Às compras na capital
“Os olhos dos outros são prisões; seus pensamentos nossas celas.”
VIRGINIA WOOLF
Depois das férias no Algarve, que me ficaram gravadas na memória mais pelas inolvidáveis madrugadas esfaimadas do que por qualquer outra esconsa ocorrência, viajámos até Lisboa onde chegámos pelo final da tarde. Alugámos um quarto numa pensão próxima da Praça da Figueira, com a intenção de, no dia seguinte, logo pela manhã, corrermos de fio a pavio as lojas da Baixa, onde costumávamos fazer as nossas compras e que se encontravam em plena época dos saldos. Naquele tempo, ainda não existiam os grandes centros comerciais como por exemplo o Colombo e o Vasco da Gama, nem tão-pouco as marcas de roupa que hoje por aí proliferam como cogumelos. Era, portanto, nas lojas das imediações da Praça da Figueira, do Rossio, Chiado e pela rua Augusta fora, que fazíamos as nossas compras. Roupa, claro, que esperavam que fosse, sendo nós, umas saudáveis miúdas? A nossa preferência era os Porfírios, cujos modelos se destacavam pela originalidade e irreverência. Sem dúvida, um tipo de roupa especialmente direccionada para os jovens. Lembro-me que até nos chamavam futuristas, devido à nossa forma de vestir. Também gostávamos de ir à Casa Africana, outra loja, igualmente vocacionada para a gente nova. Antigamente era assim, se queríamos algo de diferente tínhamos de nos deslocar à capital, dizia-se nesse tempo que “Lisboa é Portugal e o resto é paisagem”. E, de facto, assim era. Felizmente que deixou de ser. Julgo que os jovens de hoje não conhecem esta expressão.
Durante toda a manhã andámos numa fona, tão profundamente absorvidas nas nossas compras, actividade que para nós era de vital importância, que nem estranhámos o facto de andar por ali um helicóptero a rasgar os ares, sobrevoando a zona a baixa altitude, nem nos fez grande confusão que as pessoas andassem de nariz no ar, perscrutando os céus. Fosse o que fosse, que se lixasse. Tínhamos mais com que nos entreter. Oh, se tínhamos! Chegada a hora do almoço e porque a maioria das lojas fechava a essa hora, decidimos dar-nos a umas tréguas e sentámo-nos na esplanada da Pastelaria Suíça. Enquanto nos deliciávamos com uns refrescos de café , fomos abordadas por dois indivíduos que se haviam sentado numa mesa ao lado da nossa. Um deles, pediu-nos lume para acender o cigarro, e, muito naturalmente, logo ali houve lugar para dois dedos de conversa, na qual ficámos a saber que eram empregados bancários e que estavam na hora do almoço. E porque continuávamos a constatar o comportamento insólito das pessoas, perguntámos se sabiam o que se passava, porque parecia que andava tudo doido, a olharem para o ar com cara de caso. Surpreendidos ficaram, quando concluíram que as duas mocinhas, não sabiam que estava a acontecer uma catástrofe, apesar de se encontrarem no epicentro da mesma. Meio apalermados e um tanto incrédulos, disseram-nos, então, que os armazéns do Grandela e do Chiado estavam a ser devorados por um intenso fogo.
E foi nesse preciso momento, que eu e a minha prima, fizemos aquilo que durante toda a manhã tínhamos visto fazer a tantas pessoas, que connosco haviam cruzado. Olhámos para os céus. Finalmente, reparámos uma coluna de fumo negro!
Pela tarde retomámos a nossa cruzada, ou seja, as compras, mas, entretanto, fizemos um intervalo na demanda para nos sentarmos numa esplanada, que se situava defronte a uma das fachadas envoltas pelo fogo, embora um pouco distante, entretidas a observar a azáfama dos bombeiros, enquanto íamos saboreando uma deliciosa taça de gelado com chantilly. Ali estivemos, descontraídas, na boa, tal como quem está na plateia de um cinema. À noite saímos de Lisboa e viemos para casa, contávamos surpreender e impressionar a família com o nosso relato do fogo, aquele dantesco espectáculo, a que havíamos assistido em carne e osso. Afinal todos tinham visto, bem melhor do que nós, apesar da distância. Tudo porque a equipa de reportagem da televisão não estava submetida ao cordão de vedação que impunha a segurança. Ora bolas! Vá lá, valeram-nos os saldos…
Julho 1st, 2009 as 9:30
Que vida…E que bela ela é.
Nesse preciso momento em que comiam o seu geladinho, encontrava-se o Zé em Braga, em casa de um senhor idoso, que já faleceu, e me ofereceu um “Cavaquinho”feito com as suas mãos e que mais tarde outras mãos o levaram para sempre.
Ele abriu a televisão e fiquei atónito a olhar aquele espectáculo dantesco, a olhar as ruas do Carmo, a rua Nova do Almada, a Garret, serem consumidas pelo fogo, ruas que calcorreei anos a fio, onde tinha os meus amigos da casa Carrasco, do Valentim de Carvalho, da Ferrari…
Na sala havia um espelho enorme sobre um móvel e vi a minha imagem com o cavaquinho na mão, lembrando-me o “Nero”….
Julho 1st, 2009 as 10:22
Olá Zé,
pela parte que me toca foi uma vida boa, pois foi! E ainda continua a ser, basta que viva à minha maneira, da forma como eu concebo que devo viver, para ser feliz, porque se assim não for, não vale a pena por cá andar! Também tenho os meus maus momentos, mas se não tivesse era anormal, visto que todos temos as nossas angústias existenciais. Faz parte!
Ó Zé, que boas recordações deves de ter, além de me pareceres ser um poço de conhecimento! Bem me lembro, também, de subir e descer a rua do Carmo nas minhas andanças pelos saldos, e cheguei a fazer compras quer no Grandela, quer nos armazéns do Chiado, embora fossem artigos para a casa. Fez-me impressão saber que tudo aquilo estava a ser consumido pelo fogo! Também costumava ir à loja Martins e Costa, na Rua do Carmo, que vendia uns produtos diferentes, comprava lá um queijo de que gostava muito, também tive lá uma situação, breve mas um bocado marota! Talvez um dia a conte, só para me rir! E os armazéns do Conde Barão, lembras-te?
Tempos que já não voltam mais! Mais um pouco e ainda faço aqui uma canção! 😀
Eheheh, essa imagem de ti como se fosses o Nero, de cavaquinho em riste, a ver Lisboa em chamas é mesmo tua, muito espirituosa!… 😀
Julho 1st, 2009 as 11:23
Olá!
A blogagem da Aldeia da Minha Vida foi um grande sucesso, graças à sua participação e divulgação.
Convido-o(a) a participar na próxima blogagem de Julho “ Férias na Minha Terra”.
É uma oportunidade única para demonstrar a todos que vale a pena passar férias no nosso país, especialmente na nossa querida terra, seja ela aldeia, vila ou cidade.
Inscreva-se e mande o seu texto até 7 de Julho para o seguinte e-mail: aminhaldeia@sapo.pt
Para premiar a sua participação, vamos atribuir ao melhor post um fantástico prémio e ao melhor comentário também.
Muito obrigado pela sua atenção!
Votos de um feliz dia!
Susana Falhas
Julho 1st, 2009 as 16:31
Senti-me transportada para esse tempo, também eu cliente assidua dos porfírios e da casa africana…
Ainda continua a ser interessante um passeio pela baixa, ao fim de semana é uma maravilha e o chiado ágora restaurado não deixa de ter os seu encantos.
Bjs
Julho 1st, 2009 as 18:05
E eu ia no carro para o trabalho, com a minha mulher, quando me apercebi. Mas as meninas não tinham olfato?
Beijinhos
Julho 1st, 2009 as 18:06
“olfacto”, faxafavor!
Julho 1st, 2009 as 21:57
Olá Susana,
na verdade tenho algumas recordações de férias na minha terra. Vou tentar escrever sobre isso, se gostar do resultado, então, terei muito gosto em participar!
Um beijinho.
Julho 1st, 2009 as 22:05
Lilás,
então também gostavas dos Porfírios! Eu comprava lá imensa roupa, alguma destinava-se a ocasiões especiais, por exemplo quando ia de férias para a praia, gostava de usar roupa apropriada, alegre, descontraída e de cores vivas, a combinar com o bronzeado!
Beijinhos.
Julho 1st, 2009 as 22:10
Ó Lino,
essa pergunta é pertinente! Pois não tenho a mínima ideia se demos por algum cheiro a queimado, provavelmente não, se não me lembro! Como isso foi possível ainda menos sei, o certo é que apenas soubemos do fogo, quando nos foi dito na esplanada da Pastelaria Suiça! Por aqui se vê o quanto andávamos embrenhadas e apenas preocupadas com as nossas compras!
Beijinhos.
Julho 2nd, 2009 as 22:04
As minhas férias tinham terminado, nesse dia estava a trabalhar, só tomei consciência da situação à noite…
Julho 2nd, 2009 as 23:20
Olá António,
eu e a minha prima só queríamos saber de lojas, estou convencida que, se não tivéssemos sabido na altura em que soubemos, ou seja, à hora do almoço, só viríamos a tomar conhecimento do fogo quando nos dirigíssemos para lá, para os armazéns, tal era a cegueira nas compras… dos trapos! 😉
Julho 3rd, 2009 as 1:35
Eu estava em Caminha de Férias e era um burburinho enorme frente aos televisores sobre o assunto. E tu lá e não ligas?!
Claro que se tivesses ido aos armazéns às compras vias as chamas de certeza!
As duas juntas deviam ser frescas, deviam!ahahah
Beijo
Julho 3rd, 2009 as 9:42
Vocês estiveram efectivamente apostadas nas vossas compras de renovação ou ampliação do vosso roupeiro que mal de aperceberam dum acontecimento nacional que tocou profundamente quer os lisboetas que perderam um dos seus lendários estabelecimentos comerciais, quer julgo duma maneira geral os portugueses pois poucos haveriam que não conheciam os grandes armazéns do Chiado.
Julho 3rd, 2009 as 10:39
Olá Flordeliz,
as compras eram mais aliciantes! Aos vinte anos há muitas coisas que nos passam ao largo, bem vejo isso, através do meu filho. Os jovens vivem num mundo restrito, que é o deles, e até acho bem, têm muito tempo pela frente para se aperceberem dos males do mundo, do sofrimento, de tudo! Não tenho saudades daqueles tempos em que fui jovem, gosto de viver o tempo e a minha idade actual, contudo, sinto-me feliz por ter tido a juventude que tive. Se hoje sou uma mulher que se sente bem, uma das razões foi porque tive as coisas certas na idade certa! Hoje, só quero papas e descanso, quase! 😉
Um beijinho.
Julho 3rd, 2009 as 10:59
Olá Raul,
é verdade! O incêndio dos armazéns do Grandela e do Chiado não perturbaram de modo algum a nossa correria nas compras, queríamos lá saber, as nossas preocupações eram outras e muito próprias da nossa idade. No fundo, esta situação espelha muito bem o espírito da juventude.Foram bons tempos!