Entroncamentos

Publicado por: Milu  :  Categoria: Entroncamentos, FLAGRANTES DA VIDA

“Nosso Senhor ama os pobres, por isso fez tantos.”

ABRAHAM LINCOLN

Ah, como é bom o descanso! No etéreo, ao lado do divino Criador esteja quem o inventou! O sentimento de descontracção que neste momento me avassala sinto-o como algo de sublime, que tão bem me faz à alma, e que de tão bom, só pode advir dos  divinos céus! Os católicos convictos que me perdoem a heresia, estes que têm o sofrimento como ordenança de Deus para a redenção humana. Neste âmbito funciono um pouco ao contrário, é que de Deus só espero o melhor, o mais puro sentimento de leveza e conforto. Um Deus bom não incute sofrimento, mas sim os sentimentos de exaltação, que podemos sentir em momentos especiais. Foi imbuída  com este estado de espírito, que me aprestei a sentar-me aqui defronte do meu portátil, o meu confidente destes últimos tempos e falar-vos sobre mim, sobre o que me rodeia e sobre o que me assola ao pensamento. Porque gosto de me debruçar sobre as coisas e sobre elas pensar.

Já aqui vos falei de uma minha prima, que, de certa forma, me acompanhou em importantes fases da minha vida. Principalmente na minha juventude, um tempo em que sinto que tudo vivi ao de leve, sem me deter em nada particularmente, foi como se planasse na paisagem de um mundo que só a mim me era dado ver.

Devido às contingências das nossas  vidas, afastámos-nos uma da outra  e passaram-se alguns anos em que nem sequer nos falámos. Houve momentos em que senti desesperadamente a necessidade de estar com ela, para poder desabafar e dar vazão aos tormentos da minha alma e às minhas alegrias também. Claro! Até porque sou extremamente emotiva e comunicativa, apenas não o sou com toda a gente, e disso faço questão, ou seja, de permanecer assim. Sabia que só ela, a minha prima, era capaz de me entender, afinal, as duas tivemos um percurso de vida muito comum.  Há tanta coisa que só ela é digna de ouvir de mim, no fundo, reconheço que usufruimos ambas de idênticas circunstâncias de vida, quer elas fossem boas, quer fossem  más. Para  tanto termos em comum, basta-nos  as mesmas origens, logo, mais ou menos as mesmas referências. Há algum tempo enchi-me de coragem e procurei-a. Posso dizer que foi um retorno um tanto tímido. Não tinha a certeza até que ponto  havia mudado a sua forma de ser e estar no mundo. Ontem, Domingo, estive  mais uma vez com ela, passeámos e conversámos muito, acabámos por ir jantar num sítio extremamente simpático, ao qual eu nunca tinha ido, apesar de saber da sua existência e que era muito frequentado por pessoas que sempre conheci. É uma tasquinha no Livramento, uma pequena povoação que fica logo depois das conhecidas curvas de Porto de Mós, que algumas vezes na minha juventude, percorri numa motorizada a altas velocidades, curvando vertiginosamente quase deitada e sem capacete. Era a idade do risco e da asneira, disto nem vale a pena dizer mais seja o que for!… Tomara que o meu filho não leia isto. O que iria pensar de mim,  que estou sempre a avisá-lo para os perigos? Afinal, ficaria a saber, que na sua idade fui muito pior que ele, isto é, mais inconsequente.

Na dita tasquinha servimos-nos de uns grelhados e de um jarrinho de vinho tinto da casa, não fiquem a pensar mal, aliás podem ficar a pensar mal, o que me interessa é que me soube divinamente.  O vinho! Pois! É nestes momentos de sagrada comunhão com as pessoas que nos são mais próximas, que nos apetece exorcizar os fantasmas da alma , rindo-nos  não só com as jocosas  lembranças dos bons momentos passados, mas  também, das nossas fraquezas  e aflições cujos efeitos mais ou menos dolorosos,  o tempo se encarregou de amenizar na nossa memória.  E foi assim que a minha prima me contou uma das suas experiências de criança, que não me fez rir, aliás, fiquei até bastante séria!

Quem sempre viveu nas grandes cidades talvez não faça ideia do que significa o dia do Pão por Deus. Mas, para todos os outros, especialmente para os pobres, o dia do Pão por Deus é um dia em cheio. Logo de manhãzinha, pelas oito horas, há que sair de casa munido com uma saca de pano, sozinho ou inserido num grupo de outras crianças, que sempre é mais divertido, toca de bater às portas e accionar campainhas para pedir o Pão por Deus, que tanto pode ser em dinheiro como em guloseimas.  Eu adorava andar a pedir Pão por Deus. Assim que enchia a saca logo cuidava de ir a casa despejar todo o seu conteúdo para dentro de um alguidar. Ele eram bolos, ele eram broas, ele eram rebuçados e até  peças de fruta variada, castanhas, nozes e figos secos,  que não apreciava por aí além.  Fruta tinha eu quanta queria, não faltavam quintais de vizinhos para “assaltar”. E quanto aos figos secos e as nozes, não são de forma alguma coisas que façam luzir o olho a uma criança. Mas o meu pai gostava!  Por isso dava-lhos prazenteira, para ele fazer os casamentos, isto é,  o meu pai colocava uma noz dentro de um figo seco, que comia gostosamente.

Ficava contente que o meu pai gostasse daquele pouco que eu tinha para lhe dar, porque eu gostava de lhe dar coisas. Pelo menos nesta altura, no dia do Pão por Deus, eu tinha conseguido ter alguma coisa para lhe dar, e ele não se fazia rogado. Descia lá do alto do altar-mor da autoridade paterna,  para  também ele ser uma criança, nem que fosse por uns escassos instantes.  Mas o mais apetecido  da criançada era e será sempre o “el cantante”. Para os miúdos, nada era melhor do que uma mão cheia de moedas a tilintar umas contra as outras. Actualmente parece haver alguma tendência para deixar de se dar dinheiro, defendem alguns adultos, com ares de grandeza e superioridade moral, que não será aconselhável, visto que não se sabe que destino pode ter.

Pois a minha prima recorda-se que deixou de ir pedir Pão por Deus, precisamente  porque não estava para se sujeitar à humilhação de ser menosprezada em relação ao grupo de crianças, que acompanhava no exercício desta tradição. É que se apercebeu, que as pessoas antes de darem fosse o que fosse aos miúdos, tinham o costume de perguntar a cada um deles de quem eram filhos.

Tu és de quem?

Conforme a importância ou proeminência social dos progenitores assim era dada uma correspondente quantia em dinheiro. Por conseguinte, havia uns que juntavam mais dinheiro do que outros, conforme a sua ascendência familiar. Os que fossem oriundos de famílias humildes e pobres, que é a mesma coisa que dizer, filhos de ninguém, como era o caso da minha prima, eram os que menos dinheirito angariavam! A minha prima, ainda tão menina, pôde assim descobrir o quão baixo e miserável pode ser um ser humano, porque o adulto que assim procede é um sabujo! E tantos assim, que se cruzam nas nossas vidas, meu Deus! Também me recordo de uma minha  professora ter  o costume de adoçar  as suas maneiras, sempre que se dirigia a uma miúda cuja mãe era quase analfabeta,  mas que tinha uma pequena loja onde comercializava artigos de mercearia e hortaliças, onde  lhe calhava passar sempre que,  saída das aulas, percorria o caminho de casa. A sabujice tinha um propósito, um especial propósito, por assim dizer…  Sempre lhe valia uns descontos nas compras.

No próximo post tenho intenção de contar uma situação que ilustra na perfeição o quanto uma criança pobre pode ser marginalizada em relação a outra criança cujos pais não sendo ricos, faziam vida de ricos, e por isso o pareciam.  Já naquele tempo não era preciso ser, bastava parecer. Até lá!

33 Comentarios to “Entroncamentos”

  1. florbytes(flordeliz) Diz:

    Olá Milú!
    Quase fiquei invejosa com o relato deste descanso prolongado. Não me sinto muito bem fisicamente, mas como sou mais chata que a maleita ela lá terá que se despachar e me deixar em paz.
    Foi bom este bocadinho antes de me ir por fim enfiar (mais do mesmo) na cama (hoje já levo mais que a conta de meses.
    Mas isso é coisa que pouco importa e como vim desligar o “pc” não resisti a espreitar o que por aqui se escreveu.
    Para minha surpresa descobri mais uma coisa em comum. Afinal, também eu gostava de conduzir a motorizada do meu pai sem capacete (também, não havia automóvel!). Isso e o moto do meu irmão mais velho que era mais pesado do que eu e que me faz recordar uns belos rasgões na roupa nova acabadinha de vestir pelo Natal:-) e na da minha amiga que comigo passeava 🙂 Isso, e umas belas raspadelas nas mãos e pernas. Chegavamos a casa de cabelo eriçado e as palmas das mãos esfoladas e com areia…
    Belas lembranças!
    Não conhecia esta tradição do “Pão de Deus”.
    Este teu relato só vem reforçar que as crianças são sensíveis, extremamente atentas, ficam magoadas e com razão de serem destrinçadas.
    Não era muito mais fácil dar a todos por igual? Nem mais aos ricos nem mais aos pobres.Que mesquinhos!…
    Ainda bem que retomaste as conversas e a amizade com a prima. Deve ser bom recordar os belos momentos que passaram juntas.
    Beijinho e uma semana feliz.
    Afinal, esta é mais curtinha 😉 .

  2. CBO Diz:

    Obrigado pelo seu comentário, Milu. Eu é que agradeço por ter tido a oportunidade de conhecer o seu blog. Cada visita que aqui faço é um prazer, só tenho pena de não ter muito tempo e é por essa razão que raras vezes comento.

  3. Milu Diz:

    Olá Flordeliz

    Espero que hoje te encontres bem melhor.

    A semana que passou também não andei nada bem, por isso enalteci os benefícios do fim-de-semana prolongado. É que trabalho em turnos e andei a acordar todos os dias às três horas da madrugada para ir trabalhar até às 13 horas. Este horário não combina mesmo nada com o meu biorritmo, logo, quase me deixa de rastos, o que me vale é que hoje só vou trabalhar às 21 horas,mas , agora, completamente restabelecida.

    Minha querida, então, ainda eras mais maluca do que eu, porque não sei andar de mota! Eu ia era escarranchada atrás daquele que na altura nem sei bem se era namorado, ou se fazia de conta! 😀

    Caí duas vezes da motorizada e em cada uma das quedas parti uma clavícula, mas não a mesma. Só depois da segunda queda é que decidi não andar mais de motorizada, mas também íamos na estrada sem luz na motorizada, já viste a loucura!? Mas, naqueles tempos não havia o trânsito que há hoje, nem polícia!

    O Pão por Deus acontece no dia 1 de Novembro, dia de Todos os Santos. Por aqui nesta zona esta tradição mantém-se viva, logo de manhã podem ser vistos grupos de crianças de saca nas mãos a bater pelas portas, alguns dos miúdos até já são granditos, mas sempre é um dia que permite amealhar uns trocos. Eu não costumo dar, porque a essa hora ainda estou na cama, pois se é feriado! Mas pela tarde, quando aparece algum retardatário aí dou e até dou mais, visto que já sei ser provável que não apareçam mais crianças.

    Também estou contente por eu e a minha prima termos retomado a nossa convivência, afinal, somos duas mulheres, com as mesmas vivências e o mesmo sentir. Ninguém mais nos compreenderia tão bem, quanto é possível nós duas compreendermos-nos uma à outra, por isso julgo que nos devemos manter próximas, não tanto por ser família, mas mais pelo que temos em comum.

    Desejo Flordeliz que recuperes bem e depressa. Uma boa semana também para ti e um beijinho grande.

  4. Milu Diz:

    Olá CBO

    Também gosto muito de visitar o seu blog, é um dos sítios onde julgo poder aprender, tal como naquele seu post sobre o tango, sobre o qual desconhecia ter havido alguma polémica, que para mais, dancei imensas vezes!

    Quanto aos comentários compreendo bem que nem sempre há tempo disponível para comentarmos o quanto desejaríamos. Pessoalmente, gosto de fazer comentários quando um texto me faz sentir esse apelo, isto é, desde que sinta ter alguma coisa para dizer acerca do assunto, porque só pela cortesia não costumo comentar, quanto mais não seja porque aquilo que disser me sai mal! 😀

  5. António de Almeida Diz:

    -Julgo que nunca pedi pão por Deus, lá está, porque a minha infância foi passada em Lisboa e não por qualquer outra razão. Fui eu quem saiu a perder, menos uma experiência que vivi. Gosto de ler estas histórias.

  6. Milu Diz:

    Olá António Almeida
    Julgo que a infância vivida numa grande cidade pode ser bastante diferente de uma infância passada nas pequenas localidades e até mesmo no campo. Vivi coisas inesquecíveis. Nas férias escolares os dias podiam ser todos passados na rua a brincar, até para os pinhais e grutas nós íamos, fazendo de conta que éramos exploradores. No fundo, com estas brincadeiras, eu achava que estava a reproduzir as aventuras que lia nos livros.

  7. José Pinto Diz:

    Olá Milu

    Não vou comentar o Pão por Deus nem o jantar na tasquinha do Livramento e, muito menos, os trocos discriminatórios dos miúdos, embora o pudesse fazer por serem temas muito sérios! Davam pano para mangas!
    Vou falar é daquelas suas corridas de motorizada, sem capacete, toda deitada, nas curvas de Porto de Mós. A Milu abordou o assunto ao de leve no texto principal, mas só o completou num comentário, em surdina, com a Flordeliz. Olhem se eu não lesse os comentários!
    Quanto me ri! Afinal você ia como pendura, toda escarranchada atrás do condutor, porque nem sabia andar de mota! E até caiu duas vezes e partiu sempre uma clavícula diferente! Mais: iam pela estrada fora sem luz!
    Só faltou dizer que se tratava de uma motorizada velha, a desfazer-se e a soltar uns estoiros, uns rateres, por uma panela de escape entupida!
    Escangalhei-me a rir.
    Por hoje é tudo!
    Grande abraço

  8. Milu Diz:

    Olá José Pinto!

    Da motorizada apenas me lembro que era muito barulhenta, dantes era um pouco assim, talvez por não haver legislação que precavesse essa situação, que, mais adiante foi regularizada.

    Ainda me lembro de ver passar por mim desabridamente as motorizadas a abrir pela estrada fora, fazendo um tremendo cagaçal, com os seus ocupantes de camisas desfraldadas ao vento, tão cheias de ar que até pareciam balões.

    A motorizada onde eu me deslocava não largava rateres, mas o meu primeiro “automóvel”, um carocha, esse sim. E o quanto me envergonhava com isso. Às vezes ia eu sossegadinha pela estrada fora e ao passar pelo meio das localidades, o meu carro lembrava-se de largar um violento estoiro, que fazia saltar de susto os peões que distraidamente circulavam pelos passeios. Todos se voltavam inquiridores e com cara de poucos amigos e eu, que já mal me viam dentro do carro, visto que o carocha tem a particularidade de ter os bancos muitos fundos, ainda me enterrava mais pelo banco abaixo, para assim me furtar à vergonha.
    Posso dizer que tive uma juventude em cheio. Só há bem pouco tempo cheguei à conclusão que a este respeito só devemos arrependermos-nos de tudo aquilo que não fizemos, porque é um tempo, um espírito, que se vai e não volta mais!
    Um brande abraço.

  9. CBO Diz:

    Este é o modelo de sociedade em que mais vale parecêe-lo do que sê-lo.Os bancos e a publicidade são os seus principais mentores.

  10. mfc Diz:

    Bem verdade o que relatas… e aquela máxima de Lincoln é estupenda!
    Quanto ao vinho… vergonha de quê?!
    tchim… tchim…

  11. Milu Diz:

    Olá CBO

    Quando nos meus textos me refiro à pobreza não estou de forma alguma a dizer que se vivia na indigência. Nada disso. Antigamente era-se pobre e fazia-se a vida de um pobre, ou seja, não se devia um tostão a ninguém. Actualmente quando se fala em pobreza parece que nos referimos a um sub-mundo, porque o normal é termos todos tudo, mas, nada ou quase nada é nosso, já que tudo devemos o banco.

  12. Milu Diz:

    Olá mfc

    O que eu quis deixar implícito é que há dias para tudo. Até para beber um copito, para expulsar os maus espíritos. Mas nem todas as pessoas usam este método, sabe-lhes melhor o Prosac! 😀

    Uma coisa é certa: Não se curam males da alma a tomar chá e a comer bolachinhas! É uma ementa demasiado deslavada para servir de conforto.

  13. congeminações Diz:

    Infelizmente minha amiga ainda hoje isso é uma triste realidade. É certo que o poder político acabou com a segregação social que até se praticava nos transportes públicos. Não sei se ainda tiveste conhecimento que antigamente nos transportes públicos havia a 1ª. 2ª. e 3ª. classe. Eu ainda me lembro de que no transporte ferroviário quem viajava em 3ª. classe assentava-se em bancos de suma a pau. Nos barcos acontecia exactamente a mesma coisa. Era simplesmente ultrajante mas infelizmente embora tudo isso tenha acabado, a sociedade continua a praticar a segregação, isto é a ignorar as pessoas humildes e de fracos recursos. Por isso muitas crianças e jovens adolescentes cedo começam a ter graves problemas com os seus progenitores por estes não os poderem vestir ou calçar com roupas e sapatos de marca. Exactamente porque eles sabem que são marginalizados pelos colegas e amigos cujos pais dispõem de grandes recursos financeiros. Eu em tempos cheguei a ter uma pequena discussão com uma colega com um vencimento relativamente baixo e a sua preocupação foi proporcionar-lhes assim que atingiram os dezoito anos tiraram a carta de condução e comprar-lhes carro, continuando ela e o marido a deslocarem-se para o serviço a pé. Portanto minha cara amiga como vês a sociedade nesse aspecto está exactamente igual ou melhor direi mesmo francamente pior.
    Um abraço

  14. Milu Diz:

    Olá Raul!

    Sabia que em tempos os transportes ferroviários faziam essa distinção entre classes e as inerentes condições financeiras, mas sinceramente, ainda não tinha pensado da forma como tu me fizeste pensar, ou seja, a humilhação que poderia representar para um ser humano ao viajar em terceira classe. No fundo, era tratado como alguém de terceira e última classe, como se fosse um cão, que era isto mesmo, que se fazia. Hoje, ainda assim se procede noutros domínios, mas esses, que marginalizam, arriscam-se a levar nas trombas, porque felizmente, há muitas pessoas atentas a essas situações.
    Um abraço.

  15. Milu Diz:

    Ainda para ti Raul

    Esforço-me veementemente para educar o meu filho no sentido de nunca alinhar no culto das marcas, pois se não somos ricos! Para quê aprisionar-se a uma mentira com pernas tão curtas? Querer parecer o que não se é, penso ser, uma das maiores fraquezas humanas, é como se a nossa felicidade estivesse dependente do conceito que os outros de nós fazem,como se esses outros, fossem tão mais que nós. Por mim, passo por cima dessa miserável vaidade com a maior leveza do mundo, a vida já me ensinou o bastante, para ter aprendido a dar valor apenas àquilo que o tem. Um grande abraço.

  16. Mário Rodrigues Diz:

    Pois é Milu. Também fui muita vez ao pão por Deus, mas por aqui, nunca se dava dinheiro a ninguém. Para além disso éramos muitos miúdos, mas só levávamos um saco, que ao fim do dia era espalhado em cima de uma mesa grande e todos os nossos familiares se juntavam em seu redor a comer, beber e brincar depois do jantar de atum de barrica com couve-flor… Oh querida Milu, que belas recordações…

    Beijinhos

  17. José Pinto Diz:

    Olá Milu
    Volto aqui para averbar uma curiosidade. Há um texto a concorrer na blogagem colectiva do “Aldeia da Minha Vida” subordinada ao tema Na minha terra come-se bem, que fala do tal Pão por Deus, reportado à aldeia de Monsanto. Nem de propósito! Clica em http://aldeiadaminhavida.blogspot.com/2009/10/come-se-bem-em-monsanto-aldeia-mais.html#comments.
    Bjs

  18. Milu Diz:

    Olá Mário Rodrigues

    Que me lembre, naquele tempo, o que os miúdos mais queriam era mesmo o dinheiro. Havia até aqueles que juntavam uma grossa maquia, bastava para isso chegarem-se às pessoas amigas da família, que lá abriam os cordões à bolsa, para não ficarem em pouco. Na minha casa não havia o costume de dividir o Pão por Deus, a não ser aquilo que não gostássemos, que era o que acontecia aos meus figos secos, nozes, castanhas, amêndoas com casca e peças de fruta, tudo isto ia directamente para o meu pai, que nesses momentos parecia um garoto no meio dos filhos a meter a mão escarafunchando no imenso alguidar, tentando apanhar tudo aquilo que sabia ser-lhe dado de boamente. O meu Pão por Deus ainda era avultado, porque eu era menina para incansavelmente calcorrear as ruas e encher a saca três vezes. O meu pai também ajudava à festa quando me picava dizendo-me: “Aproveita hoje que amanhã já não há”. A minha mãe fazia questão de não aceitar nada do nosso Pão por Deus, ainda que lhe quiséssemos dar algum bolo ou rebuçado negava logo, argumentando que era doce demais. Sempre foi assim. Muito contida. A filha não lhe herdou essa tendência espartana. 😀
    Beijinhos.

  19. Milu Diz:

    Olá José Pinto

    Fui lá ver! Mas aquele era um Pão por Deus muito abastado! Rico, por assim dizer. Para começar havia o cabrito assado no forno, qual manjar dos Deuses. Na minha casa de então, se cabrito alguma vez houve por esta altura, não terá sido mais que um niquinho, que guisado servia para dar gosto a uma valente tachada de batatas com as quais enchíamos a barriga!

    Em vez de cestas, nós usávamos sacas de pano, ultimamente costumo ver os miúdos a pedir Pão por Deus munidos de vulgares sacos de compras dos supermercados, qualquer saco lhes serve. Quando nos vêem pegar na carteira até os olhos se lhes esbugalham de tanto brilho, mas também não menosprezam as broinhas que lhes damos depois do dinheiro! 😀

    O comércio local por esta altura aumenta a oferta de bolos e broas de várias qualidades alusivas a este dia, mas também há o costume de se fazerem nas casas particulares, para ofertar não só as crianças mas também os amigos e familiares, de maneira que em criança pude assim degustar verdadeiras obras primas em doçaria, tendo em conta que haviam pessoas que tinham muito gosto e vaidade nas suas receitas.
    Um beijinho.

  20. Pascoalita Diz:

    Olá, lindinha :)*

    Confesso que li apenas algumas linhas do texto, mas o suficiente para dizer que me interessa ler de fio a pavio, mas não agora por falta de tempo e porque não quis sair sem deixar um hello.

    Voltarei com mais tempo para ler com calma, porque fiquei mesmo sensibilizada e é um tema que merece ser lido e comentado de forma não leviana.

    Focas vários aspectos que me tocaram.

    Bom resto de domingo

    jinhos

  21. Milu Diz:

    Olá Pascoalita.

    Tudo quanto aqui deixei expresso neste post continua actual, ou seja, a discriminação das crianças, começa logo nos infantários. Só que naquele tempo era feito de uma forma mais descarada devido à rudeza das pessoas e, porque na sua profunda ignorância supunham que as crianças não percebiam que estavam a ser infamemente marginalizadas, logo por aqueles que lhes haviam de dar um bom exemplo.
    Uma boa semana e um beijinho.

  22. Turmalina Diz:

    Querida Milu, o ser e o parecer não deveriam fazer diferença aos olhos de quem vê.Afinal justo seria que os olhos vissem e não julgassem, mas enfim assim é mundo.Um pouco sórdido, eu diria. Daí que é tão importante fazer o bem sem olhar a quem.E isto não quer dizer que o outro é pior ou melhor que vc.Aqui a gente aprende e ensina, ajuda e é ajudado. Cada vez que faço algo pelo outro, sendo ele quem for, me sinto melhor.Não porque esteja expiando meus pecados e sim porque estou fazendo a vida do outro um pouco mais feliz.E assim sendo, venho aqui agradecer toda a sua sensibilidade em compreender-me.Com suas palavras, deixou-me emocionada e feliz…
    “Se todos fossem iguais à vc, que maravilha viver.(Tom e Vinicius)” Muito obrigada :o)

  23. Milu Diz:

    Olá Turmalina
    Sem dúvida que você tem razão. O normal é sentirmos-nos bem ao fazermos algo de bom para alguém, ou, pelo contrário, sentirmos-nos incomodados por ter praticado um acto que redundou no prejuízo de outrem. Contudo, parece haver pessoas que também se sentem bem a fazer mal aos outros, por vezes é-lhes até uma necessidade vital. O Mundo é mesmo assim! Tem bom e tem mau. Cabe-nos a nós fazer para que o bem prevaleça.
    Muito obrigada pela sua simpática visita! 🙂
    Um beijinho.

  24. flordeliz Diz:

    Olá Milú!
    Já podes ir ao meu blog criticar por estar a expor um assunto delicado.
    Assim já não te preocupo com coisas tristonhas.
    Sinto-me frágil e quando assim fico…a escrita fica pesada!
    Beijoka e…OBRIGADA

  25. Milu Diz:

    Flordeliz

    Vou já ver!
    Às vezes também me sinto assim, felizmente tenho muita força e esforço-me para não me demorar nesse estado de espírito, pensando positivo. Outras vezes é o tempo que dilui o peso das coisas que me atormentam, mas falar é fácil, eu sei.
    Um grande beijo para ti.

  26. Lilás Diz:

    Olá Milu, acho que andam piratas no teu blogue, cadê o meu comentário? lá que o fiz, fiz…e já há algum tempo…onde terá ido parar hehehe
    bjs

  27. Milu Diz:

    Olá Lilás

    Acerca do teu comentário que dizes teres feito: Tê-lo-ei apagado sem dar por isso? É que todos os dias apago comentários que fazem publicidade a sites que vendem variados produtos. Ainda se estivessem escritos em português, mas não estão. Comentários assim não são interessantes, por isso apago-os. Ainda assim muito obrigada pela tua atenção. Um beijinho.

  28. opolidor Diz:

    Milu,
    sempre interessnte e simples o relato das vivências e sem preconceitos de mostrar os primórdios… no fundo, há mais gente assim neste mundo.Ainda bem…

    beijo

  29. Milu Diz:

    Olá opolidor

    Na verdade não sinto o mais pequeno pejo que seja, em revelar as minhas origens pobres e humildes, até porque se isso escondesse, então, é porque delas tinha vergonha, e eu, não tenho vergonha dos meus queridos pais!
    Um beijinho.

  30. Jose Rosa Diz:

    Oi Milu,

    Que delícia este seu relato – flagrantes da vida.

    Você não disse (claro que os portugueses devem saber) quando é o dia do Pão por Deus, fiquei muito curioso.

    Aqui em terras brasileiras temos o ritual do Dia de Reis, 06 de janeiro. É uma festa mais ou menos parecida com o dia do Pão por Deus de vocês, assim eu penso. Só que aqui é um pouco diferente. Quem sai ás ruas são os adultos, a cantar e a tocar, de casa em casa, pedindo algo para comer e principalmente beber, e fica-se assim a noite toda, até o dia raiar.

    Grande abraço,

  31. Milu Diz:

    Olá José Rosa.

    Antes de mais muito obrigada pela sua visita e pelo seu simpático comentário.

    Pois bem: O dia do Pão por Deus celebra-se no dia 1 do mês de Novembro, que é feriado e dia de Todos-os-Santos, que também há no Brasil, já que é um feriado religioso. Em Portugal também se celebra com a saída das crianças à rua, pedindo de porta em porta. O costume é dar bolos, broas e frutos secos. Uma peça de fruta característica deste dia é a romã, que até não gosto, porque tem muita mão-de-obra, isto é, dá muito trabalho para comer.

    O ritual que você fala próprio do dia 6 de Janeiro, cá em Portugal chamamos de Janeiras, penso que não é obrigatório acontecerem no dia 6. É uma tradição que envolve adultos que saem às ruas para tocar e cantar de porta em porta, cujos anfitriões ofertam com coisas de comer, como por exemplo frutos secos. No entanto, o melhor seria que fossem uns bons bocados de presunto e uns tintos para melhor os arrumar! 😉
    Um grande abraço.

  32. Pedro Sachetti Diz:

    Só um pequeno pormenor:

    A tradição do “Pão-por-Deus” também se celebrou sempre nas grandes cidades (Lisboa incluída), e não tinha nada a ver com classes sociais.

    Eu recordo-me di ir pedir o “Pão-por-Deus”, em grupo, com outros miúdos e, felizmente, nenhum de nós o fazia por nevessidade. Era por tradição, e ser muito divertido para a miudagem.

    Esta tradição foi desaparecendo com o tempo, devido a espírito de “novo-riquismo” das pessoas que achavam não ser “digno” dos seus filhos “andar a pedir” (como se aquilo fôsse um peditório!!!! Haja dó!).

    Segundo algumas fontes a tradição começou em Lisboa em 1 de Novembro de 1755 devido ao terraamoto, e ás pessoas terem ficado sem nada, mas, no séc. XX já ninguém se lembrava disso, e a tradição manteve-se, até finais dos anos 70 / início dos 80.

    Agora importaram o Halloween, que não tem nada a ver com as nossas tradições, mas RENDE mais.

  33. Milu Diz:

    Olá Pedro!

    Antes de mais muito obrigada por ter deixado o seu comentário, que reflecte as suas recordações do dia do pão por deus, que ainda hoje me deu tanto que fazer, com tantos toques de campainha, que mais parecia uma desafinada sinfonia.

    No meu tempo e na localidade onde fui criada eram mesmos as crianças de famílias mais desfavorecidas que andavam ao pão por deus. Era uma localidade onde os ricos eram em reduzido número, mas os pobres muitos. Nem na escola me lembro de ver os filhos de certos senhores. No fundo, parecia que evitavam misturar-se com a ralé. Anos mais tarde, as gentes daquela terra sofreram uma transformação operada pelas contingências do tempo, afinal, toda a pretensa riqueza e distinção daqueles poucos, entrou em decadência, que é o que o que acontece a todos os que vivem à custa do empenho dos seus ancestrais.

    Na minha ideia esta tradição apenas se cumpria nos lugares mais pequenos, logo mais apropriados, tenho até alguma dificuldade em imaginar de como seria nas grandes cidades, com tantos prédios e escadas para subir. Porque a aventura implicava entrar por jardins e pátios para bater nas portas, às vezes nem para isso tínhamos tempo, dado termos de fugir do cão de guarda.
    Também me recordo de ver mais mendigos, estes aproveitavam-se das circunstâncias para melhor serem atendidos e de facto eram. Também penso que pedir pão por deus, mesmo no meu tempo, nada tinha a ver com eventuais necessidades. Era um dia especial para juntar crianças, isso era!

    As festas ou dias vocacionados para o comércio deixaram de ter qualquer valor para mim, sinto-me bem até, por não me deixar sucumbir pelos ímpetos tão comuns nestas alturas. Afinal não devemos encarreirar em fila, uns atrás dos outros, como se fôssemos uns carneirinhos!

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