O Teu Nome Flutuando no Adeus

Publicado por: Milu  :  Categoria: LIVROS, O Teu Nome Flutuando...

O Teu Nome Flutuando no Adeus

de

Alicia Giménez Bartlett

Antonio Sarabia

Horacio Vázquez-Rial

José Manuel Fajardo

José Ovejero

Luis Sepúlveda

Mario Delgado Aparaín

Mempo Giardinelli

Nuria Barrios

“O Teu Nome Flutuando no Adeus” é um livro que resultou do desafio proposto a nove romancistas, para que narrassem uma história das suas vidas, mas não uma qualquer, teria de ser uma história de amor. Mas também não poderia ser um amor qualquer, teria de ser  uma história de amor, sim, mas de um amor frustrado. E, então, imbuídos pelo mesmo espírito, Alicia Giménez Bartlett; Antonio Sarabia; Horacio Vázquez-Rial; José Manuel Fajardo; José Ovejero; Luís Sepúlveda; Mario Delgado Aparaín; Mempo Giardinelli, e Nuria Barrios, aprestaram-se a fazer o registo nas páginas deste livro, de uma parte das suas vidas, que terá sido bem marcante, de tal forma, que ainda lateja nas suas memórias.

Não fosse a história de amor frustrado de Antonio Sarabia e sentir-me-ia plenamente à vontade para proferir, que neste livro estão impressas apenas histórias banais de algum desamor e infortúnio, até porque qualquer um de nós encerra dentro de si recordações de afectos, que bem repenicadas com um pouquinho de jeito e dedicação, se poderiam tornar numa maravilhosa e idílica história de amor, que uma vez frustrado, daria azo para a mais pura e profunda dor e até de frutuosos caudais de lágrimas, capazes de regar e por isso fazer florescer a charneca mais inóspita do planeta.

Maria Inês foi a adolescente, menina mulher, que o narrador inventou, lá, no mais profundo da sua consciência, para fazer dela  a sua ansiada namorada e assim, desta prosaica forma, sossegar os impetuosos espíritos  irreverentes dos colegas, que já se atreviam a estranhar-lhe a falta de companheira, considerada peça importante na engrenagem que regula tão importante parte do ser masculino – a sua tão enaltecida virilidade. Para acabar com as insinuações mais arrojadas e maldosas, decidiu embrenhar-se num esquema que o emaranhou numa teia de patranhas, que mais tarde veio a temer ser incapaz de manter de pé. Contou aos colegas, que tinha conhecido Maria Inês, filha de um casal amigo de seus pais, que tinham acabado de vir morar para a cidade. Para dar mais veracidade à história, foi dizendo que esta família, amiga dos pais, moravam bastante longe, na outra banda da cidade onde judas perdeu as botas e que estranhamente,  ele e a Maria Inês tinham encaixado perfeitamente  um no outro, situação que bem observada, prometia mundos e fundos. Os amigos, tudo ouvindo de olhos arregalados e flamejantes, perguntaram-lhe se já a tinha beijado, perante a resposta negativa logo o incitaram para que fosse mais aguerrido, que não fosse parvo, que não desperdiçasse nenhuma oportunidade por mais pequena que fosse, que se atirasse a ela, forte e feio. E com sorrisos brejeiros a transbordar de malícia, cuidaram de instruir o caloiro, nos caminhos que eles pensavam já saber tão bem calcorrear. E como uma mentira só vale a pena se for bem contada, resolveu procurar uma casa que reunisse as condições necessárias, para que fosse capaz  de nela imaginar a viver a sua futura amada.

E assim foi progredindo na imaginada odisseia que era o seu namoro com Maria Inês. Deslocava-se até perto da dita casa, acoitava-se escondido num canto qualquer e com o pensamento a divagar, ali permanecia estoicamente até se cansar. De volta à companhia dos colegas gabava-se dos progressos que havia feito com a namorada, e lá ia dizendo, que entretanto a enlaçara pela cintura e que apanhando-a desprevenida pespegara-lhe um beijo. Mas os colegas insatisfeitos incentivaram-no a novas façanhas,  um pica daqui, outro pica dacolá, todos queriam ouvir falar em  “apalpanços”, fosse lá no que fosse. Um dia chegou, em que se fartou desta espiral de mentiras, que já desconfiava ter fortes probabilidades de vir a acabar mal, pelo que decidiu estancar a hemorragia, que a sua efervescente imaginação havia provocado. Fingindo-se compungido e pesaroso contou aos colegas que o infortúnio tinha tido lugar na sua vida. Devido ao bom desempenho profissional do pai da sua namorada, este tinha sido promovido, pelo que  toda a família iria mais uma vez mudar de cidade,  inviabilizando-se desta forma tão inglória, aquele romance que há pouco começara a dar os primeiros passos e os tão ansiados frutos. Porém, mesmo assim, os colegas não paravam de insistir para que aproveitasse os últimos alvores, para se deitar a ela como gente grande, ao que o narrador se viu na contingência de lhes prometer que sim, que ficassem descansados, porque virgem é que ela não se iria!

No dia seguinte, naquele que considerou aprazado para as despedidas, fez-se pela última vez ao caminho  que o levava à  casa da namorada, melhor dizendo, daquela que nunca foi mais do que o fruto de um inconsciente delírio, mas, para seu espanto, ao observar a moradia, sentiu-a estranhamente só e abandonada, parecendo-lhe até, que tudo se teria tornado real e alguém que ele já amava, não estaria mais ali, perto de si. A emoção invadiu-o. Dos olhos escorreram-lhe grossas bátegas de água, que lhe souberam a sal e lhe amargaram na seca boca.

14 Comentarios to “O Teu Nome Flutuando no Adeus”

  1. lilás Diz:

    Bom, está visto, acho que vou comprar o livro…
    js

  2. mfc Diz:

    As nossa histórias também davam um bom conto se as fizéssemos passar por ficção.

  3. José Pinto Diz:

    Olá Milu
    Dizem que, no teatro e no cinema, é bom actor aquele que melhor encarna a personagem que representa: ora ri com vontade, ora derrama lágrimas sentidas.

    Quando um romancista sequestra a inexperiente protagonista do seu livro com este realismo, ou o compreendemos ou chamamos a polícia para libertar a vítima. Já agora, venha um psicólogo! Admite-se lá uma coisa destas! Só assim estaremos à altura do autor.
    Parabéns por esta síntese tão interessante do livro e, sobretudo, pela discriminação positiva que soube fazer do co-autor Antonio Sarabia. Fiquei com vontade de o ler.
    Bj de parabéns.

  4. Milu Diz:

    Lilás,
    li este livro durante as férias. É um género de leitura leve. Li-o de de uma assentada.
    Um beijinho.

  5. Milu Diz:

    mfc,
    sem dúvida. Além de que podíamos omitir o que nos convinha e, em contrapartida, acrescentar uns pózinhos para embelezar a coisa! As histórias que compõem este livro estão consideradas autobiográficas, mas não acredito nisso, só se fosse muito ingénua, que não sou!

  6. Milu Diz:

    José Pinto,
    fiquei com a impressão que parte desta história até que é verdadeira, porque ela representa muito bem a ansiedade dos jovens.( Bem o vejo, pelo exemplo do meu filho). Se num grupo de amigos todos tiverem uma namorada menos um, que é o caso neste livro, este não se deve sentir nada bem. De certeza que se sente inseguro em relação a muitas coisas que terão a ver com ele. Daí a invenção de uma namorada e as consequentes gabarolices, como se isso o fizessem mais homem. Por fim quase se engana a ele próprio. Não há dúvida de que o psicólogo vinha mesmo a calhar, para ensinar este jovem que há muitas maneiras de se afirmar.
    Um beijinho.

  7. Susana Falhas Diz:

    Olá Milú!

    Já tenho mais um livro para ler na minha lista de espera… e estou desejosa para começar a ler assim que o vir numa livraria…

    Já agora, convido-te a participar na próxima Blogagem colectiva de Setembro, cujo tema é sobre Vinhos e vindimas.

    Bjs Susana

  8. Milu Diz:

    Olá Susana,

    o problema é que não me ocorre nada sobre vinhos. Não tenho conhecimentos para falar sobre vinhos. Que gosto de vinho, gosto, mas só isso não chega para fazer um texto com algum conteúdo! 😀
    Pode ser que me surja uma ideia entretanto!
    Um beijinho.

  9. flordeliz Diz:

    Pensando no enredo e no que descreves e sabendo que as estórias dos livros, mais ou menos pintadas são retratos da vida, apetece-me dizer: o ser humano é bicho complicado. Não é?!…
    Na infância somos cruéis com os mais fracos e muitas vezes com o excesso de sinceridade dizemos mais do que seria necessário ou mesmo conveniente.
    Na adolescência somos inconsequentes e exibicionistas. Esquecemos de respeitar o espaço e a personalidade de cada um.
    Em adultos – somos o somatório dos defeitos todos! 😉
    A mentira tem pena curta. Mas acredito que depois de a começar deve ser dificil terminar com ela.
    Tinha uma tia (dizia a minha mãe) que mentia imenso e não se sabia bem porquê?!
    Digamos que ser conhecida por mentirosa não era um grande atributo, digo eu!…
    Beijoka para ti.

  10. congeminações Diz:

    Minha cara amiga, julgo que qualquer de nós ao longo da sua vida, sobretudo a partir da adolescência tivemos histórias de amor muito mais interessantes do que a imaginação de um dos autores do livro proporcionou.Olhe eu próprio em 1959, tinha os meus 15 anos e nessa altura numa estadia de 10 meses em Portugal mais propriamente, morando num andar dum prédio na praceta da Avª. do Combatentes da Grande Guerra em Algés, conheci uma rapariga que morava no prédio ao lado, de grandes cabelos louros naturais, olhos verdes com um rosto semelhante ao de uma boneca de porcelana. E enamorei-me dela de tal forma que passava horas e horas à janela a olhar para ela, que retribuía com uma larga permanência também à janela. Ou seja o primeiro que chegasse à janela esperava que o outro aparecesse. E assim passava-mos horas e horas dias e dias. De noite obviamente que o meu sub-consciente não parava de criar as mais diversas fantasias. Até que um dia causalmente tive a oportunidade de ver aquela que foi a minha paixão ardente dos meus 15 anos sair do prédio em que vivia, numa cadeira de rodas empurrada por uma familiar. Nesse dia sofri o maior desgosto que se pode imaginar. Chorei em silêncio a noite toda porque afinal aquela por quem me tinha enamorado, tinha tido a fatalidade de ser deficiente motora.
    Um abraço

  11. Milu Diz:

    Flordeliz,
    também penso que as crianças podem ser muito cruéis. Lembro-me que, nos meus tempos de escola, havia muito o hábito de troçar dos mais pobres, atitudes que, de certa forma, penso terem sido apoiadas pelos adultos, que faziam exactamente a mesma coisa. Actualmente isso seria impensável acontecer, porque as pessoas são mais e melhor educadas e por isso detentoras de um espírito que tende a clamar por justiça.
    Na verdade também conheço pessoas que têm uma acentuada queda para a mentira. A maior parte das vezes mentem sem qualquer necessidade. Convém salientar que há situações em que devemos mentir, quando alguém quer saber demais da nossa vida, por exemplo. O que verdadeiramente me espanta é que consigam enganar tanta gente! Chego a pensar que há quem goste de ser enganado.
    Um beijinho.

  12. Milu Diz:

    Raul,
    enquanto lia esta história da tua vida quase me arrepiava. É que eu percebi-te tão bem! Pude perceber a tua ansiedade e alvoroço enquanto esperavas por ela à janela e, depois, as horas que passavam no deleite da contemplação um do outro. Que história mais bonita, além de muito bem escrita! Com sentimento, diria. Quando verificaste que a linda jovem era, afinal, deficiente motora tiveste um profundo desgosto, que te fez sofrer imenso, mas, e ela? Quão profundo terá sido o seu sofrimento, quando não mais te viu à janela? Se é que isso aconteceu, agora estou a presumir!
    Um abraço.

  13. zé do cão Diz:

    Eu não passava horas e horas a perder tempo com amor platónico.

    Mas com os meus 17 anos, descobri que uma minha amiga, que até tinha sido colega na primária, no verão, se despia no seu quarto do rés do chão da sua casa e com a janela aberta.
    Não é por recordação, mas ainda hoje tenho os binóculos, comprados num 1º andar da rua da Assunção… Era jeitosa a moça e os apalpões que lhe dei, não passaram nunca de uma imaginação fértil.

    Coisas de coração, acelerado

    Beijocas

  14. Milu Diz:

    Zé,
    Eheheh. Percebi logo para que fim te apressaste a comprar os binóculos. Ou muito me engano ou ela despia-se e andava assim no quarto porque presumia que pudesse ser avistada, fosse por quem fosse. Há pessoas que encerram dentro de si os mais intrincados mistérios. Eu, pela parte que me toca detestaria saber que andava a ser observada e que alguém porventura pudesse dizer de mim: Eh pá, há uma gaja que mora em frente ao meu prédio que costuma despir-se no quarto, e como tem a janela aberta fico ali à vontade a observar. Por isso mesmo uso de algumas cautelas e, no entanto, não tenho pruridos a respeito da nudez, é só por uma questão de princípios. Quanto ao amores platónicos lembro-me que ainda tive alguns quando era muito jovem. Foram sempre um segredo meu! Nem à melhor amiga os confiava! No fundo, sentia-me mal, nunca gostei de dependências e quando se ama fica-se sempre tão frágil, logo eu que tudo fiz e faço para mostrar ao mundo que sou muito forte. Não sei se o serei sempre, mas quando me comparo com pessoas que conheço verifico que até sou. Não é qualquer coisa que me derruba, mas deixa mossa, porque tenho a tendência para querer superar tudo sozinha. Falando dos teus apalpões imaginários digo apenas que ainda bem que isso é possível: Valha-nos ao menos a imaginação! 😛
    Um beijinho.

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