Já fui sucateira!

Publicado por: Milu  :  Categoria: FLAGRANTES DA VIDA, Já fui sucateira!

sucateira

Numa recente visita ao blog caixa de pregos mais uma vez me senti inspirada. Uma coisa leva sempre a outra!

“Este país sabia para onde ia, até começarem a roubar as placas para vender o alumínio.”

Pensamentos do  Dalai Lima – edit . Bizâncio

É que eu quase fiz isto. Que andei no negócio da sucata , ah isso andei!

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“Se o dinheiro vai na frente, todos os caminhos se abrem.”

WILLIAM SHAKESPEARE

Não foram placas de alumínio, que naquele tempo não me lembro de as ver ou se as havia, naquela santa terra que me viu crescer. Recordo-me isso sim, que as placas de sinais de trânsito eram feitas de cimento, ou lá o que era, com ferros por dentro!

Já nada é como antes! Nos dias de hoje não é raro ver crianças com dinheiro nos bolsos, por vezes até demais. Estabelecer uma mesada para as crianças e jovens é actualmente uma prática comum, considerada parte importante no processo de educar. Todavia, nem sempre assim foi. O dinheiro não abundava e muito menos para estragar, que era assim que os adultos nos diziam, quando se referiam a todos os gastos que não fossem essenciais. Se algum, pouco, sobrava, era para aferrolhar a sete chaves ou, então, era escondido bem disfarçado, por entre as camisas de milho que serviam de miolo ao velho colchão. Para mesadas nem pensar! Portanto, as crianças desse tempo, se queriam dinheiro para comprar guloseimas, não lhes restava outra hipótese que não fosse puxar pela imaginação. E puxavam! Imaginação era coisa que não lhes faltava, benzesse-as Deus, nosso Senhor Todo Poderoso! Pudera, estava exercitada e bem dotada de elasticidade por mor do uso constante!

brincar

Inserida num grupo de crianças, rapazes e raparigas, mais ou menos da mesma idade e com o gosto pelas brincadeiras  na rua, que nessa altura nos era tão apelativa, como hoje são os gadgets para qualquer miúdo, tivemos uma ideia de negócio… Foi o que se diz agora, uma chamada de vocação para o empreendedorismo.
O ferro-velho! Este foi um expediente do qual nos valemos durante uns tempos, enquanto não esgotámos o filão, para angariarmos alguns trocos, com os quais nos deitámos a comprar bolos, laranjada e cigarros, pois! Da marca Ritz, uma embalagem branquinha, parece-me que ainda estou a vê-la, tinha um ar requintado!

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Demos em andar pela vizinhança à cata de papelão, jornais e revistas para vender no ferro-velho, onde se podia ver todo o género de sucata, fardos de trapo e de desperdício. Entretanto alargámos os horizontes e decidimos investir numa nova matéria-prima. Vai daí e foi um passo enquanto nos vimos a acartar latas de todos os tamanhos, feitios e as mais diversas origens. Porém, para nosso infortúnio, não era coisa que rendesse e o negócio correu risco de falência. Desmoralizámos. Quando se é mal pago perde-se o gosto no trabalho! É de lei! Todavia, quis o destino  que tempos aúreos se aproximassem! Depois do indesejado quebranto eis que surgiram dias de franca prosperidade. Um dia, por entre toda a latoaria encontrava-se uma qualquer peça velha de alumínio que descobrimos, ao ser pesado no ferro-velho, valer bom dinheiro. Daí a iniciar-se um ciclo de misteriosos desaparecimentos de panelas, tachos, cafeteiras e frigideiras de casa de cada um de nós, foi um instante! Na minha comecei por uma cafeteira repleta de amolgadelas, de tanta vez ter ido ao chão. Como não dei por nenhum burburinho, que denunciasse estranheza pelo desaparecimento da relíquia investi mais uma vez,  desta feita, por uma frigideira que à custa de uma reparação no latoeiro, que lhe havia aplicado um fundo novo do bom e pesado alumínio, nos rendeu uma boa féria. No ferro-velho haviam-nos dito para amassarmos as latas e as peças de alumínio com uma pedra ou um martelo de forma a reduzir o seu volume.

Olha o que nos foram dizer! Que rica oportunidade para a aldrabice, lá isso  foi! Um negócio que tinha começado de forma tão inocente e com o qual contribuíamos para a causa da sustentabilidade do planeta, ameaçava nesta altura deixar de o ser! De inocente e inofensivo já não tinha nada! De quem teria sido a ideia? O certo é que deu oportunidade para aplicar  um estratagema que nos fez florescer ainda mais o negócio. Foi a era da expansão! Antes de amassarmos com um martelo algumas das latas e alumínios, sub-repticiamente, era colocada no improvisado ventre, uma pequena pedra, para fazer aumentar o peso. Esta artimanha atingiu o cúmulo com um alguidar em alumínio, a que demos sumiço do quintal de uma vizinha, que enquanto foi viva não deixou nunca de o procurar, esse não levou uma pedra, não senhor, levou um calhau, já que o seu arcaboiço o permitia sem levantar suspeitas. E era assim a nossa vida! Era a forma de brincar dos meninos pobres de teres e haveres, apenas isso!

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8 Comentarios to “Já fui sucateira!”

  1. José Ferreira Marques Diz:

    Nunca tive jeito pata o negócio, mas Ritz fumei…

  2. Milu Diz:

    Ainda me lembro de quando criança, o mundo dos adultos exercer em mim um grande fascínio. Ansiava crescer para poder fazer tudo, afinal, qual baldada de água fria, tirei cedo a conclusão que nunca se é verdadeiramente livre! Quanto ao tabaco já lá vai. Deixei de fumar por não aguentar mais a censura da minha consciência, fumar custa uma fortuna!

  3. congeminações Diz:

    O quão felizes são as novas gerações com a vida facilitada desde o berço. Também me lembro dessa fase e se avaliada nos termos do post também fui sucateiro. Luanda anos 50 apanháva-mos tudo quando eram garrafas de vidro e íamos entregá-las à fábrica de refrigerantes e de cerveja recebendo por elas uns trocos com os quais comprava-mos as nossas guloseimas, pois nessa altura mesadas não se praticavam nem sequer nos meios mais abastados pois lembro-me de que do meu grupo de amigos faziam parte alguns cujos pais viviam desafogadamente e também eles não davam qualquer mensalidade a seus filhos o que os levava a alinhar connosco na busca nos sacos do lixo de garrafas de vidro para irmos entregá-las nos sítios onde as reaproveitavam para produzir novas garrafas, pagando por elas uma ninharia mas que servia para comprar-mos as pastilhas elásticas, gelados, refrigerantes etc. Foram sem duvida belos esses tempos porque nos obrigavam a dar largas a nossa imaginação, o que em rigor não acontece nos dias de hoje.

  4. Milu Diz:

    Também tive o negócio das garrafas mas não tinha sócios, trabalhava sozinha. Devo ter visto alguém receber o valor do depósito de alguma garrafa, vai daí veio-me a ideia de fazer o mesmo. Fartava-me de desencantar garrafas, até que me deixaram de aceitar o vasilhame, o que me deixou muito triste porque já estava habituada a ter aquele rendimento. Também me lembro de nem os ricos darem dinheiro aos filhos. Era tido como um princípio de boa educação não facilitarem a vida às crianças, para nos ensinarem o valor do dinheiro. Agora damos-lhe tudo mereçam ou não! Falo por mim…

  5. flordeliz Diz:

    Sete são as vidas de um gato. Milú serás tu “mulher gata”? ahahahah
    Bem esta história de vender o aluminio também na minha terra era moda em cert época…
    Mas eu era rapariga e só aos meus irmãos era dado o direito de frequentar a casa do fundidor.

  6. Milu Diz:

    Olá! 😀
    Fui uma garota muito desenvolta, lá isso fui! Apesar de ser menina eu ia para todo o lado, não admitia discriminações. Por causa disto houve discussões em minha casa, porque a minha mãe entendia que só eu tinha a obrigação de a ajudar na lida da casa. Aos meus irmãos nunca lhes mandava fazer nada, por serem rapazes. Ora eu já não via as coisas assim! Se tinham os mesmos direitos porque não haviam de ter os mesmos deveres? Tempos! Era a educação das mulheres que se queriam submissas!

  7. polidor Diz:

    como se percebe, Milu, até no ferro-velho se encontra sempre qualquer coisa que se aproveite…

    abraço

  8. Milu Diz:

    Ora bem! E do velho se faz novo! Que deu jeito deu, ganhámos umas massas!
    Um abraço! 😀

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