Eterna condenada

Publicado por: Milu  :  Categoria: Eterna condenada, PARA PENSAR

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“Enquanto as religiões do mundo tiverem cores atribuídas pelos homens o meu verdadeiro e grandioso Deus permanecerá transparente.”

Ricardo Vianna Barradas

Vem este post, com um trecho da autoria de Erica Jong, intitulado “Os Monstros das Mãezinhas”, que faz parte do seu livro “O Que Querem as Mulheres?” a propósito de notícias como esta tão recente da rapariga de 12 anos que foi abusada pelo padrasto, do qual veio a engravidar.

Confesso que tudo o que li sobre este caso foi muito pela rama, pelo que sei muito pouco. Mas tenho lido os comentários do povoléu! E o que deles apreendi é que a mãe é considerada um monstro, uma vez que teria sido conivente. Mais uma vez refiro que praticamente não sei nada deste caso, mas uma coisa sei, que a sociedade em que vivemos cria vítimas… e que muito provavelmente a mãe desta criança é, também ela, uma vítima.

Afinal não é suposto que uma mãe defenda os seus filhos, de tudo e de todos, mesmo à custa da sua própria vida?

Então, o que se passou que fez falhar esta mãe? O que pode levar as pessoas a proceder de certa maneira e a  cometer determinados actos?

O caso apresentado neste post e constante no livro citado diz respeito à negligência de uma jovem ama, que resultou na morte do bebé que estava aos seus cuidados. A mãe da criança não escapou à ferocidade de uma sociedade dominada por uma ordem social assente no masculino,  que está sempre pronta a condenar a mulher nas situações mais variadas do quotidiano.

Nós mulheres, quando estamos umas contra a outras, estamos também, muito simplesmente e sem o perceber, a acatar esta ordem que favorece sempre o masculino, ou seja, vemos o mundo com olhos masculinos. Temos de romper com essa subserviência e submissão humilhante e decidirmos de uma vez por todas sermos Mulheres. Pessoas com vontade própria, com responsabilidade, com arrojo.

Neste texto de Erica Jong podemos também perceber o que são as consequências do Estado Mínimo, a ausência de políticas sociais, a miséria moral, um pouco daquilo que nos espera com o fim do Estado Social… Depois, não se admirem que as consequências sejam um aumento da degradação em todos os níveis… O dever do Estado é proteger os mais fragilizados e não vergastá-los.

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Erica Jong:

 

“A CULPA É SÓ DAS MÃES? É o que se pode ler no cabeçalho da nova versão de «O Caso da Ama», publicado no jornal New York Daily News (…).

(…)

Numa época em que muitas mães trabalham porque são «obrigadas» a isso, é de admirar que este caso desse origem a que furiosos participantes dos «falatórios» da televisão gritassem bem alto que a Dra. Deborah Eappen «merecia» que o bebé tivesse morrido, visto que o deixou entregue a uma ama de dezanove anos de idade. 

Foram em vão os 25 anos de feminismo. De nada servem também os enfatuados comentadores que afirmam que vivemos numa era «pós-feminista». O grito selvagem que ainda se ouve é: «Matem a mãe!» Ela merece morrer apedrejada por ter contratado uma ama. 

É evidente que todos os americanos sabem que as mães que recebem subsídios da segurança social são uns monstros. (…). Mas, é claro que sabemos que os americanos que são pobres não têm direito a nada.

A pobreza é, acima de tudo, não-americana.

A América acabou com a definição de pobreza respeitável (crianças, mães, cegos, aleijados) e decidiu que eles, sozinhos, deviam pagar o défice orçamental que os políticos do sexo masculino criaram. 

Afinal, as crianças não têm voto – diferentemente dos altos funcionários das instituições de poupança e empréstimo. Além disso estes últimos têm lobbyists e as crianças não têm essa possibilidade. Portanto, não temos pobres respeitáveis num país em que eu investi tão abundantemente com os meus impostos, e também não temos qualquer iniciativa de apoio à criança – quanto mais de quem olhe por elas.

Até mesmo alguns países reaccionários – como por exemplo La Belle France – dão apoio às mães, têm infantários e jardins infantis, mas na América estamos dependentes de uma natureza esquerdista com unhas e dentes, e assim os infantários são vistos como «socialismo infiltrante» a que só o exército e os excessivamente ricos, que não pagam impostos, têm acesso.

Muito bem – as mães que recebem subsídios da segurança social são monstros, e então as mães médicas empresárias? E as mulheres que adiam o nascimento dos seus filhos para poderem acabar os estudos, que têm filhos aos trinta e quarenta anos e trabalham só uma parte do dia? Bem, agora ficámos a saber que também elas são monstros. E porquê? Porque não ficam em casa todo o dia. Aparentemente todas as mães são uns monstros – a indigente e a que tem estudos superiores, e ambas merecem que os filhos morram.

Mas esperem. O que se passa aqui? Estamos em 1898 ou em 1998? Parece que não faz diferença. No que respeita a maternidade tanto podemos estar na Inglaterra de Dickens, como na Noruega de Ibsen ou na Pérsia de Hammurabi. Por definição, as mães são uns monstros. São monstros porque são pobres ou porque são ricas.

Em tudo o que for relacionado com as mães, existe uma situação de derrota.

A pobre Louise era boa rapariga, mas um pouco incompetente. Talvez ela tivesse abanado o infeliz Matty – o testemunho dos médicos não era conclusivo. Afinal, ela era de nacionalidade britânica e elas adoram bater nas crianças com uma bengala; abanar não representa nada para elas. Mas Deborah ainda foi pior do que Louise. Era mulher de um médico (e também ela médica, mas quem se importa com isso?) e tinha optado por trabalhar fora de casa. 

Ambas foram completamente desprezadas. Ninguém disse nada contra o «outro» o Dr. Eappen – o que tem um pénis – e ninguém lhe gritou que o seu bebé merecia morrer. Também ninguém disse nada sobre Matty. Ele é apenas um bebé morto. E estes não votam nem têm lobbyists. O que de facto preocupa as pessoas é saber qual das duas mulheres é culpada.

A mãe ou a ama? A senhora ou a lacaia?

As mulheres, por definição, são sempre culpadas. 

Ou de negligência ou de abuso.

Ninguém se interroga sobre o papel do pai ou dos avós. Se é preciso uma aldeia para educar uma criança, como alega Hillary Clinton no seu bestseller, então nessa aldeia só vivem duas pessoas: a mãe monstro e o monstro da empregada. Todos os outros escaparam. (Incluindo um governo que penaliza as mães que trabalham, com a sua política de impostos e de imigração e a falta de assistência às crianças durante o dia).

Como é que a Dra. Deborah Eappen se deve sentir, depois de ter perdido o filho e ter de enfrentar este coro de harpias (pois os que odeiam as mulheres são muitas vezes mulheres)?

Imagine-se o trauma de perder o filho e o de reviver a dor no julgamento, e ainda ter de enfrentar depois, o trauma do julgamento feito através da imprensa. A Dra. Deborah «escolheu» o seu trabalho porque ele lhe dava a possibilidade de ter um horário flexível. O mesmo aconteceu com o marido, o Dr. Sunil Eappen. Mas não houve ninguém que o censurasse. Se avançamos tanto em termos de igualdade no casamento, então porque razão não se fala em termos de casal? Só as mulheres é que estão implicadas. A mãe e a ama enfrentam a morte perante o pelotão de tablóides. 

Se o julgamento da ama é usado como facto decisivo para uma mudança social, então temos de concluir que houve muito pouca coisa que mudou. Não é de admirar que a geração Y seja formada por mulheres jovens que desejam ficar em casa a tomar conta dos filhos! Elas viram o que sucedeu com as mães exaustas, da época do babyboom, e não gostaram do que viram. Se o progresso do feminismo depender da dialéctica mãe-filha (como eu acho que depende), então estamos perante uma nova geração de mães que ficam em casa e cujos problemas se aproximam mais dos das nossas avós do que dos nossos.

A obra de Betty Friedan, a Mística da Mulher, será tão importante em 2013 como o foi em 1963 – e as nossas netas terão de se reagrupar e iniciar as reformas feministas mais uma vez.

Não é de admirar que o feminismo tenha estado em declínio e a pairar, desde a época de Mary Wollstonecraft. Nós nunca chegámos a resolver o problema básico que nos preocupa a todos – quem vai ajudar a educar os nossos filhos?” 

 

Bibliografia

Notas:

Geração Y (X e babyboom) o que são? Ver aqui e aqui

JONG, Erica. (1998). O que querem as mulheres? Bertrand Editora. pp.49-52.

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