralha! Havia da parte dos que se embrenharam na debandada, uma vontade generalizada em fazerem-se acompanhar dos pertences mais estimados, já que, não tinham a mínima garantia de retornarem a Portugal!

D. João VI

Estava-se neste impasse quando correu a notícia de que os franceses se aproximavam perigosamente de Lisboa, encontrando-se à curta distância de um dia e meio! Imediatamente se instalou o caos, assistiu-se então, a uma corrida em direcção às embarcações e, levados numa onda do salve-se quem puder, as bagagens foram deixadas para trás, num total abandono! Agora, importava somente salvar o corpo! Já depois de instalados e devido à necessidade de criar espaço para albergar aquele mar de gente, muito ainda foi atirado borda fora, roupas de cama, de vestir e até cães! Assim que atravessaram a barra, portentosos vasos de guerra britânicos saudaram os portugueses com uma salva de vinte e um tiros no que foram correspondidos com outros tantos dos canhões da galeota Príncipe Real. Depois destes salamaleques foi chegada a vez de os britânicos ficarem boquiabertos com a falta de condições de acomodação dos passageiros e do profundo desalento que por aquelas bandas imperava. Por ordem do comando britânico foram destacados para escoltar a armada portuguesa até à Madeira quatro navios de guerra. Ao largo da costa levantou-se um vento tal que, para desespero de toda aquela gente, temeu-se seriamente serem empurrados à viva força para o ponto de partida e, inevitavelmente, tornados presas fáceis do exército francês, logo assim, de uma forma tão inglória! Só ao fim de dois dias ao deus dará, os ventos amainaram e logo foi feita uma avaliação da situação. O cenário que se viu foi desolador, mastros vergados ou partidos, o cordame e as vergas apodrecidas, os cascos deixavam entrar água, as velas rasgadas de alto a baixo, enfim uma tristeza! Apesar das tempestades e tendo em conta as condições miseráveis, muitas graças foram devidas a Deus dado que, a viagem foi levada a cabo, sem que o espectro da doença os tivesse molestado, mas ainda assim, não se livraram de uma incómoda praga de piolhos! Um mal menor, não fossem os enxovalhados pergaminhos das damas que, não lobrigaram remédio mais eficaz se não, o de raparem as lindas cabecinhas. Um terrível vexame, se bem vistas as coisas! A frota real ancorou no largo de Salvador a 22 de Janeiro de 1808 e, mais uma vez, os seus infelizes ocupantes conheceram as agruras da humilhação! De pé e hirtos nos conveses das desconjuntadas e decrépitas embarcações, vestidos com a mesma roupa com que tinham embarcado, de cabeças rapadas, maltrapilhos e andrajosos até mais não, a imagem que projectavam em nada fazia lembrar, aos atónitos habitantes do lugar, que ali viajavam representantes de um povo digno e corajoso! Muito menos a corte de Portugal! Estavam pois, inaugurados novos tempos para o Brasil que, veio a conhecer nesta altura um período de franco desenvolvimento, impulsionado pela introdução dos conhecimentos e técnicas europeias! No dia 20 de Março de 1816 morreu a rainha D. Maria I sendo que o seu filho é coroado rei, dois anos mais tarde no dia 6 de Fevereiro de 1818 com o título de D. João VI, o 27º da história de Portugal. A considerável prosperidade do Brasil que, entrementes, deixara de ser colónia para ser elevado à categoria de Reino Unido ao de Portugal e Algarve assentava os seus alicerces, paradoxalmente, na sua maior debilidade, isto é, numa economia dependente do trabalho escravo! Nunca percebi como é que a igreja e os seus representantes fizeram a devida articulação entre esta realidade e a doutrina de Cristo! Desde o ano de 1761 até 1820 o Brasil importou 1198000 escravos, na sua maioria, 78%, oriundos de Angola! Passados treze anos que foram, da chegada da família real ao Brasil, a viagem de regresso impôs-se fortemente, na medida em que havia uma crescente ameaça da possibilidade de nascer uma revolta que trouxesse consigo a implantação da República em Portugal. No lugar de D. João VI ficou o seu filho D. Pedro a quem foi atribuído o título de Regente. Uma vez em Lisboa, D. João VI foi incapaz de travar as Cortes na decisão de restringir os direitos, anteriormente concedidos ao Reino Unido ao de Portugal, havia já quem defendesse que se deveria voltar a chamar apenas de colónia. Nem D. Pedro, nem a nobreza e a burguesia enriquecida estavam dispostos a sofrer tamanha afronta! A semente da revolta não parava de germinar! Maior agravo se deu quando D. João VI, pressionado pelas Cortes, assinou um decreto que retirava a D. Pedro o título de Príncipe Regente, assim como uma ordem judicial que ordenava o seu imediato regresso a Portugal! A revolta e indignação não se fizeram esperar! No dia memorável de 7 de Setembro de 1822 fez-se História! D. Pedro lançou o grito do Ipiranga! “É tempo! Independência ou morte! Estamos separados de Portugal!”

(Clique nas imagens para obter mais informação)