Duas palecas na Nazaré

Publicado por: Milu  :  Categoria: Duas palecas na Nazaré, FLAGRANTES DA VIDA

Nazaré

“Os olhos do espírito só começam a ser penetrantes quando os do corpo principiam a enfraquecer.”

PLATÃO

Agora que finalmente  entrámos na estação do Estio, tempos de praia e de férias, ocorreu-me contar-vos uma situação engraçada que comigo aconteceu, quando contava vinte e poucos anos. Eu e uma minha prima, com a qual durante uma fase da minha vida tive um historial pleno de aventuras, encontrávamo-nos de férias na praia da Nazaré. Tínhamos alugado um quarto numa residência particular e estávamos ambas imbuídas de uma enorme vontade de fazermos uma espécie de desintoxicação de todos os agentes nocivos, com os quais comungamos diariamente. Durante quinze dias pretendíamos abolir da nossa alimentação alimentos como a carne, gorduras, doces, álcool, fumar o menos possível, já que deixar de fumar não nos afigurava um objectivo fácil de atingir e, sobretudo, dormir bem, logo, nada de deitar tarde. Havia da nossa parte o firme propósito de deitar cedo e cedo erguer, não que pretendêssemos crescer, tal como nos promete a sabedoria popular, que para isso já era um pouco tarde, mas para com tantos cuidados, uma boa alimentação e muito descanso, almejarmos um aspecto fresco e radioso de fazer inveja ao mundo!

Pois bem! Durante aqueles quinze dias fizemos tudo menos as nossas nobres intenções! Foi uma autêntica desgraça! Desde deitar cedo, pela madrugada, a levantarmo-nos da cama tarde, já a meio do dia, a comer pizzas, cachorros, frangos assados e batatas fritas, muita carne, afinal! No fundo, tudo aquilo que sabe bem, mas que nos envenena por dentro! Assim que saíamos da cama, íamos a qualquer lado comer alguma coisa, pouco, que vontade não havia muita, ainda por ali andavam os últimos resquícios dos gins tónicos da noite anterior e seguíamos para a praia, logo nas horas de maior insolação! Por causa disso e devido às minhas ânsias em ficar num ápice toda morenaça, queimei as trombas todas, até fiquei com inchaços numa zona do rosto abaixo dos olhos! Acabei as férias com um bronzeado todo malhado e por isso feia como os trovões! Mas divertimo-nos a valer!

gelado

Um dia estávamos nós duas repimpadas na praia a assoalhar, quando ouvimos o pregão do vendedor de gelados, decidimos chamar por ele já que nos apeteceu um gelado, engordam, mas por outro lado são bastante recomendados pelos especialistas em nutrição, porque são muito nutritivos! Ao mesmo tempo que peguei no gelado que o vendedor me estendia preparei-me para lhe pagar, perguntei quanto custava. Não gostei do que ouvi. Não me recordo dos valores, sei apenas que a diferença de preço entre comprar um gelado num qualquer estabelecimento ou comprar ao vendedor era considerável, pelo que chamei a atenção para esse facto e num gesto meio indignado, devolvi-lhe o gelado dizendo-lhe que àquele preço nem pensar, no que fui imitada pela minha prima! O que se seguiu só mesmo visto, porque assim, contado, nunca expressará o insólito e caricato do momento. O vendedor, que até ali se encontrava de joelhos na areia, levantou-se como se tivesse uma mola no corpo, desatou a proferir impropérios chamando-nos palecas, que se quiséssemos gelados mais baratos que levantássemos o cu, e os fôssemos comprar ao café mais próximo, que se encontrava já ali ao atravessar da estrada. Continuou numa verborreia inacreditável dizendo que andava num constante calcorrear da areia, debaixo da torreira do sol, para nos vender gelados a nós, que passávamos o dia deitados, que mesmo assim tínhamos tido a pouca vergonha de achar um gelado caro, mas  que se fosse preciso oitenta ou cem escudos para comparar um batom, para pintarmos os lábios e ficarmos a parecer os palhaços do circo Mariano, já não achávamos caro! Tudo isto, dito alto, em bom som e aos quatros ventos! À nossa volta todos os presentes nos olhavam com um olhar indefinido. Seria de indignação? De censura? De incredulidade? E de que lado estariam? Fosse como fosse, a verdade, é que apesar de jovens e desprendidas de preconceitos não conseguimos evitar de sentir algum desconforto. O nosso dia de praia ficou, portanto, estragado!

A história não ficou por aqui, no dia seguinte houve da parte do vendedor um volte-face radical!

CONTINUA

Praia

19 Comentarios to “Duas palecas na Nazaré”

  1. zé do cão Diz:

    ainda bem que eu não sou vendedor de gelados.
    Pelo que dizes, o homem mudou de táctica ? Depois de um ataque tão em forma, passou à defesa?
    Não me digas que fez a corte ás meninas?
    Deu-vos um gelado gratuito? Fizeram as pazes, ficaram clientes?

    Estou em pulgas para saber.

    beijocas

  2. Madruga Diz:

    Cara Milu

    Talvez por se tratar de férias, alguma superficialidade, contrariamente a outros posts que tem publicado com algum conteúdo. Pena.
    O esforço do homem da praia é grande efectivamente. A incompreensão dessa sua condição à luz de duas meninas a quem aparentemente o sol sorria sem esforço e sem punição por parte dele é humana. Falam mal, mas falam a sua verdade.
    Teria obtido um efeito mais conseguido se a “lambidela no gelado fosse de chocolate”, embora refresque menos, deste lado aqueceria mais, como era seu propósito.
    A última fotografia não é sua, via-a num espaço no google e antes de estar no seu post no post de um blog que muito admiro.
    É preciso acautelar direitos de autor…
    Enfim Senhores professores sabem disso.

    Saudações, espero pelo resto da história com curiosidade…

  3. Milu Diz:

    Olá Zé do Cão!

    Por enquanto não revelo o que aconteceu, porque vai dar para fazer mais um post! 😀

    Ainda hoje me rio quando me lembro disto, porque até foi engraçado, embora no primeiro dia tivéssemos ficado muito aborrecidas com o vendedor!
    Beijinhos!

  4. Milu Diz:

    Olá Madruga!

    Chamou a atenção para a superficialidade deste post em contraste com outros que publiquei, disse até, que foi uma pena. Pois, a minha intenção foi mesmo essa, a de contar uma situação por mim vivida, que se destacasse precisamente pelo seu carácter divertido e que revelasse, acaso, o espírito da minha juventude! Felizmente que também tenho histórias assim, porque aquelas que mais conteúdo terão, foram, porventura, aquelas que um dia me magoaram. É certo que hoje e à distância, também essas me divertem, além de mais, são extremamente explícitas da forma como a minha sensibilidade acolhe todas as impressões de tudo o que me rodeia! Afinal, as coisas não passam por mim sem mais nem menos! Deixam marca! Às vezes grata outras nem tanto, mas tudo isto é vida!
    Quanto à foto que refere não faço a menor ideia de onde a retirei, procurava nas imagens do google fotos que ilustrassem o espírito da coisa e encontrei essa, sem mesmo reparar de onde. Não me ocorreu que alguém pudesse pensar que era eu, ou que a teria colocado para que, inadvertidamente, alguém pudesse pensar que seria eu! Jamais faria uma coisa assim até porque seria revelador de uma grave falta de personalidade da qual não padeço, porque então, nem sequer contaria aqui acontecimentos da minha vida com a humildade com que o faço, se nem escondo aquilo que tanta gente gosta de esconder…
    Quanto aos direitos de autor é um risco que eu e muitos outros corremos, é por demais sabido que este procedimento está generalizado. Não o faço para fins comerciais, as fotos retiradas da net, utilizo-as tão-só para me ajudarem a falar de mim, quando me apetece vir para aqui exorcizar os meus fantasmas! 😀
    Quanto ao resto da história é quase uma reconciliação! 😀
    Saudações também para si e obrigada pela sua visita e por ter feito um comentário, que nos proporcionou mais esta conversa! 😉

  5. Pata Negra Diz:

    A Nazaré não é a terra das sete línguas?! Palecas é que eu não sei o que quer dizer, vou ver: não vem no dicionário. Havia uma velha na minha aldeia que tinha a alcunha Paleca.

  6. Milu Diz:

    Olá, Sua Majestade!
    Não tenho a certeza do que verdadeiramente possa significar a palavra paleca, mas às primeiras impressões, palecas, para os nazarenos, são todos aqueles que vão à Nazaré, para lá deixar o dinheiro!
    Um beijinho!

  7. zé do cão Diz:

    Não querem ver, que tenho duas historias nesta terra.
    Uma, talvez aí a 70 anos, no “Sítio”. A outra cá em baixo na Marginal, aí entre os 20/25 anos.
    Noutras palavras, histórias já com barbas brancas, mas que podem ser actuais…
    beijocas

  8. Milu Diz:

    Zé do cão,
    tive uma fase em que gostava muito de frequentar a Nazaré, porque é uma praia cheia de vida, onde podemos ver personagens muito características, actualmente é raro lá ir, aliás, quase não vou a lado nenhum! Não me apetece!
    Beijinhos.

  9. flordeliz(florbytes) Diz:

    Gostei do nome “palecas” não sei o que é…mas deve ser uma coisa feia ahahahahha
    Vou já ler o resto…

  10. congeminações Diz:

    Tem sido apanágio de quem a visita conhecer certos episódios da sua vida que faz questão de connosco partilhar, opção que assumiu e que tem tido o cuidado de nos lembrar sempre que publica um post sobre permita-me o título retalhos da sua vida. Eu sempre achei que efectivamente aqueles vendedores que calcorreiam muitos metros pisando a areia por vezes bastante quente nas diversas praias cobram uma taxa de serviço demasiado elevada para quem compra o produto mas muito provavelmente será muito baixo para quem vende pois não será muito fácil transportar às costas uma caixa térmica com gelados, águas etc.etc. Eu nunca tive o hábito de comprar nada na praia porque costumava dizer quem vai ao mar avia-se em terra e é isso que normalmente faço. É certo que não dou oportunidade a esses negociantes de ocasião comigo ganharem dinheiro mas repito compreendo que não deve ser nada fácil andar com aquele peso todo às costas cobrando a taxa de serviço que eles cobram.

  11. Milu Diz:

    Olá Raul,

    quando se é jovem escapa-nos muita coisa e uma delas é a injustiça, principalmente quando a injustiça é sobre os outros, todavia, a vida encarrega-se de nos ensinar.

    Uma das razões pelas quais narro aqui alguns episódios da minha vida é o facto de gostar de escrever. Sinto-me bem a escrever! Primeiro, comecei por escrever resumos de livros que ia lendo, mais tarde pensei escrever sobre mim, assim vou ficar com um registo de parte da minha vida, tal como se tivesse escrito um livro, com a diferença que o suporte já não é o papel. Vou gravando em DVDs para ficar para a posteridade. Um dia, os meus netos, se os vier a ter, vão conhecer melhor a avó – aquela ganda maluca! 😀

  12. Milu Diz:

    Flordeliz,

    Julgo que os nazarenos chamam palecas aos forasteiros, mas não sei o que significa nem fui ver, mas estou como tu, não deve ser nada lisonjeiro!
    Um beijinho.

  13. martelo-polidor Diz:

    com certeza! se têm dinheiro para o baton para pintar as beiças tambem podem comprar os gelados…
    acartar com aquela lancheira pela praia fora deve ser tramado, mas comer a carteira é que não nem com gelados…
    abraço

  14. Milu Diz:

    Olá Martelo,

    lá me fizeste rir, ainda bem, depois de uma dia como eu tive, foi o melhor que me podia suceder. Mas como sabia o raio do homem que pintávamos os beiços, se estávamos em plena praia e, portanto, sem maquilhagem? Que diabo! Deduziu, ele fez uma pura dedução! Foi o que foi!
    Todo o trabalho é tramado, mas naquele, ao menos, anda ao ar livre, não está fechado o dia todo entre quatro paredes a ter de olhar para o chefe! Estou a brincar! 😀
    Um abraço.

  15. hermeneuticamente Diz:

    Lindos, paleco(a) é um termo que os nazarenos utilizam para referenciar alguém não natural da terra. Mas desengane-se quem pensar que tem algum significado negativo. Por vezes até chamamos palecos uns aos outros. O presidente da junta de freguesia da Nazaré chama-se precisamente Zé Paleco. Alguém adivinha porquê?

  16. Milu Diz:

    Olá (hermeneuticamente)

    A verdade é que até agora, que finalmente fui esclarecida, tinha a palavra paleca como algo de pejorativo. E porquê? Porque sempre que ouvi, nas minhas visitas à Nazaré, alguém ser tratado por paleca, foi sempre no intuito de servir de ofensa. A primeira vez estava eu com a minha prima num quarto alugado de uma residência particular. Estivemos lá, nessa casa, perto da garagem da Rodoviária, durante 15 dias. Frequentemente ouvíamos a conversa da família à hora das refeições. O homem da casa e chefe da família costumava falar alto e grosso, quantas vezes o ouvi irado e revoltado pronunciar a frase: Aquele paleco… ou: Aquela paleca… seguido de outras interjeições ameaçadoras. Mas agradeço este seu comentário e já agora devo dizer-lhe que espreitei o seu sítio, que me pareceu logo às primeiras impressões deveras interessante e bastante diversificado.
    Não estou a ver o motivo pelo qual o presidente da junta da freguesia da Nazaré é chamado por Zé Paleco! Mas uma razão bem verosímil seria a tentativa de se fazer mais popular ou próximo da população! 😮

  17. Virtu@l Diz:

    Olá…

    Este tipo de episodios é caracteristico da Nazaré. Eu não sou da Nazaré, sou “paleco”, mas durante 9 anos que trabalhei naquela terra, ganhei muitos e bons amigos, que me proporcionaram excelentes momentos.

    O desrespeito pelo turista é uma caracteristica de alguns nazarenos que acham que o turista deve ser explorado, e tentam faze-lo. Por outro lado, muitas familias sobrevivem 1 ano com os rendimentos de 3 meses de verão. Penso que por vezes se esquecem que são esses turistas que os alimentam, e esse tipo de atitude apenas leva ao afastamento do seu sustento.
    Mas, de modo geral, a Nazaré é uma terra tradicional e efectivamente unica e acolhedora.

    Já agora, deixo a definição de PALECO(A) que existe na Wikipédia:

    Paleco é um termo utilizado pela população Nazarena (Nazaré, Portugal) para designar os turistas (portugueses) que os visitam, especialmente na época balnear. O termo deriva da palavra “pileca”. No início do Século XX a grande maioria das pessoas que visitavam a Nazaré eram religiosos que vinham celebrar as festas da Nossa Senhora de Nazaré. Deslocavam-se a cavalo ou de carroça, ou seja, em pilecas. A pronúncia nazarena (pileca, em “nazareno” soa bastante como paleca) aliada ao humor criou assim este termo.

  18. Vera Diz:

    “Palecas” quer dizer “saloias”…

    Vivi na Vieira de Leiria durante uns anos e essse termo é muito comum por aqueles lados.

  19. Milu Diz:

    Olá Vera!

    Saloias? Eu e a minha prima? Ui! Nem pensar! Éramos muito prafrentex! Estou a brincar Vera 🙂 Houve aqui um comentário a este post, não sei se leu os comentários, que nos disse que Palecas era utilizado para os nazarenos se referirem a forasteiros… No entanto, a mim, soa-me a uma classificação pejorativa, não me parece nada simpático, pelo contrário, porque até me parece que gozam com os que lá vão gastar o dinheiro. Posso estar enganada, mas a Vera, por certo, sabe que o significado de uma palavra pode ser percebido pela forma e pelo tom que ela é pronunciada… E é por isso que eu desconfio que essa palavra serve para desconsiderar, tenha ela o significado que tiver 😛 Obrigada pelo seu comentário 😀

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