Música Electrónica
“De todos os animais selvagens, o homem jovem é o mais difícil de domar.”
Platão
Breves apontamentos e noções sobre movimentos culturais aliados à música electrónica, recolhidos na obra “Culturas Juvenis e Novos Usos de Drogas em Meio Festivo”, da autoria de M. Carmo Carvalho.
” Os anos 60 e 70 apresentaram, no contexto anglo-saxónico, picos de criatividade para o mundo do rock. Curiosamente, será também este período (sobretudo os anos 70) que assistirá à emergência de propostas dissidentes, chamemos-lhe assim, da hegemonia rock – referimo-nos, numa escolha sempre arbitrária, à forma como o disco-sound procurou integrar os primeiros recursos tecnológicos em produção musical ou à rebeldia de originalidade sem precedentes, de uma banda como Kraftwerk, que representou de forma algo visionária o que antecipou serem as consequências de uma sociedade dominada pela tecnologia, pela robótica, pela máquina. Um dos seus trabalhos de referência, o álbum Man Machine de 1978, é uma metáfora para isto mesmo que enunciámos – nele os músicos da banda surgem representados como clones de robots de aspecto andrógino, envergando fatos idênticos e batendo teclados a uma cadência mecânica e minimal” (Collin, 1997).
(…).
“Quanto a Kraftwerk sabemos ser uma banda formada em 1970, acusando uma longevidade de destaque, uma vez que se manteve activa até 1990. A sua sonoridade tão particular viria a influenciar uma grande variedade de géneros – do rap ao electro, à house, à música industrial e ao techno – tendo a sua inovação residido no facto de ter sido «a primeira banda a usar a electrónica no que esta tem de mais distante dos instrumentos tradicionais: a perfeição da repetição e os sons sintéticos» (Grynszpan, 1999, p. 10).”
“House e Techno como géneros fundadores em música electrónica de dança.”
“A música electrónica de dança define-se grandemente a partir destes dois géneros – há quase que uma filiação entre house e techno e a emergência desta sonoridade. Essa filiação não fica remetida exclusivamente à esfera musical – nestes géneros está também presente a relação com determinadas opções de lazer, como antes se encontrava uma ligação entre o disco-sound e o clube, por exemplo.”
(…).
“O House impôs-se, desde o início, como uma sonoridade de interior, adequada ao contexto do clube urbano, seus actores e suas sociabilidades. Desde o início, dizemos, porque importará a sua designação a partir da discoteca de Chicago, Warehouse (Armazém), e das tendências musicais dos DJ´s que lá animavam as noites. Esta condição inicial vinculará de forma determinante o género ao espaço fixo e fechado do clube ou do pavilhão, que se assumirá como o seu contexto de eleição (Grynszpan, 1999). Apesar de ter uma vez mais beneficiado do impulsionamento proporcionado pelo considerável poder expressivo e criativo da comunidade negra norte-americana, sobretudo a de subúrbio urbano, as suas origens são, na realidade, mais europeias do que norte-americanas, já que a sua génese pode ser encontrada uma vez mais junto de bandas como Kraftwerk, Front 242 ou Tangerine Dream, incorporando a partir destas, o cruzamento das misturas em sintetizadores com as vozes femininas” (Grynszpan, 1999; Collin, 1997).
“Já o techno, «é música de dança produzida exclusivamente por instrumentos electrónicos, cujas características são a repetição regular e a predominância duma pulsação entre as 140 e 200 beats per minute (bpm) sobre a qual recaem várias sonoridades electrónicas que também se regem pelo princípio da repetição (…) – não utiliza ou utiliza muito pouco a voz cantada»” (Grynszpan, 1999, p. 8).
“De acordo com E. Racine (1999): «O techno difundido nas festas é uma música de dança. O seu ritmo fundamental é simples: quatro tempos regulares. Quatro batidas graves que se repetem e às quais se acrescentam alguns cortes a contratempo. Os sons agudos intercalam-se regularmente entre batidas. E é este conjunto que forma a trama de base da música techno»” (p. 64).”
“Outra definição: A música techno, como a sua designação indica, é sobretudo música construída a partir de tecnologias, informáticas ou de outro tipo. Os sons são criados através de sintetizadores. São amplificados, trabalhados em computador, muitas vezes em directo. Esta música baseia-se em ritmos repetitivos, de baixos profundos. Permite ao público vibrar no seu corpo, repercutindo sensações fortes a partir das quais se poderá deixar ir” (Vanthournhout, 2001, p. 25).
“O techno é relevante para abordar a emergência do trance não só na questão musical, mas também no facto de o techno assistir à emergência de uma nova estrutura de lazer, de uma nova forma de fazer a festa – a rave – reveladora de como a associação entre um género musical e uma manifestação de lazer é, também nas expressões mais recentes das subculturas juvenis, uma constante. A rave – que é o contexto principal de difusão do género – comporta uma dimensão estética e uma mensagem ideológica, ao apelar para a «perturbação directa da ordem social»“ (Grynszpan, 1999).
(…).
“Da rave ao trance.”
“Em 1994/95 chegam ao nosso país os ecos do movimento rave, que mais não é ainda do que o hábito, já generalizado no Reino Unido (por exemplo, S. Readhead, M. Collin), em Espanha (por exemplo, Gamela e Roldán) e em outros países do norte da Europa, de participar em festas clandestinas de grande envergadura, ao som de música electrónica e ao ritmo de drogas de síntese. Nesses países, e sobretudo no Reino Unido, o hábito teria sido importado das longas noites de Ibiza, estância de veraneio conhecida por albergar massas de turistas britânicos, sobretudo jovens oriundos das classes operárias” (Eisner, 1994).
“O que é, então, o movimento trance? É, em primeira instância, um movimento que surgiu na sequência da decadência do movimento rave, que deixara de reunir o interesse dos seus dinamizadores e adeptos iniciais. É a alternativa e simultaneamente o produto do devir que sempre caracterizou a evolução das expressões juvenis. Marca uma nova aproximação de elites à esfera de influência cultural da música electrónica, mas agora a partir da importação de referências hippie e new age, fixadas na Índia, cenário com que Portugal goza de vínculos históricos e culturais antigos. Os filhos das elites cultural e financeiramente diferenciadas, que puderam viajar até ao território em busca dos ecos de outros tempos, marcados pela originalidade do naturalismo e da ligação ao espiritual, trazem para o nosso país o gosto por uma nova expressão musical que mais não é do que uma variante de contornos psicadélicos do techno original. A diferença residirá na forma de fazer a festa e nas propostas existenciais que se instituem como símbolos da nova expressão.”
«Aquilo [as festas] acaba por ter aquele ambiente meio religioso, com aqueles ícones todos e os panos psicadélicos – aquilo parece um tipo de culto! Um culto que não é culto – não tem nada! As pessoas só vão para lá dançar e mandar rodas» (C., sexo feminino, 20 anos).
Bibliografia
CARVALHO, M. Carmo. (2007). Culturas Juvenis e Novos Usos de Drogas em Meio Festivo. Campo das Letras. Porto. pp. 129-146.