Populismo

Publicado por: Milu  :  Categoria: POLÍTICA, Populismo

 

“Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde de comida seria eleito sempre, não importa quantos porcos ele já tenha abatido no recinto ao lado.”

Orson Scott Card

Tendo em conta os acontecimentos do nosso tempo, e para que seja cada vez mais difícil comerem-nos as papas na cabeça, eis um post sobre o Populismo, cuja  característica básica é o contacto directo com as massas urbanas, consistindo  numa estratégia que lavra forte no plano dos afectos e da teatralidade, através do uso de manifestações e discursos populares, abundantemente difundidos pelos  órgãos de comunicação social.

Este post foi elaborado com trechos retirados de um livro editado já neste ano de 2017, da autoria de MUDDE & KALTWASSER, apresentado como uma breve introdução com textos exclusivos para a edição portuguesa sobre as eleições nos Estados Unidos.

 

“«Populismo» é uma das principais palavras da moda do século XXI. O termo é utilizado para descrever presidentes de esquerda na América latina, partidos de oposição de direita na Europa e candidatos presidenciais tanto de esquerda como de direita nos Estados Unidos” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 13).

“Uma abordagem mais recente considera o populismo, em primeiro lugar, como uma estratégia política empregada por um tipo específico de líder que procura governar recorrendo ao apoio directo e não mediado das bases. É especialmente popular entre os estudiosos das sociedades latino-americanas e não ocidentais. A abordagem enfatiza o facto de o populismo implicar a emergência de uma figura forte e carismática, que concentra o poder e mantém uma ligação directa às massas” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 16).

“Uma abordagem final considera o populismo predominantemente como um estilo folclórico de política, de que líderes e partidos fazem uso para mobilizar as massas. Esta abordagem é popular em especial nos estudos de comunicação (política), assim como nos media. Neste entendimento, o populismo refere-se a uma conduta política amadora e não profissional que visa captar o máximo a atenção dos media e o apoio popular” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 17).

“Por exemplo, num discurso de campanha proferido na Florida em Outubro de 2016, Trump afirmou: «O nosso movimento visa substituir um establishment falhado e corrupto por um governo controlado por vocês, o povo americano». A sua vitória surpreendente das eleições presidenciais de 2016 mostrou que, contrariamente às expectativas, o populismo de direita constitui uma estratégia viável para chegar a cargos políticos nos Estados Unidos (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 43).

“O comunismo e o fascismo namoraram o populismo, em especial durante as suas fases de movimento, numa tentativa de granjear o apoio das massas. Na essência, contudo, ambos devem ser vistos como ideologias e regimes elitistas, e não populistas. Isto é mais evidente no caso do fascismo, que nas suas diferentes variedades exalta o líder (Führer) e a raça (nacional-socialismo) ou o Estado (fascismo), e não o povo” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 49).

Foi só no final da década de 1990 que o populismo se tornou uma força política relevante na Europa. Dando resposta às frustrações sentidas quanto aos efeitos tanto das antigas como das novas transformações da política e da sociedade europeias, nomeadamente a integração europeia e a imigração, apareceram partidos populistas de extrema direita em todo o continente, embora com níveis diferentes  de sucesso político e eleitoral. Estes partidos conjugam o populismo com duas outras ideologias: autoritarismo e nativismo. A primeira destas refere-se à crença numa sociedade estritamente regulada e é expressa numa ênfase em questões de «lei e ordem»; a segunda diz respeito à noção de os Estados deverem ser habitados exclusivamente pelos elementos do grupo nativo («a nação») e os elementos não nativos («estrangeiros») constituírem uma ameaça ao Estado-nação homogéneo. Assim a natureza xenófoba do actual populismo europeu deriva de uma concepção específica de nação, assente numa definição étnica e chauvinista do povo. Isto quer dizer que actualmente o populismo, o autoritarismo e o nativismo estão a viver uma espécie de casamento de conveniência na Europa (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 50).

O paradigma de partido populista de extrema-direita é a Front National (FN – Frente Nacional) de França, criada em 1972 por Jean-Marie Le Pen, ex-deputado pela UDCA. Le Pen transformou a extrema-direita desorganizada e elitista francesa num partido populista radical de direita bem organizado, que inspirou partidos e políticos em toda a Europa. Le Pen afirmou «dizer o que você pensa» e lançou a FN contra o «Gangue dos Quatro», isto é, os quatro partidos estabelecidos na altura. Os partidos populistas da direita radical também conjugam nativismo e populismo na sua agenda económica de chauvinismo em relação aos benefícios sociais e na sua agenda política de eurocepticismo. Acusam a elite de destruir o Estado social para incorporar os imigrantes, o seu suposto novo eleitorado, e exigem um Estado social que ponha em primeiro lugar «o seu próprio povo»” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 50-51).

“Apesar de na Europa o populismo permanecer sobretudo de direita, a Grande Recessão deu um novo impulso ao populismo de esquerda. Na Grécia, a devastação económica convenceu um grande número de grupos de esquerda radical a juntar-se na nova e populista Coligação da Esquerda Radical (Syriza), ao passo que em Espanha os protestos dos Indignados abriram caminho ao nascimento de um novo partido, o Podemos. este populismo de esquerda é bastante parecido com o do movimento Occupy na América do Norte, embora cada agente tenha os seus inimigos e terminologia específicos – para o Syriza, a UE constitui uma parte importante da elite, ao passo que o Podemos opõe-se sobretudo a «la casta», a expressão pejorativa que utiliza para nomear a elite política nacional” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 53-54).

“Em aproximadamente 150 anos, o populismo passou de um pequeno grupo elitista na Rússia dos czares e de um grupo grande mas desorganizado em partes dos Estados Unidos a um fenómeno político diversificado que cobre o globo. A sua ascensão está estritamente ligada à ascensão da democracia no mundo. O populismo e a democracia eram fenómenos relativamente raros no final do século XIX, mas ambos estão agora disseminados. Não se quer com isto dizer que os dois estão necessariamente ligados: o populismo pode existir em regimes autoritários e muitas democracias não têm agentes populistas relevantes. Mas enquanto ideologia que exalta a vontade geral do povo, o populismo tira partido da crescente hegemonia global do ideal democrático, assim como das possibilidades oferecidas pela democracia eleitoral e das frustrações criadas pela democracia liberal”(MUDDE & KALTWASSER, 2017: 56-57) .

Todos os fenómenos políticos são produto de um contexto cultural, político e social mais ou menos específico e o populismo não constitui excepção. É por esta razão que o populismo assume uma grande variedade de formas. A forma específica que o populismo acaba por adoptar depende das queixas sociais preponderantes no contexto em que opera. Os agentes populistas são especialistas em detectar e politizar problemas sociais que, intencionalmente ou não, não estão a ser tratados pelas forças políticas dominantes de modo adequado. Mas sendo o populismo um conjunto muito básico de ideias, este surge necessariamente ligado a uma ideologia hospedeira, e esta é determinante para fornecer uma interpretação específica de «povo» e «elite»” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 56-57).

“(…) vale a pena referir que o populismo está geralmente associado a um líder (masculino) forte, cujo carisma pessoal – e não o seu programa ideológico – constitui a base do apoio granjeado. Embora os líderes (masculinos) carismáticos sejam importantes no populismo, a mobilização populista não está sempre ligada a um líder carismático” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 59).

Uma vez que o populismo é em geral utilizado para atacar o poder instituído, os eruditos e os académicos tendem a afirmar que este é contra a representação política. Afinal de contas, os agentes e o eleitorado populistas afirmam habitualmente que os partidos políticos existentes são organizações corruptas. Contudo, isso não significa que o populismo seja intrinsecamente contrário à representação política. O que os populistas querem é os seus representantes no poder, ou seja, representantes do «povo». Assim, os seus partidos políticos usam o populismo para desafiar o poder instituído e dar voz a grupos que não se sentem representados. Com efeito, a ascensão dos partidos populistas e a sua força eleitoral estão directamente relacionadas com a sua capacidade de politizar determinadas questões que, deliberada ou indeliberadamente, não estão a ser tratadas de modo adequado pelos partidos políticos existentes. No momento em que os partidos políticos se tornam relevantes e se apropriam de uma questão, conquistam um espaço na paisagem política, obrigando os outros partidos a reagir e a ter em conta a questão abordada. Embora o movimento social também pudesse obter este efeito, a capacidade acrescida de granjear votos (e assentos) torna muitas vezes os partidos populistas mais eficazes” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 70).

 

“«o populismo requer os indivíduos mais extraordinários a conduzir as pessoas mais comuns»” 

Paul Taggart (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 81).

“(…) há algo que os líderes populistas têm em comum: apresentam-se como a voz do povo [vox populi], o que quer dizer ao mesmo tempo como outsiders políticos e como genuínos representantes do povo comum. Esta imagem é construída cuidadosamente pelo líder populista, baseada num conjunto de características pessoais, e nem sempre reflecte a realidade. Considere-se, por exemplo, o caso de Donald Trump, o bilionário sem experiência política que venceu as eleições presidenciais norte-americanas em 2016 e que, nos seus discursos de campanha, se apresentava a si próprio, como um outsider a lutar pelo «povo» e Hillary Clinton, sua adversária na corrida, como uma insider a lutar pelos insiders” (MUDDE & KALTWASSER, 2017: 82).

 

Bibliografia

MUDDE, Cas. KALTWASSER, R., Cristóbal. (2017). Populismo. Graviva. Lisboa.

Adicionar Comentario