O declínio da Condessa
“O ambicioso não possui os seus bens – os bens é que o possuem.”
FRANCIS BACON
Eis, finalmente, a última história da minha infância, que considero verdadeiramente a jóia da coroa de todas as outras aqui registadas, que me fizeram sentir na pele e na alma a indecorosa e desprezível sovinice de um adulto. E, se para mim esta é a mais emblemática de todas, é porque ela carrega em si a dolorosa evidência, que por ser uma menina pobre, ainda que nascida no seio de uma família muito honesta e íntegra, não inspirava os enaltecedores sentimentos de carinho e protecção, que seriam normais e desejáveis num caso destes, em vez disso, antes despertava naquela senhora tão fraca de espírito, o mais profundo sentimento de desconsideração e menosprezo.
Uma vez por outra, a somítica senhora chamava-me a sua casa para que a ajudasse na tarefa de fazer bolos, coisa a que não me fazia rogada, já que bolos sempre serão bolos, de mais a mais até os vapores que se escapavam do forno já me eram largamente reconfortantes! As minhas incumbências resumiam-se tão-só em levantar as claras em castelo, empreitada que desempenhava com apurado fervor ou não fosse eu uma criança com assomos de impetuosa genica. Entretanto, numa enorme tigela, a senhora envolvia os necessários ingredientes que consistiriam na massa que iria ser distribuída por diversas formas: Uma forma em formato redondo com buraco ao centro, várias pequenas formas para queques e um tabuleiro rectangular, o qual serviria para confeccionar uma torta, que seria recheada com um doce ou geleia. E tal como vinha sendo habitual, dentro da grande tigela e envolta pela massa, cirandava uma comprida e enrolada casca de limão, que desde o início me estava prometida, pois fazia parte da recompensa pela minha disponibilidade e esforço.
Chegada a hora de encher as formas com a massa, aquela senhora pegava na casca de limão, dava-lhe uma sacudidela e entregava-ma para que me comprazesse a lambê-la. E eu lambia! Lambia aquela casca de limão até ela me começar a amargar! Entretanto passava-me para as mãos a colossal tigela, para que eu com o dedito que de imediato lambia, acabasse de rapar os bem parcos resquícios de massa que, porventura, ainda jaziam agarrados à tigela, já que antes a sovina lhe havia passado a espátula de borracha, mais conhecida por salazar.
Depois dos bolos cozidos, a avarenta mulher desenformava a torta e aparava-lhe as partes queimadas, que logo me dava para que as comesse. E eu comia! Tão criança que era, que nem me apercebia que estava a ser tratada com a mesma displicência com que se lida com um caixote de lixo. Eu era uma menina pobre, por conseguinte, para mim qualquer coisa servia. Se vistas bem as coisas, eu não andava ali enganada, pois sabia que dificilmente me seria dado um bolo, mas tal como se costuma dizer, a esperança é sempre a última a morrer, fui mantendo, por isso, a continuada expectativa de que aquela mulher pudesse, pelo menos uma vez por engano, soçobrar a um fugaz momento de fraqueza e dar-me um apetecido bolo.
Em vez disso, preparava uns pratinhos com alguns queques que me fazia levar às “senhoras”, suas inquilinas de um prédio ali perto, que constituía parte dos seus muitos bens. E lá ia a pobre criança, sujeita à tortura chinesa de ter de transportar para os outros os cheirosos bolos, mesmo ali por debaixo dos queixos! Contudo, sei com toda a certeza, que aquelas pessoas a quem levava os bolos mos teriam dado para eu mesma saborear, se tivessem desconfiado da maldade de que estava a ser vítima.
Mas, tempos houve, em que esta senhora também veio a provar do mesmo fel que tão prodigamente me serviu. Anos mais tarde e já viúva, provavelmente com medo de morrer à fome, tomou providências para aumentar as rendas dos seus inquilinos, argumentando que estas estavam muito baixas, pois não haviam sido alvo dos aumentos considerados justos. Os inquilinos, conhecendo-lhe sobejamente a avareza, e tendo em conta que nem sequer tinha filhos a quem deixar os bens, decidiram que lhe haviam de fazer este troço duro de roer, pelo que lhe fizeram saber que sim, que concordariam com o aumento desde que lhes fossem pagas todas as obras que cada um deles foi fazendo, um pouco à medida das necessidades. Foi com visível contrariedade, que esta senhora teve de dar o dito por não dito, visto que seriam necessários vários anos para recuperar o dinheiro investido na obras de conservação e melhorias levadas a cabo pelos inquilinos, além de outras que, entretanto, estes já se haviam encarregado de exigir. Mas o verdadeiro desprezo sentido por todos aqueles a quem tanto bajulou, teve a sua expressão máxima através da reacção de um dos seus mais jovens rendeiros, quando uma vez, ao terem-lhe dito que a sovina, sua senhoria, havia sido atropelada por um carro, que com uma “pantufada” a atirou ao ar partindo-lhe um pulso, disse desdenhoso:
E nem ao menos foram capazes de matar aquele ca&$lho!…
Janeiro 25th, 2010 as 11:02
Gosto muito das suas histórias e da maneira como as conta, algumas fazem-me lembrar episódios por mim vividos. É o caso de um, também de sovinice, não tão acutilante como o da sua história. Se me permite, vou-lhe contar.
Teria eu cinco anos, quando ia à casa de uma tia, que não sendo rica, sempre vivia melhor do que a minha família, para lhe fazer alguns recados, em troca de uma ou duas bolachas Maria. Comprava-lhe: carvão, petróleo, sabão, etc. Coisas não comestíveis, porque para essas, ela não confiava em mim e com razão, é que as poucas vezes que lhe comprei o pão, comi pelo caminho, o contrapeso. Como deve saber, antigamente o pão era vendido a peso, se pedíssemos um pão de quilo, ele ia à balança e se não tivesse o peso certo, este era perfeito com uma fatia cortada de outro, que a padeira tinha encetado. Comigo, essa fatia, o contrapeso, nunca chegou à sua legitima dona.
Janeiro 25th, 2010 as 11:23
Pois, a avareza não conduz a parte alguma, nem traz felicidade.
Janeiro 25th, 2010 as 14:20
ahahah…Miluzinha. Gostei de tudo tudo e ri a fartar. Com que então, lambias a casca do limão e era um pau. Deixa lá coitadinha da “Belha”, agora que está no céu dos pardais, se te der uma olhadela vê que sempre aprendeste alguma coisa. Já sabes fazer bolos muito melhor dos que os dela.
O inquilino era um mal agradecido, tinha renda barata, bolinhos frescos e nem assim gostava da “lavajona”. Olha que cegada…
Pois eu aqui me confesso.
Trabalhei numa empresa, que pelo Natal fartava-se de dar prendas para a direita e para a esquerda.
Aos empregados davam uma garrafa de vinho do Porto, indicada no vidro a letras brancas que era de 10 anos. A malta agradecia toda contente, mas a tinta caiu com qualquer raspador.
Um dia o bigboss, pediu-me se eu não me importaria de ir levar a prenda a casa do Sr. Eng. Var….. (cada ponto é uma letra),Chefe do departamento de obras duma Câmara Municipal, disse logo que sim. A dita, era mais nem menos que 3 bacalhaus dos graúdos, 3 garrafas de Chivas-Regal, 3 caixas de chocolotes(que me fizeram crescer água na boca. Pelo caminho que se fazia tarde, ripei um bacalhau, uma garrafa de Chivas e uma caixa de chocolote. Tive um Natal que foi um consolo. Fiquei à rasca, quando eles se encontraram no minha presença e o Engenholas resolvei agradecer a lembrança. Dizendo que os Bascalhaus eram bons, as garrafas de chivas e os chocolotes eram de fina flor. Como ele falou no plural, ficou tudo arrumado.
Garanto-te que eu na distribuição de bolos, limpava um a cada e os gajos nem davam por isso.
Quando a minha “Dona” faz arroz doce, como sou um gulosão, ando sempre à espera de rapar a panela, com ou sem Salazar. É cada fita… nem a casca de limão me dá para chupar. Todavia, vingo-me comendo pratos de empreitada.
Beijokitas, querida amiga
Janeiro 25th, 2010 as 15:01
Declínio da condessa
foi o título que escolheste
duma pessoa que não presta
mas com a qual conviveste
Mas que tristes recordações
nos trazes da tua infância
destes que foram uns vilões
que tens presente na lembrança
Com um beijinho
Raul
Janeiro 25th, 2010 as 18:54
Mazinha!
Beijinhos
Janeiro 26th, 2010 as 0:30
Diamantino.
Também gostei imenso da sua história, até me fez sorrir! 🙂
Antigamente as pessoas eram muito secas e não compreendiam as crianças tão bem quanto nós agora. Porque o que seria de esperar era que aquele menino de cinco anos comesse aquele bocadinho de pão. Como os tempos e os costumes mudam! Agora se uma criança fizesse isso toda a gente achava bem, se tem fome que coma, diriam.
Também me lembro bem de fazer essas compras para a minha mãe. O petróleo era para os candeeiros, enquanto não tivemos electricidade, o sabão era em pau, um tanto comprido e que servia para tudo, não é como agora que temos um detergente para cada coisa, e o carvão era para o fogareiro, que tanto nos aquecia a nós no Inverno, como aquecia uma cafeteira de água, com a qual a minha mãe lavava uma pouca de louça ou, por vezes, fazia um pouco de café, que no fundo mais não era que uma pobre água chilra. A bolacha Maria também teve um papel importante na minha infância, de vez em quando lá me caíam algumas nas mãos! 😀
Mas o que eu mais gostava era daqueles bolos de pastelaria, tais como: pastéis de nata, rins, mil folhas, bolas de berlim, enfim, gostava deles todos! 😀
Janeiro 26th, 2010 as 0:36
António Almeida.
Há pessoas que são felizes não a gastar ou a usufruir do dinheiro mas antes a juntar cada vez mais e é o amontoar que os faz estar de bem com o mundo. Esta senhora era assim!
Janeiro 26th, 2010 as 2:31
Tinha algumas expectativas sobre o desfecho desta história.
Os seus “Flagrantes da Vida” estão muito bem estruturados e utilizaram uma linguagem vernácula, adequada ao tempo em que foram vividos! Eles transmitem autenticidade, porque são verosímeis. Por outro lado, a Milu cumpre as regras da composição literária com grande mestria! Quem não gostava de escrever assim?! Sabe falar com clareza, imaginação e sensibilidade. Numa história tão dramática, nem sequer lhe falta o sentido da justiça e da sensatez, quando escreve:
“Contudo, sei com toda a certeza, que aquelas pessoas a quem levava os bolos mos teriam dado para eu mesma saborear, se tivessem desconfiado da maldade de que estava a ser vítima.”
Os episódios desta narrativa tiveram cenas execráveis protagonizadas pela “somítica senhora”. Porém, tanta perfídia seria incompreensível, se generalizada. O testemunho da Milu seria igualmente credível, mas não tinha a mesma força! Estes apartes transmitem uma ideia censória com um cunho moralista. Em dada altura, quase tentam desculpar a “senhora”, mas não encontram argumentos, porque ela “nem sequer tinha filhos a quem deixar os bens”.
Finalmente, “a sovina” levou uma “pantufada”. Afinal, apenas partiu um pulso! Desta vez, a narradora tem o touro no chão, mas evita dar-lhe a estocada final. Sente um misto de desprezo e compaixão. Mira a fera com uns olhos lânguidos. A ofendida está de pé, a arguida no chão. A vencedora não lhe põe um pé sobre a cabeça. Mas isto não fica assim! Saca, então, dum actor (um dos mais jovens arrendatários), para punir a terrível criatura com um plebeísmo irreverente, espontâneo, implacável. Ele não mata a fera, mas troca malcriadamente o sexo “daquele “c…”
Grande final! Com o devido respeito, é caso para dizer: “fff..se!”
Um beijo.
Janeiro 26th, 2010 as 8:26
Voltei e mirei a cara da “Belha”. Era de meter medo ao susto.
Tu, não tinhas medo? ela não assustava ninguém? lembrando que era um papão?
Lá na aldeia eras considerada uma heroína.
bj.
Janeiro 26th, 2010 as 11:22
Zé.
Vê tu, Zé, as recompensas que ela me dava! Lamber a casca do limão, rapar a tigela e comer as aparas queimadas da massa cozida com que ia fazer a torta! O bolo de buraco ao centro, os queques e a torta, tudo isso, eram coisas finas demais para a minha boquinha de menina pobre!
Sim. Sim. Aprendi a fazer bolos! Num dia chuvoso estava em minha casa com os meus irmãos quando nos lembrámos de cozinhar para nos entretermos. Lembrei-me de fazer um bolo numa forma que a minha mãe tinha com um buraco ao centro e com uma tampa que até tinha um pequeno vidrinho para ir espreitando o andar dos acontecimentos. Não tínhamos fogão com forno, mas essa forma tinha um acessório que não sei se seria em ferro, que colocava por cima da chama do fogão, para melhor difundir o calor. Ainda me lembro de que o meu primeiro bolo ficou com um aspecto estranho, parecia que tinha brotoejas, porque não dissolvi bem os grânulos da farinha! Mas comeu-se! O segundo e todos os que se lhe seguiram resultaram bem melhor. E foi com aquela mulher que eu havia aprendido, não foi com a minha mãe, que nunca tinha vagar para estas coisas, visto que tinha o seu emprego e o trabalho de casa.
Não me digas que aquele teu patrão mafiava a idade do vinho do Porto! 😀
Vou-te dizer uma coisa Zé, eu só não ripava alguns bolos daqueles que ia levar às inquilinas da senhora, porque eu gostava delas, não eram elas que mereciam a minha vingança. E não me fiz aos bolos da Belha porque ela à cautela escondia-os não sei onde, porque se estivessem à mão de semear de vez em quando um deles conhecia o desnorte! 😀
Um beijinho.
Janeiro 26th, 2010 as 14:50
Agora quando olhas para o passado vês bem que eram migalhas, ou restos que se atiram aos gatos.
No entanto na época para ti eram delicias mesmo se conquistadas com esforço e aproveitamento de uma sovina.
– A velha era ruim de caraças nem o carro deu cabo dela ahahahah
Tu precisas de te livrar das memórias da velha ahahahah, mas eu adoro ler sobre ela. Por mim podes continuar a escrever mesmo que a pintes de bruxa com uma verruga. O que me importa é o teu sentir e a forma como olhas para o passado.
Sabes Milú, chegou até aqui o cheiro aos bolos da minha mãe. Não era casca de limão que usava normalmente. Mas a raspa e o sumo da laranja.
Bolos simples, sem coberturas, mas que enchiam o ar com um aroma maravilhoso.
Graças a “ela” que os bolinhos eram feitos para nós (mim! era eu quem mais gostava) e não, para distribuir em pagamento de graças ou favores aos vizinhos.
Queres que diga que gostei? Vale a pena?
Ora…sabes que sim!
Beijinho
Janeiro 26th, 2010 as 23:28
Raul
Obrigada Raul pela tua maneira tão bonita de comentares! 😀
Mas agora estas lembranças são para esquecer, já não preciso de as carregar na memória, visto que as eternizei aqui. Sinto que fiz como que uma transferência de dados, não há mais razão para me lembrar destas minhas vivências. Acabou!
Um beijinho 🙂
Janeiro 26th, 2010 as 23:35
Lino
Ainda por cima sou má? 😀
Olha a consciência não me pesa, em relação a esta senhora não sei o que são remorsos!
Um beijinho
Janeiro 27th, 2010 as 0:39
José Pinto
Antes de mais quero dizer-lhe que estou em dívida para consigo: Devo-lhe direitos de autor. É que o título foi inspirado num seu comentário quando se referiu a esta senhora como a condessa! E logo me surgiu a ideia que bem aproveitei! 😀
Também lhe quero confessar a minha admiração, visto que a análise que fez a este texto foi deveras sublime! Percebeu na íntegra qual foi a evolução do meu estado de espírito conforme o avanço da narrativa. Na verdade eu nunca quis “castigar” a senhora pelas maldades que me infligiu, foi-me mais cómodo que outrem levasse essa tarefa a cargo, ao menos não sujei as mãos. Mas senti uma especial satisfação por aquela senhora ter sido aviltada por quem foi, logo por um dos “meninos bem”, filho e neto de umas pessoas que tantas vezes a vi adular, com aquela vozinha infantilizada a proferir um rosário de elogios.
Aquelas senhoras, as inquilinas, a quem ia levar os bolos, estavam provavelmente convencidas que eu tinha a barriga cheia deles, que tinha estado a ajudar a fazer bolos e que também os tinha ajudado a comer, porque se lhes tivesse assomado à ideia de nem lhes ter tocado, até mos teriam dado para levar para casa. Eu gostava da maioria das pessoas que por aquele prédio haviam passado. Um dia encontrei aqui, na Marinha Grande, uma dessas famílias, nem eu nem eles sabiam que nos encontrávamos actualmente a viver na mesma localidade. Foi uma alegria termos-nos visto, mas eles é que me conheceram. O marido morreu há cerca de um ano e foi como se uma pequena parte de mim ou da minha vida, que nem sei bem explicar, também tivesse morrido com ele, era extremamente simpático. Lembrei-me agora de um outro episódio passado com um daqueles inquilinos. A senhora fez um almoço, a propósito de quê já não me lembro, sei apenas que por ali me deixou andar, sempre a ia ajudando a fazer alguma coisa, embora não estivesse na sala com os convivas. Em dada altura pediu-me ajuda para levar qualquer coisa para a sala e foi assim que me vi no meio daquela gente. Um dos senhores, inquilino dela, deitou mão a um chocolate de um prato todo vistoso que se encontrava no meio da mesa e meteu-mo na boca, assim sem mais nem menos. Ainda hoje me lembro da ternura desse gesto! E do chocolate, claro. Suspeito que se a senhora tivesse visto, que não lhe teria agradado, acharia que aquele chocolate era mal empregado na minha boca! 😀
Um beijinho.
Janeiro 27th, 2010 as 2:04
Zé
Para dizer a verdade a Belha não era tão feia quanto esta mas era muito gorda, especialmente da cintura para baixo! 😀
Janeiro 27th, 2010 as 22:54
Boa infância, não pela fartura, mas pela consciência que ela te criou. Os pobres, dos ricos de salazar, eram assim! Sabemos o que isso foi e sabemos no que isso deu: ainda não estamos curados! Os filhos desses ricos e os filhos desses pobres fingem que tudo está bem – talvez por isso o país vá mal: cada vez maior o fosso entre ricos e pobres.
Um rico beijo
Janeiro 28th, 2010 as 11:20
Olá Dida!
Sim! Quando se é criança acredita-se em tudo, até no impossível, e eu acreditava que aquela senhora podia ter momentos bons, era com essa esperança que cirandava à volta dela. É verdade que também me contentava com pouco, pois se nem sequer estava habituada a outra coisa, mas ela tinha muito para dar, se o tivesse desejado, podia ao menos ter deixado outra memória nos que ficaram. Mas o pior de tudo, Dida, era a forma marginalizante e discriminatória com que lidava comigo. De um lado haviam os senhores e seus filhos, que tratava como gente, nem por sombras lhe passaria pela ideia dar-lhes a comer as aparas queimadas dos bolos,e, no entanto, ela continuava a ser avarenta. Por outro lado, lá porque eu era uma menina pobre, filha de gente simples e humilde, sentia-se plenamente à vontade para me tratar como se eu fosse um animalzinho a quem costumamos dar os restos, e já não são todos, que agora há animais de estimação a almoçar e a jantar melhor do que muitas pessoas, whiskas e coisas assim. Estas histórias não vão ter continuação já que esgotei o manancial, ainda dava para fazer pequenos apontamentos, mas já não lhes acho graça, talvez refira uma ou outra situação assim como que a talhe de foice se vier a propósito para falar de outro assunto. Quer dizer que agora vou ter de trabalhar com a imaginação, mas alguma coisa se há-de arranjar, se eu gosto tanto de dizer coisas, então terei assunto de certeza.
Um grande beijinho.
Janeiro 30th, 2010 as 1:55
Pata Negra.
Na verdade o povo português ainda tem muito de salazarento. Continua a ter medo de assumir aquilo que pensa verdadeiramente. Só uns poucos têm a coragem de dizer o que todos pensam mas que todos calam.Não é fácil mudar as mentalidades, principalmente quando as pessoas não se predispõem a isso, porque essa atitude implicaria o desfazer de convicções demasiado arreigadas no espírito. Afinal se tudo muda porque não as ideias? Por outro lado, julgo que o fosso entre ricos e pobres é para continuar, pelo menos enquanto houver mundo. É à ambição humana que devemos toda a evolução que conhecemos, mas como não há belo sem senão, é também a ambição humana que mais injustiças tem criado. Já não tenho ilusões… O que mais vejo no dia-a-dia é cada um a querer para si o mais que pode…
Um beijinho.
Janeiro 30th, 2010 as 21:32
Olá Milu
Trouxes-te uma óptima recordação…como eu adorava de lamber o dedito quando tinha em meu poder a dita tigela…só que aí tinha mais sorte comia o bolo depois de cozido. Já te disse muitas vezes mas repito, adoro as tuas memórias! na verdade acabas por ter aventuras que te terão ajudado a amadurecer e a seres a Milu que de que tanto aprecio a leitura.
Um beijo grande amiga
Fevereiro 1st, 2010 as 1:44
Milu,
Que história essa ! Ainda mais forte que as anteriores.
O que te fez essa ‘condessa’ na tua infância marca mesmo a vida.
E, mais dia, menos dia, o próprio destino acaba por fazer justiça.
Hoje você se tornou uma mulher independente, trabalhadora, mãe, escritora sensível.
E ela ? Nem aqueles a quem bajulou, como você bem diz no seu texto, tiveram compaixão.
um bjo.
Fevereiro 1st, 2010 as 17:43
Lilás.
Eu também pensava que ia comer bolo… Sabia que havia poucas probabilidades de isso acontecer, mas por vezes, quando menos esperamos as coisas acontecem! Tivesse eu a certeza absoluta, que depois dos bolos cozidos jamais comeria algum, não a teria ajudado. No fundo é um pouco como a nossa vida, se pudéssemos saber o que nos está reservado para o futuro, muitos desistiriam de lá chegar!
Um beijinho.
Fevereiro 1st, 2010 as 17:51
José Rosa
Encantou-me o teu comentário. Não tenhas dúvidas que estas experiências terão em parte contribuído para a formação da minha personalidade. Se hoje sou auto-suficiente foi porque comecei cedo a levar nas “lonas”. Por norma, faço destrinça entre o ser e o parecer, e de uma forma implacável. E se estiver a fraquejar basta lembrar-me da condessa, a tal que fazia de conta que era uma senhora fina e detentora de uma educação irrepreensível! 🙂
Um beijinho.
Fevereiro 2nd, 2010 as 5:40
Olá vim visitar-te e gostei.boa semana
bjs
Fevereiro 3rd, 2010 as 3:43
Olá Natividade!
Seja Bem-Vinda! Muito obrigada pelas suas amáveis palavras e até sempre.
Um beijinho.
Fevereiro 3rd, 2010 as 13:18
Milu
ao longo dos tempos constato que esse tipo de gente para alem de “encolherem as mãos para dentro” têm outra faceta, a maldade… ninguem leva nenhuma “taça” , ninguem leva…
um beijo
Fevereiro 3rd, 2010 as 15:43
Tal como as beatas, as condensas, depois de usadas para esplendores de “olhos” alheios e prazeres próprios, não das próprias, consomem-se abandonadas num chão antes de uma desprezada pisadela…
Um beijo Milu
Fevereiro 3rd, 2010 as 16:17
Olá Mário!
Chega o dia em que também para estes a estrelinha se apaga, ou, pelo menos, brilha menos qualquer coisita! 😀
Um beijinho. 🙂
Fevereiro 3rd, 2010 as 16:25
Olá Opolidor!
Ninguém leva nada, mas a estes custa-lhes mais abalar, estão mais agarrados à terra! 😀 Quem nada tem, isto é, os tesos, (como eu), sempre se vai embora deste mundo com algum fair play! 😀
Um beijinho.
Fevereiro 4th, 2010 as 12:07
Custa-me aceitar que esta seja a ultima história da sua infância, mas se de facto, o filão se esgotou. Terá certamente outras com igual interesse para contar, se não da sua infância, que sejam da sua adolescência, que presume ter sido bem vivida, já que se revelou ser, uma mulher atenta e livre de preconceitos. Aliás, penso que o interesse das suas histórias, não está apenas no conteúdo mas também na forma como as conta.
Fevereiro 4th, 2010 as 15:26
Olá Diamantino
Pois as histórias da “condessa” já se esgotaram, pelo menos não me recordo de mais, mas tenho sempre coisas para dizer, até ando cá com uma ideia,a questão é que não estou com tempo disponível, já que ando envolvida, isto é, absorvida com um certo projecto. Se mais tarde aqui falar nele é porque fui bem sucedida, mas para isso tenho ocupado o meu tempo a ler uns assuntos que necessito dominar. Sou uma mulher de ideias! Mas, entretanto, hei-de aparecer com mais um postezinho. Também lhe quero agradecer pelas tão simpáticas palavras que me dirigiu, sobre ter dito que gosta da forma como escrevo, isso é muito importante para mim, porque é um grande incentivo, para seguir em frente e procurar fazer melhor!
Um beijinho 🙂
Fevereiro 4th, 2010 as 16:03
Agrada-me saber, que anda absorvida com «um certo projecto». Desejo sinceramente que tenha o êxito que espera e merece. Sem querer especular, presumo que será relacionado com a escrita, agora até há uma editora para pequenas tiragens da primeira obra de quem gosta e tem jeito para escreve. Se não for, pense nisso.
Não se sinta obrigada a comentar agora este meu comentário, estou certo que um dia o fará.
Aguardo.
Um beijinho
Fevereiro 5th, 2010 as 1:17
Porque não há mais textos? Perguiça?
O pessoal está com a água na boca, à espera.
bj
Fevereiro 5th, 2010 as 4:02
Olá Zé
Está para breve! Já estou com saudades 😀
Um beijinho
Fevereiro 5th, 2010 as 9:55
A coragem é a primeira das qualidades humanas
porque garante todas as outras.
Aristóteles
Abril 2nd, 2010 as 12:33
Olá Lurdes.
Não tenho telemóvel desde o ano passado.
Suponho que tenhas estes três dias de folga.
Será possivel vires cá domingo à tarde?
Preciso imenso falar contigo.
Diz alguma coisa. Beijos.
Paula
Abril 2nd, 2010 as 14:19
Olá Paula
Fiquei muito contente por me teres contactado, tenho estado sempre à tua espera, com a esperança de que um dia o fizesses. Paula não sei se te convém, mas eu combinei ir a casa da minha mãe no Domingo, não só por ser dia de Páscoa, que não ligo muito para estas coisas, mas mais porque ela não tem andado muito bem, até chegamos a pensar que ela morria, vê tu, e tenho vontade de estar com ela um bocadito. Por isso até estou a pensar que poderia ir aí buscar-te e ias também. Ela ainda iria gostar mais da visita! Entretanto, conforme o que precisas falar comigo, íamos as duas dar uma volta e conversávamos então. Se antes de domingo aqui vieres ler esta minha resposta, diz-me se concordas ou não, ou se tiveste outra ideia.
Beijinhos.
Abril 2nd, 2010 as 18:24
Sim eu quero ir contigo ver a tua mãe. No domingo vem-me buscar à hora que quiseres.
Beijos.
Abril 3rd, 2010 as 17:59
Olá. Gostava de saber a que horas é que estás a pensar vir buscar-me amanhã?
Abril 3rd, 2010 as 17:59
Paula
Não sei bem a que horas aí poderei estar, porque ando a dormir tão mal, mas e em princípio, almoçamos lá. O ideal seria estarmos por lá por volta das 14 horas, mais coisa menos coisa.
Um beijinho.
Maio 15th, 2011 as 15:52
oi,gostaria de saber o que a foto da baroneza da minha cidade a senhora Joana Vieira Sandes, tem haver com essa historia ?…
Maio 15th, 2011 as 23:50
Olá ! 🙂
A bem dizer não tem nada. Talvez tenha sido a sua fisionomia austera que me chamou a atenção. No entanto, se fizer questão de que eu retire a foto, fá-lo-ei. Basta que me diga que essa é a sua vontade. Só não o faço agora porque me habituei a ver aquela imagem…