Os alienados
“O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade.”
Karl Mannheim
“A nossa geração quis dar o melhor às crianças e aos jovens. Sonhámos grandes sonhos para eles. Procurámos dar-lhes os melhores brinquedos, roupas, passeios e escolas. Não queríamos que eles andassem à chuva, se magoassem nas ruas, se ferissem com os brinquedos caseiros e vivessem as dificuldades pelas quais nós passámos.
Colocámos uma televisão na sala. Alguns pais, com mais recursos, colocaram uma televisão e um computador no quarto de cada filho. Outros preencheram o tempo dos seus filhos com actividades, matriculando-os em cursos de inglês, informática, música.
Tiveram uma excelente intenção, só não sabiam que as crianças precisavam de ter infância, necessitavam de inventar,
correr riscos,
decepcionar-se,
ter tempo para brincar e encantar-se com a vida.
Não imaginavam o quanto a criatividade, a felicidade, a ousadia e a segurança do adulto dependiam das matrizes da memória e da energia emocional da criança. Não compreenderam que a televisão, os brinquedos manufacturados, a Internet e o excesso de actividades bloqueavam a infância dos seus filhos.
Criámos um mundo artificial para as crianças e pagámos caro por isso. Produzimos sérias consequências no território das suas emoções, no anfiteatro dos seus pensamentos e no solo das suas memórias. Vejamos algumas dessas consequências.
Bloquear a inteligência das crianças e adolescentes
Esperávamos que no século XXI os jovens fossem solidários,
empreendedores
e amassem a arte de pensar.
Mas muitos vivem alienados, não pensam no futuro, não têm garra e projectos de vida.
Imaginávamos que, pelo facto de aprendermos línguas na escola e vivermos espremidos nos elevadores, no local de trabalho e nos clubes, a solidão seria resolvida. Mas as pessoas não aprenderam a falar de si mesmas, têm medo de se expor, vivem represadas no seu próprio mundo.
Pais e filhos vivem isolados, raramente choram juntos e falam dos seus sonhos, mágoas, alegrias, frustrações.
Na escola, a situação é pior. Professores e alunos vivem juntos durante anos dentro da sala de aula, mas são estranhos uns para os outros. Eles escondem-se atrás dos livros, dos cadernos, dos computadores. A culpa é dos ilustres professores? Não! A culpa, como veremos, é do sistema educacional doentio que se arrasta há séculos.
As crianças e os jovens aprendem a lidar com factos lógicos, mas não sabem lidar com fracassos e falhas. Aprendem a resolver problemas matemáticos, mas não sabem resolver os seus conflitos existenciais. São treinados para fazer cálculos e acertar, mas a vida é cheia de contradições, as questões emocionais não podem ser calculadas, nem têm conta exacta.
Os jovens são preparados para lidar com as decepções?
Não!
Eles são treinados apenas para o sucesso.
Viver sem problemas é impossível. O sofrimento pode construir-nos ou destruir-nos. Devemos usar o sofrimento para construir a sabedoria.
Mas quem se importa com a sabedoria na era da informática?
A nossa geração produziu mais informação do que nenhuma outra, mas não sabemos o que fazer com ela. Raramente usamos essa informação para aumentar a nossa qualidade de vida.
Você faz coisas nos seus tempos livres que lhe dêem prazer?
Você procura administrar os seus pensamentos para ter uma mente mais tranquila?
Tornámo-nos máquinas de trabalhar e estamos a transformar as nossas crianças em máquinas de aprender.
(…)
Tenho a convicção, como psiquiatra e como autor de uma das poucas teorias da actualidade sobre o processo de construção do pensamento, de que estamos a bloquear a inteligência das crianças e o seu prazer de viver com o excesso de informação que lhe oferecemos.
(…)
O conhecimento multiplicou-se e o número de escolas aumentou como em nenhuma outra época, mas não estamos a produzir pensadores. A maioria dos jovens, incluindo os universitários (…) constrói pouquíssimas ideias brilhantes. Não é por acaso que eles perderam o prazer de aprender. A escola deixou de ser uma aventura agradável.
(…)
Eles precisam de fazer muitas coisas para ter um pouco de prazer, o que gera personalidades flutuantes, instáveis, insatisfeitas. Temos uma indústria de lazer complexa. Deveríamos ter a geração de jovens mais felizes que já pisaram esta terra. Mas produzimos uma geração de insatisfeitos.
(…)
Nunca o conhecimento médico e psiquiátrico foi tão grande, e nunca as pessoas tiveram tantos transtornos emocionais e tantas doenças psicossomáticas. A depressão raramente atingia as crianças. Hoje, há muitas crianças deprimidas e sem encanto pela vida. Pré-adolescentes e adolescentes estão a desenvolver obsessões, síndrome de pânico, fobias, timidez, agressividade e outros transtornos ansiosos.
(…)
E o stress? Não é apenas comum detectarmos adultos stressados, mas também jovens e crianças. Eles têm frequentemente dores de cabeça, gastrite, dores musculares, suor excessivo, fadiga constante de fundo emocional.
Precisamos de arquivar esta frase e nunca a esquecer:
«Quanto pior for a qualidade da educação, mais importante será o papel da psiquiatria neste século.»
Bibliografia
CURY, Augusto. (20129. Pais brilhantes, professores fascinantes. Pergaminho. pp. 11-16.