A voz de todas
“Há algo nas mulheres”
Holly Near
Eis-me uma vez mais na luta pela libertação da mulher, alguns dias depois de se ter tornado público, através das redes sociais, que a Porto Editora tinha lançado no ano de 2016, dois manuais de actividades com conteúdos diferentes, consoante se destinassem para meninas ou para meninos. Ver aqui e aqui e aqui . De acordo com quem teve a oportunidade de verificar os manuais, estes têm conteúdos susceptíveis de serem considerados como veículos de perpetuação de estereótipos com base no género. Ver aqui
Consta-se que, por exemplo, uma das actividades propostas apresenta-se com cenários diferentes. Enquanto que, para os rapazes, o espaço para desenvolver a actividade é na rua, para as meninas é em casa, a ajudar a mãe a fazer um bolo. Ora já estamos a ver o cenário! Mas também é justo que se pergunte: quantos (as) de nós estão verdadeiramente preparados, leia-se capacitados (as) para perceber a mensagem aqui implícita, o estereótipo afinal?
E, porque não foi feito ao contrário, com os rapazes a ajudarem a mãe na cozinha?? Isso sim, seria combater os estereótipos que apenas têm servido para desvalorizar a mulher. Temos é de estar atentos e atentas, ou um dia destes, ainda voltamos ao tempo em que a mulher tem de pedir autorização ao marido para poder trabalhar fora de casa, ter o seu emprego, a sua independência, o seu amor-próprio… Ressalvo que, todos os que se preocupam minimamente em acompanhar os acontecimentos a nível mundial, já repararam com certeza, que alguns deles são bem estranhos e que ninguém esperava que acontecessem!…
E, como vem sendo apanágio deste blog, trago-vos mais um contributo para esta luta sem tréguas, desta feita com excertos do livro “Cantando a plenos pulmões”, porque o cantar é libertador, das autoras Cláudia Bepko & Jo-Ann Krestan.
“ELA É O SUJEITO”
“Com as histórias da criatividade feminina tão escondidas, com a paixão tão suprimida nas nossas vidas, é difícil imaginar que a maioria de nós possa ter a coragem de definir e de procurar o que nos move. As mulheres não podem começar a pensar em mudanças se não tiverem acesso à história das mulheres que desafiaram o estereótipo cultural e ousaram moldar as suas próprias vidas. Só vendo o que realmente uma mulher experimentou nas profundezas da sua dor subjectiva podemos perceber as restrições por que passou e os significados secretos que dá à sua própria experiência. Só através deste género de acesso podemos sentir conexão, empatia e identificação. O género de coragem necessária para lutar contra as convenções e definir o que nos deixa apaixonadas não pode existir no isolamento. Nós precisamos de vozes de apoio das nossas companheiras para ficarmos mais fortes. Até ao desenvolvimento da pesquisa feminista e da nova perspectiva que ganhamos durante o movimento feminista, ainda não possuímos realmente um contexto para compreender a nossa própria experiência, porque as histórias feministas não estavam a ser contadas e tão-pouco podiam ser ouvidas” (BEPKO & KRESTAN, 1993: 81).
“Devemos lembrarmo-nos de que foi só nos anos 20, (…) que as mulheres conquistaram o direito de voto [26 de agosto de 1920, três quartos dos legislativos estaduais ratificam a Décima Nona Emenda. As mulheres americanas ganham pleno direito de voto]. Um grande número de mulheres também entrou na força de trabalho nos anos 20 e uma imagem emergente da independência feminina estava em ascensão.
No final dos anos 20, começou a surgir uma ênfase renovada na domesticidade, embora as mulheres continuassem a trabalhar durante os anos 30 e 40. Nos anos 50, a domesticidade tornar-se-ia mais uma vez a imagem principal da mulher e as mulheres voltaram para casa. Esta ida e vinda parece-se bastante com o início dos anos 90, quando as mulheres, depois de uma luta árdua nos anos 70 e 80 para penetrar em campos profissionais antigamente dominados pelos homens, acabaram por desistir das suas carreiras para seguir o “caminho da mãe”, ou para ter filhos.
Nos anos entre as décadas de 1920 e de 1990 o mundo testemunhou outro movimento dialéctico que afectou os homens e as mulheres de igual modo. O manso conformismo dos anos 40 e 50 deu lugar a uma raivosa turbulência de rápidas transformações sociais que marcaram as décadas de 1960 e de 1970.
Estes avanços e recuos, no entanto, representaram um movimento relativo dentro de um compartimento histórico que impunha certos limites. Mudanças nos papéis das mulheres só podiam avançar até certo ponto; a mulher ainda não construíra a sua experiência enquanto sujeito. Movimentos rumo à independência para as mulheres casadas foram rotulados como «tem sorte que ele a deixe fazer isso».
As regras relativas aos papéis femininos podiam ser mexidas, alteradas e até mesmo abandonadas, mas não se questionava quem fazia as regras e até mesmo qual seria a linguagem que descreveria a experiência. A mudança parecia ser definida sobretudo pelas necessidades económicas. Sempre que a economia precisasse de colaboradores, as mulheres deixavam o lar. Quando a economia oscilava, as mulheres voltavam para casa.
Na década de 1990 uma mulher podia votar, podia participar na direcção de uma firma, podia ter mostras individuais do seu trabalho ou ver os seus romances, poesias e ensaios publicados pelos grandes gigantes da Imprensa. Mas a aparência de mudança era maior do que a realidade da mudança. Ela ainda não se elegia com frequência para cargos públicos, ainda não ultrapassara o «telhado de vidro» para se tornar presidente com frequência, nem conseguia os preços de um Rauschenberg ou de um Picasso pelo seu trabalho. E nesta década, o que ainda não conseguiu foi caminhar nas ruas livre da violência masculina, tornar-se Presidente da república, ou até mesmo ter como garantido o direito de controlar o seu próprio corpo ou o de conseguir que a sua pensão seja paga.
Ainda não pode ver um filme que retrate a sua experiência de maneira adequada ou consistente com a experiência subjectiva da vida. Tem dificuldades em livrar-se da culpa, do conflito e da vergonha de não sorrir. O que ela ainda não conseguia fazer foi saber por conta própria o que significa amar ((BEPKO & KRESTAN, 1993: 66-68).