“Guerra Fria no Médio Oriente”

Publicado por: Milu  :  Categoria: "Guerra Fria...", ISLÃO

É impossível que ocorram grandes transformações positivas no destino da humanidade se não houver uma mudança de peso na estrutura básica de seu modo de pensar.”

Stuart Mill

Ficou conhecido por «Guerra Fria» o conflito político-ideológico entre os Estados Unidos, defensores do capitalismo, e a União Soviética, defensora de uma forma de socialismo. Estas duas super-potências mantinham uma relação de competição entre si por zonas de influências e aliados regionais, nomeadamente em relação ao Médio Oriente*. Detentor das maiores reservas de petróleo e de uma importante posição geopolítica, tendo em conta que serve de passagem entre a Europa e a Ásia, o Médio Oriente foi, neste contexto, um teatro de luta ideológica. Para manter e expandir as suas influências, as super-potências valeram-se de métodos menos ortodoxos, que consistiram em apoiar os seus países amigos através da ajuda militar e económica, apoio aos movimentos que tentavam derrubar governos de países não aliados, acesso a serviços de espionagem e a treinos especiais. Na luta contra a invasão soviética do Afeganistão, os EUA facultaram armamento e treinos aos combatentes muçulmanos que lutaram no Afeganistão, treinos esses que envolveram sólidos conhecimentos de organização de inteligência militar, que se traduz na capacidade de montar um comando avançado de operações. Porém, o feitiço iria voltar-se contra o feiticeiro. Ironicamente, anos mais tarde, imbuídos de ideologia radical esses combatentes promoveram ataques coordenados aos próprios EUA.

“Desde 1985 que havia um novo líder na União Soviética. Mikhail Gorbachev, secretário-geral do Partido, tinha pela frente os conflitos da sua periferia imperial – como a África Austral e a Nicarágua – e a crescente contestação ao comunismo na Europa Oriental. Só que o enraizamento da luta anti-soviética no Afeganistão punha outros problemas(PINTO, 2015:114).

“Além das dificuldades no terreno e do auxílio da CIA e dos sauditas, nascera, à volta da Guerra do Afeganistão, uma poderosa Internacional Islâmica – e nada de mais oposto ao islamismo que o ateísmo materialistas dos marxistas. Os norte-americanos tinham-no percebido bem e desde Eisenhower, nos longínquos anos 50, que apoiavam os sauditas. Os sunistas sempre se tinham visto como guardiães da Fé perante os seus rivais xiitas. Por tudo isto, na confrontação com o Irão xiita, a aliança de Washington com Riad fazia todo o sentido. Nas guerras clandestinas do Terceiro Mundo, esta aliança com os sauditas objectivava–se também na aliança clandestina prestada a movimentos anticomunistas, como os Contras na Nicarágua” (PINTO, 2015:114).

“Havia ainda as operações conjuntas entendidas entre Casey e o príncipe Bandar bin-Sultan, como o atentado falhado contra o xeique Fadlallah, dirigente od Hezbollah ( o «partido de Deus» xiita); segundo Bob Woodward, tinham sido os sauditas a financiar a operação, subcontratada por um «independente» britânico. No entanto, apesar da grande devastação e estragos humanos causados na residência do alvo (mais de 80 mortos), Fadlallah ficaria ileso” (PINTO, 2015:114).

“A cooperação estratégica com os sauditas – que financiavam generosamente os programas de apoio à guerrilha afegã – foi também muito importante na criação dos mujahedin internacionalistas que combateram os soviéticos no Afeganistão. A jihad contra os comunistas ateus era muito popular no mundo islâmico e acabou por levar até aos campos de treino do Paquistão milhares de árabes e muçulmanos dos sete cantos da terra” (PINTO, 2015:114-115).

“Um desses voluntários chamava-se Osama bin Mohamed bin Laden. Nascera em 1957, na Arábia Saudita, filho de um modesto empreiteiro que conseguira contratos para obras de restauração nos Lugares Santos de Meca e Medina e conquistara a confiança da família real saudita. Quando morreu, em 1968, o pai bin Laden deixou 11 mil milhões de dólares aos seus 54 filhos, nascidos de mais de 20 mães. Osama frequentou a Management and Economics School da Universidade Rei Abdul-Aziz de Jeddah, mas assistiu também aos cursos de Estudos Islâmicos de Mohamed Qutb e de Abdullah Azzam, um Irmão Muçulmano da Palestina” (PINTO, 2015:115).

“Ambos influenciaram profundamente o jovem bin Laden, muito religioso, casado e com dois filhos. Aos 23 anos, em 1980, Osama dedicou-se a ajudar a resistência afegã contra os soviéticos. Para tal, criou em Peshawar, no Paquistão, uma guest-house chamada Sigill Al-Qaeda (Registo da Base) ou só Al-Qaeda, «A Base». Graças à sua experiência empresarial e aos seus recursos financeiros, foi muito importante na logística dos movimentos resistentes, mas também participou em combates” (PINTO, 2015:115).

Apesar de não ter tido um papel central na guerra contra os soviéticos, Osama ganhou muita experiência e, sobretudo, sentido de estratégia. Nas bases recuadas, os guerrilheiros colaboravam nos combates contra os soviéticos, mas quase que em segunda linha, ao lado dos senhores da guerra afegãos. O facto é que os mais de 100 000 soldados soviéticos não foram capazes de controlar, ou sequer reduzir, a rebelião. O que além de atingir a reputação de invencibilidade da URSS e o seu prestígio, podia aproximar perigosamente a «guerra santa» e a revolta islamista das populações islâmicas da Ásia Central Soviética. Por isso, os generais soviéticos e o novo Secretário-Geral do Partido, Gorbachev, consideraram a retirada do Afeganistão” (PINTO, 2015:115-116).

“De resto, na Europa Oriental, multiplicavam-se os actos de contestação aos regimes comunistas. As reformas de Gorbachev tinham acabado com a solidariedade política da URSS para com os comunistas europeus do Pacto de Varsóvia, que as tropas de Moscovo já não defendiam dos inimigos. Contra o estabelecido pela doutrina Brejnev, por Ialta e pela prática do Pacto de Varsóvia, estes países podiam agora escolher a sua própria via para o socialismo. E podendo escolher uma, rejeitaram-nas a todas” (PINTO, 2015:116).

“Assim, depois de 15 000 mortos e mais de 50 000 ferido, com 100 aviões e 300 helicópteros derrubados, a URSS decidiu dar por finda a sua intervenção no Afeganistão. No dia 15 de Fevereiro, os soviéticos retiravam–se. Era o seu Vietname, a sua guerra perdida, a sua primeira derrota desde a Segunda Guerra Mundial” (PINTO, 2015:116).

Nesses anos 80 o Médio Oriente e o mundo islâmico foram atravessados por conflitos internos prolongados, mas também conheceram conflitos transfronteiriços, como as guerras israelitas-árabes, com confrontos geralmente próximos, intensos e rápidos, graças ao tipo de armamento utilizado – aviões, carros de combate, forças móveis. Entre 1980 e 1988, deu-se uma longa guerra de atrição entre o Iraque e o Irão, que além de ser uma das mais sangrentas dos tempos modernos veio expor amizades e inimizades que a Realpolitik traçava a traço firme e duro, iludindo afinidades ideológicas ou ideais compartilhados” (PINTO, 2015:116).

O ataque de Saddam Hussein surpreendeu os iranianos, a braços com as sequelas da crise dos reféns, com a hostilidade do Ocidente e da URSS e com as Forças Armadas em confusão pós-revolucionária. Mesmo assim, os ayatollahs conseguiram reorganizar–se, recuperar grande parte dos quadros médios do exército do Xá e, em dois anos, expulsaram os invasores e passaram à ofensiva. Foi então que os Estados Unidos, a França e a União Soviética vieram apoiar Bagdad, considerando o Irão xiita e religioso o inimigo principal” (PINTO, 2015:116-117).

Foram afundados alguns petroleiros na região e a guerra causou perturbação no mercado petrolífero, já que os principais inimigos eram dois grandes produtores que procuravam atingir os recursos um do outro. Era também uma guerra entre dois regimes opostos: um, talvez o mais laico da região, e o outro, o mais religioso. Guerra que acabaria por exaustão de parte a parte depois da morte do ayatollah Khomeini” (PINTO, 2015:117).

*Médio Oriente – Região do planeta localizada predominantemente no continente asiático e um país da África. Os países que fazem parte do Oriente Médio são: Arábia Saudita, Bahrein, Chipre, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irão, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Estado da Palestina, Líbano, Omã, Qatar, Síria e Turquia.

Bibliografia

PINTO. Nogueira, Jaime. (2015). O Islão e o Ocidente. A Grande Discórdia. D. Quixote. Alfragide.

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