O Pão pobre do pobre
“Na infância bastava sol lá fora e o resto se resolvia.”
Fabricio Carpinejar
Hoje, dia 1 de Novembro, também dia do Pão por Deus ou Dia do Bolinho, deu-me para ir rebuscar no baú das memórias. Eis uma história das minhas, que bem ilustra o que é ser criança e os tempos que vivi.
Quem sempre viveu nas grandes cidades talvez não faça ideia do que significa o dia do Pão por Deus. Mas, para todos os outros, especialmente para os pobres, o dia do Pão por Deus é um dia em cheio. Logo de manhãzinha, pelas oito horas, há que sair de casa munido com uma saca de pano, sozinho ou inserido num grupo de outras crianças, que sempre é mais divertido, toca de bater às portas e accionar campainhas para pedir o Pão por Deus, que tanto pode ser em dinheiro como em guloseimas.
Eu adorava andar a pedir Pão por Deus.
Assim que enchia a saca logo cuidava de ir a casa despejar todo o seu conteúdo para dentro de um alguidar. Ele eram bolos, ele eram broas, ele eram rebuçados e até peças de fruta variada, castanhas, nozes e figos secos, que não apreciava por aí além. Fruta tinha eu quanta queria, não faltavam quintais de vizinhos para “assaltar”. E quanto aos figos secos e nozes, não são de forma alguma coisas que façam luzir o olho a uma criança.
Mas o meu pai gostava!
Por isso dava-lhos prazenteira, para ele fazer os casamentos, isto é, o meu pai colocava uma noz dentro de um figo seco, que comia gostosamente.
Ficava contente que o meu pai gostasse daquele pouco que eu tinha para lhe dar, porque gostava de lhe dar coisas…
Pelo menos nesta altura, no dia do Pão por Deus, eu tinha conseguido ter alguma coisa para lhe dar, e ele não se fazia rogado.
Descia lá do alto do altar-mor da autoridade paterna para, por escassos instantes, também ele ser uma criança…
Mas o mais apetecido da criançada era e será sempre o “el cantante”. Para os miúdos, nada era melhor do que uma mão cheia de moedas a tilintar umas contra as outras.
Actualmente parece haver alguma tendência para deixar de se dar dinheiro, defendem alguns adultos com ares de grandeza e superioridade moral que não será aconselhável, visto que não se sabe que destino pode ter…
Pois uma minha prima confessou-me que deixou de ir pedir Pão por Deus precisamente porque não estava para se sujeitar à humilhação de ser menosprezada em relação ao grupo de crianças, que acompanhava no exercício desta tradição. É que se apercebeu, que as pessoas antes de darem fosse o que fosse aos miúdos, tinham o costume de perguntar a cada um deles de quem eram filhos.
– Tu és de quem?
Conforme a importância ou proeminência social dos progenitores assim era dada uma correspondente quantia em dinheiro. Por conseguinte, havia uns que juntavam mais dinheiro do que outros, conforme a sua ascendência familiar. Os que fossem oriundos de famílias humildes e pobres, como era o caso da minha prima, eram os que menos dinheirito angariavam… Ainda por cima…
A minha prima, ainda tão menina, pôde assim descobrir o quão baixo e miserável pode ser um ser humano, porque o adulto que assim procede é um sabujo.
E tantos assim, que se cruzam nas nossas vidas, meu Deus!