É urgente evoluir
“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.”
Karl Marx
Apontamentos retirados durante a leitura do livro de Helena Mouro, intitulado “Modernização do Serviço Social – Da Sociedade Industrial à Sociedade de Risco.” Estas minhas notas incidem sobre o capítulo 3, que constitui uma abordagem ao Serviço Social na contemporaneidade, ou, melhor dizendo, o que foi e no que se tornou, tendo em linha de conta as transformações na sociedade, os desafios e as implicações da Globalização.
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Capítulo 3 – Contemporaneidade e Serviço Social: desafios da Globalização
“Em termos pragmáticos a modernização do Serviço Social revela-se através de:
– A desconstrução e a reconstrução da sua concepção de problema social que se substancia no facto de ter deixado de estar limitado aos problemas de ordem económica, que particularizaram a sua intervenção até à 2ª Guerra Mundial, para alargar a sua intervenção os problemas de ordem comportamental e, posteriormente, canalizar a sua atenção para os de ordem social relacionados com as questões de cidadania e da igualdade;
– A alteração que desenvolveu na sua relação com os problemas sociais, passando de uma atitude protecionista para com aqueles que davam visibilidade aos próprios problemas, para uma atitude reguladora que exacerbou, e exacerba, a importância das reformas sociais na interação de forças múltiplas na correção das distorções sociais e, depois, para uma atitude emancipatória que corresponde a uma recuperação do individualismo moral;
– A mudança operada nas caraterísticas da sua ação profissional, o que explica não só o fato de ter deixado de agir de forma monolítica e seletiva, limitando a sua intervenção ao universo da pobreza, mas também de passar a desenvolver uma forma de agir franqueada tendo em linha de conta a correlação criada entre a desapropriação do exercício da intervenção sobre os problemas sociais, a transformação no conceito de necessidade social, o desenvolvimento da política de investimentos em termos de recursos sociais e ainda a segmentação da ação social, assim como o de ser acrescentado formas partilhadas de atuação que, traduzindo-se em parcerias ou em trabalho de rede, não interferem no entanto sobre a identidade profissional, e antes pelo contrário, reforçam-na;
– A reorganização das suas competências, que deixam de estar dominantemente dominadas ao exercício da ação social, como aconteceu durante o seu período de legitimação, alargando a sua atuação no quadro da funcionalização da política social e tornando-se elemento-chave na gestão pragmática das políticas sectoriais para, perante uma reconceptualização da intervenção ao nível dos problemas sociais e numa fase de recriação da intervenção social, reforçar as suas competências no exercício profissional da ação social, criar novas competências na área da gestão de equipamentos e direção de serviços de caráter social, assim como recriar as desenvolvidas no campo da investigação e da intervenção no terreno;
– A transformação operada nos processos de intervenção; depois de utilizar uma metodologia em que enfatizou o uso da individualização como mecanismo de atomização dos problemas sociais, que esteve duradoiramente subjacente no trabalho com grupos e comunidade, subalternizou-a em detrimento da contextualização que elogia o primado do social sobre o individual, para numa fase de requalificação da profissão se projetar no uso da investigação-ação como meio de reduzir a expressão praticista que era atribuída ao Serviço Social;
– A recriação da linguagem que, ultrapassada a sua fase intimista e paroquial, investiu numa forma mais estilizada que, sendo polimorfa, é simultaneamente mais tecnicista e respondia às necessidades de um estilo de intervenção generalista, para se tornar mais ou menos pigmentada do ponto de vista cultural e científico de acordo com a sua saliência ideológica no processo de intervenção social, a sua inculcação institucional, bem como com a relação instituída com o corpo teórico ou profissional onde se movimenta.
(…) a forma como a individualização se inscreveu na vida profissional dos assistentes sociais demonstra a capacidade dos profissionais de interferirem sobre os processos de fricção social resultantes da “lubrificação social e ideológica” do processo de industrialização. Mas, ao deixar de estar centrada no indivíduo, passou então a organizar-se em função das responsabilidades do estado e da democracia na gestão dos problemas sociais e, posteriormente, na confirmação da legitimidade social reconhecida à construção política do conceito de cidadania. Daí que o seu exercício profissional também se tenha recriado.
Ou seja, se num primeiro momento a adaptação foi adotada como forma estratégica de neutralizar a cultura de conflito herdada do período da “questão social” do século XIX, já a integração está implicada com a forma como o Serviço Social se posicionou face à gestão das desigualdades sociais e económicas; a inclusão, que se afirmou no contexto a que Giddens denomina de alta modernidade, tornou-se uma resposta profissional ao fenómeno de exclusão que sintomaticamente refletia a forma como a profissão se comportou relativamente às problemáticas da diferença e da igualdade.
No contexto da sociedade atual, a Globalização, entendida por Giddens (2002:24) enquanto uma rede de processos complexos que operam de forma contraditória ou em oposição aberta a qual tem sido influenciada pelo progresso dos sistemas de comunicação registados a partir do final da década de 60, tem sido apontada como responsável por um conjunto de mudanças geradas por fatores de ordem económica, política, tecnológica e cultural que estão na origem de:
– Uma resignificação social e cultural das desigualdades;
– Um redimensionamento político e cultural da nova questão social.
(…) a Globalização se transformou num processo social através do qual diminuíram os constrangimentos geográficos sobre os processos sociais e culturais e em que os indivíduos se consciencializaram cada vez mais dessa redução(Waters, 2002:3), a lógica da territorialidade desapareceu enquanto princípio organizativo da vida cultural e social.
(…) no quadro dos países desenvolvidos e mesmo periféricos, a exclusão deixou de estar vinculada apenas a:
– O desemprego
– O trabalho precário e infantil
– a condição de reformado.
Para se alargar a outras questões, a saber:
– a igualdade e a paridade, onde se integra o trabalho desempenhado pelas mulheres;
– a diferença e a cidadania, onde se incluem os problemas ligados à etnicidade, à opção sexual e religiosa, bem como à deficiência;
– o desvio e a marginalização, dos quais fazem parte a toxicodependência, a violência e a criminalidade.
Já no contexto dos países pobres o problema da exclusão é um problema estrutural e endógeno que assume o devido significado quando analisado pelos países ricos, passando a ser considerado como um problema de desenvolvimento.
(…) o Serviço Social, não obstante poder reconhecer os efeitos sociais da Globalização, deve preparar-se concretamente para utilizar os conhecimentos adquiridos na área das ciências sociais como meio de valorizar um processo de engenharia social que favoreça a consolidação das racionalidades. Segundo o ponto de vista do Serviço Social latino-americano, e muito particularmente na perspetiva de Iamamoto (2002), é realçado o pressuposto de que a relação do Serviço Social com a nova questão social, gerada pela confirmação económica e tecnológica do processo de Globalização, está influenciada pelo facto do serviço social ser uma profissão assalariada e, como tal, ter de desempenhar as funções que lhe são conferidas pelas Instituições públicas e privadas, as quais refletem a forma como o Estado e a Sociedade Civil reagem aos efeitos sociais e culturais produzidos pela Globalização.
As competências do Serviço Social devem de ser enquadradas no âmbito do que se designa por trabalho imaterial que visa a promoção do bem-estar coletivo e a defesa da cidadania global que envolve a re-significação dos problemas sociais. Mas, quanto ao seu desempenho, este deve ser apreendido como uma forma ativa de colocação profissional perante a substância da pressão exercida pela Globalização na recontextualização das formas de pensar e de agir dos assistentes sociais.
Enquanto na Sociedade Industrial o Serviço Social de Casos, o de Grupos e o de Comunidades eram considerados os métodos mais indicados e eficazes para os assistentes sociais conduzirem no terreno o exercício da intervenção, já na Sociedade de Risco o pertenariado, o trabalho em rede, a intervenção territorializada e a gestão de casos podem ser consideradas como formas de alternativas de exercer a intervenção social.
Quanto à articulação da inovação com a qualificação no Serviço Social, esta toma uma nova expressão no presente. Pode ser entendida como uma resposta ao problema da competição profissional e da resignação do seu papel profissional. Demonstra ainda a atenção prestada profissionalmente, e com mais acuidade pelas novas gerações, a:
– a recontextualização dos processos de trabalho no Serviço Social
– a existência de uma maior apetência profissional para levar à prática uma reflexão sutentada sobre o impacto das transformações culturais no quotidiano da vida social
– a importância do uso das novas tecnologias na desformatação dos processos de intervenção e de relacionamento com os utilizadores dos seus serviços.
Esta profissão é eminentemente política e a reconstrução da sua identidade passa por:
– a recriação da relação de ajuda no Serviço Social (Garbarini: 2002);
– uma desonversão do “aqui” e do “agora” no Serviço social;
– Uma renovação dos seus interesses.
A construção de novos interesses que são gerados pela necessidade de compreender e descrever fenómenos de desigualdade que fogem às análises estritamente económicas dos fenómenos estigmatizantes e que servem para desfidelizar a sociedade global dos seus compromissos éticos com a cidadania global.
Em suma, a Globalização – ao produzir um agravamento das desigualdades económicas e sociais e ao desenvolver novas realidades sociais que decorrem das alterações exercidas, quer nos estilos de vida, quer das relações sociais e perante a evolução da ciência – fez com que o Serviço Social reforçasse as suas competências ao nível da ação social, qualificasse o seu desempenho sobre os comportamentos e redefinisse a sua atuação ao nível das novas problemáticas sociais que estão intimamente interligadas com a relação que o indivíduo tem com a sociedade, o ambiente social e os dispositivos institucionais de ajuda social.
A criação de redes ONG’s reforça as relações de solidariedade entre os diferentes parceiros sociais através do aumento da implicação nas ações de voluntariado que se repercutem no aumento do sentido para a vida e do reforço das capacidades de resposta das comunidades locais para a diversidade de situações que se afirmam no presente e se possam vir a desenvolver no futuro.
(…) os profissionais vão cumprindo tarefas administrativas e burocráticas em detrimento do seu trabalho de ação e intervenção social que se torna rotineiro, pontual, imediatista e assistencialista. A este último nível assiste-se à clara oposição entre as exigências do capital e as necessidades dos utentes. Daí a importância reconhecida á necessidade dos assistentes sociais investirem na sua própria capacitação e no reforço de vínculos no âmbito de um projeto ético-político em defesa dos direitos sociais e do aprofundamento da democracia, o que implica a que a profissão se desenvolva, segundo os seguintes parâmetros:
– Tentativa de superação da dicotomia utente/beneficiário pela promoção de participação ativa dos sujeitos na busca de soluções mais adequadas aos seus casos;
– uma maior atenção à promoção dos Direitos Humanos, que neste tipo de sociedades são teoricamente considerados, mas que acabam por ser subordinados aos critérios (desiguais) da distribuição da riqueza socialmente produzida;
– Uma tentativa de superar a metodologia tradicional (caso, grupo e comunidade), partindo do pressuposto de que a intervenção se deve desenvolver a vários níveis, a saber:
1- assistencial, promoção sócio-educativa, promoção sócio-terapêutica e gestão de políticas sociais;
2- interpretação das políticas sociais como espaço de expressão de diversos interesses sociais e, consequentemente, como espaço de construção de cidadanias e amplificação e execução dos direitos humanos. Entre estes salientam-se as questões de género, a exclusão social, sem esquecer as diferentes possibilidades de levar á prática o exercício profissional de auditorias sociais.
Bibliografia
MOURO, Helena. (2009). Modernização do Serviço Social – Da Sociedade Industrial à Sociedade de Risco. Almedina. Coimbra.