Auguste Comte

Publicado por: Milu  :  Categoria: Auguste Comte, REPOSITORIUM

Comte

Na saga do  meu propósito de construir um Repositorium de textos sobre Sociologia, apresento desde já o primeiro post de outros que se lhe seguirão, nos quais serão expostas algumas classificações das sociedades, de acordo com critérios que diferentes autores utilizaram para as comparar e para lhes determinar o estádio de desenvolvimento na evolução social.

Informo também que poderá aceder aos posts sobre Sociologia, procurando o separador onde diz REPOSITORIUM, na faixa esquerda deste blog.

 

 

AUGUSTO COMTE:

O ESTÁDIO DOS CONHECIMENTOS

Augusto Comte (1798-1857) é geralmente considerado o pai da sociologia, porque foi o primeiro a designá-la com este nome, depois de lhe ter chamado «física social», e sobretudo porque apresentou a primeira formulação sistemática da sociologia” (…) (p. 20).

“Três princípios de base”

“Na base da sociologia de Comte existem três princípios que a esclarecem inteiramente. Em primeiro lugar, segundo Auguste Comte, não é possível compreender e explicar um fenómeno social particular sem o repor no contexto social global a que pertence, como não é possível em biologia explicar um órgão e as suas funções sem os considerar relativamente ao organismo inteiro.

Este princípio do «primado do todo sobre as partes» aplica-se à análise daquilo a que Comte chama a «ordem espontânea das sociedades humanas», que constituiu o objecto da «sociologia estática»; aplica-se também – e é isto que aqui nos interessa mais particularmente – à sociedade histórica, à evolução das sociedades no tempo, objecto da «sociologia dinâmica». De facto, a sociedade de uma determinada época só se compreende e só se explica relativamente à sua história, melhor ainda, relativamente à história da humanidade. A sociologia de Comte é pois necessariamente uma sociologia comparada, cujo quadro geral é a história universal.

O segundo princípio exige que alinha directiva da história humana seja dada principalmente pelo «progresso dos conhecimentos». O homem age segundo os conhecimentos de que dispõe; as suas relações com o mundo e com os outros homens dependem do que ele conhece da natureza e da sociedade. Não pode dizer-se exactamente que são «as ideias que movem o mundo»; são antes os conhecimentos e mais precisamente os modos de conhecimentos que constituem o elemento dominante da história. Se não podemos falar de um determinismo dos conhecimentos em Comte, segundo ele, não deixa no entanto de existir uma coerência necessária, porque lógica, entre o estádio dos conhecimentos e a organização social. Mais adiante veremos o como e o porquê do que acabamos de referir.

Por fim, o terceiro princípio, «o homem é o mesmo por toda a parte e em todos os tempos», é devido à sua constituição biológica e particularmente ao seu sistema cerebral. É pois natural que por toda a parte a sociedade evolua da mesma maneira e no mesmo sentido e que a humanidade inteira esteja em marcha para um mesmo tipo de sociedade mais avançada” (pp. 20-22).

“A «lei dos três estados»”

“Expostos os três princípios, será mais fácil compreender a classificação das sociedades estabelecidas por Auguste Comte. Uma lei histórica que Comte dizia ter descoberto fornece-nos a chave desta classificação: é «a lei dos três estados», segundo a qual o progresso dos conhecimentos humanos se realiza através de três estádios ou estados:

  1. «o estado teológico», no qual o homem explica as coisas e os acontecimentos atribuindo «quer às próprias coisas quer a seres e a forças sobrenaturais e invisíveis a sua própria natureza, os seus sentimentos, as suas paixões, etc. Quando é às coisas que o homem empresta vida e acção o pensamento diz-se «fetichista«, fase inicial do estado teológico; depois o homem confere determinados traços da natureza humana (virtudes, vícios, motivações, etc) a potências sobrenaturais e então surgem sucessivamente o politeísmo e o monoteísmo;
  2. – «o estado metafísico», caracterizado pelo recurso a entidades abstractas, a ideias graças às quais se acredita poder explicar a natureza das coisas e a causa dos acontecimentos; estas unidades abstratas são então tratadas como verdadeiros agentes ou pessoas, o que leva Comte a dizer que elas substituem as potências sobrenaturais do estado teológico;
  3. – «o estado positivo», no qual o homem procura, através da observação e do raciocínio, apreender as relações necessárias entre as coisas e entre os acontecimentos e explicá-las pela formulação das leis. Este estado diferencia-se totalmente dos dois precedentes, antes de mais porque o homem se torna mais modesto e renuncia a conhecer a natureza íntima das coisas e as causas primeiras e últimas, e depois porque os conhecimentos se tornam eficazes para assegurar ao homem o domínio e o controlo do universo. Aos olhos de Comte, o estado positivo é, evidentemente, o estado superior que cada homem, cada ciência e a humanidade inteira  acabarão por atingir” (p. 22).

(…).

“A evolução das ciências mostra-nos de facto como cada uma delas alcançou a maturidade, libertando-se progressivamente das considerações teológica e metafísicas para se tornar positiva” (p. 23).

(…).

“Necessidade de uma nova ciência: a sociologia”

“Para completar o quadro das ciências, falta agora criar uma verdadeira ciência positiva do homem, da história humana e da sociedade uma «física social» ou sociologia. A ausência desta ciência explica a actual anarquia social; pois se hoje o homem conhece suficientemente a natureza para a dominar e a controlar, encara ainda a sociedade e a história de uma forma teológica e metafísica. É portanto necessário fazer triunfar definitivamente o reino da razão positiva neste último bastião da teologia e da metafísica que é o conhecimento  do homem e da sociedade; será esta a única maneira de assegurar à história humana uma direcção fundada já não na ficção e na imaginação, características do estado teológico  e metafísico, mas num conhecimento científico das leis sociais, na previsão e numa acção eficaz. Através da sociologia, Comte propõe aplicar aos fenómenos sociais o adágio «saber prever; prever para agir», que assegura já ao homem um certo domínio da natureza.

Tais são, para Auguste Comte, os fundamentos teóricos e práticos da nova ciência das sociedades. A sociologia tem portanto uma dupla vocação: contribuirá para o progresso dos conhecimentos completando o quadro das ciências positivas; favorecerá a passagem definitiva da sociedade e de toda a humanidade ao estado positivo. A sociologia surge, a Comte, simultaneamente como conhecimento e acção; mais exactamente, será acção porque será conhecimento. (…). Caberá portanto à sociologia fornecer o homem, com um conhecimento mais exacto dos mecanismos da sociedade e do sentido da história, o instrumento necessário para tomar em mãos o seu próprio destino.

Isto surge a Comte tanto mais correcto quanto a história passada nos ensina que a cada estádio dos conhecimentos está ligado um tipo particular de sociedade. «A evolução das sociedades, com a dos indivíduos e dos conhecimentos, obedece à lei dos três estados». Porque resume o progresso dos conhecimentos, esta lei é a grande lei da história. Daqui resulta que Comte distinga três tipos principais de sociedades, correspondentes aos três estádios dos conhecimentos (pp. 23-24).

“A sociedade militar”

“Quando os conhecimentos eram de predominância teológica, a sociedade era do tipo militar. Existe de facto uma afinidade profunda entre o modo de conhecimento teológico e a sociedade militar; ambos são fortemente autoritários e hierarquicamente unificados. Assim, na origem da humanidade e durante muito tempo, também os chefes políticos eram investidos de um carácter sagrado e até sacerdotal que lhes assegurava, bem como ao clero, um poder absoluto e total. Nos casos em que eram  distintas, a autoridade civil e a autoridade religiosa entravam frequentemente em conflito; mas podemos notar que, apesar disso, apoiavam-se e sustentavam-se sempre mutuamente.

A sociedade militar de espírito teológico, e por natureza anticientífica, era necessariamente agrícola, baseada na propriedade e na exploração do solo. A sua célula central era a família, principal unidade económica através da qual se transmitia não só a propriedade dos bens,  mas também o poder político e até o poder sacerdotal. (…)” (p25).

“A sociedade dos legistas”

“Ao estádio metafísico dos conhecimentos corresponde a «sociedade dos legistas“. Esta caracteriza-se por uma distinção nítida entre o poder espiritual e o poder temporal e pela independência progressiva deste último em relação ao primeiro. O enfraquecimento da autoridade religiosa é proveitoso para a autoridade civil, cujos poderes aumentam. As noções de Estado e de pátria tornam-se preponderantes; a antiga unidade assegurada pela autoridade religiosa desintegra-se. Surgem então dois grupos de homens que vão contribuir fortemente para definir e expandir as funções e o poder do Estado: são os ministros, a quem os reis deverão delegar uma parte crescente da sua autoridade, e os diplomatas que estabelecem e manipulam as relações entre os Estados. Ministros e diplomatas adquirem a sua autoridade em detrimento dos generais que passam a estar submetidos ao poder civil.

Mas o que acima de tudo caracteriza este tipo de sociedade é o facto de ela constituir uma «idade crítica». Na ordem dos conhecimentos, o estado metafísico é uma etapa transitória, uma fase crítica que serve para pôr em questão os preconceitos religiosos estabelecidos, para os denunciar, e para preparar assim um estádio positivo. Este último estádio não poderia surgir directamente do teológico sem esta crítica.

O mesmo se passa com a evolução social. A sociedade dos legistas serve para quebrar o império e a unidade da sociedade teocrática; é um período de desorganização, marcado por crises, revoluções. Mas tudo isto é necessário porque a sociedade positiva não poderia suceder imediatamente à sociedade militar, fundamentalmente religiosa, anticientífica e autoritária. Na história ocidental, o período crítico surgiu no século XIV, durou cinco séculos e deu lugar à Revolução Francesa, ao parlamentarismo e às nações modernas” (pp. 25-26).

“A sociedade industrial”

“A sociedade de transição dos legistas preparava a terceira etapa, em que a humanidade se encontra actualmente, a da «sociedade industrial”, correspondente ao estado positivo dos conhecimentos. As ciências positivas aplicadas à ordem  natural juntamente com o aparecimento da indústria estão em vias de transformar as condições de trabalho. (…). É através da indústria, e também pelo ensino das ciências positivas, que a mentalidade positiva se divulgará, provocando uma transformação radical das mentalidades” (p. 26).

“O pensamento social de Comte”

“A evolução da sociedade industrial que Comte previa no começo do século XIX era profundamente diferente da que anunciavam os socialistas do seu tempo: Saint-Simon,Prodhon, Marx e Engels. Comte não acreditava que a desaparição da propriedade privada fosse uma ideia cientificamente válida e demonstrável; também não acreditava que essa desaparição pudesse implicar a formação de uma sociedade igualitária. Além disso, Comte não era um liberal, não partilhava o optimismo dos economistas que atribuíam à livre concorrência virtudes providenciais e mágicas.

Com efeito, Comte é já «o homem da organização». Anuncia a burocratização da sociedade industrial; prevê o papel crescente dos tecnocratas da indústria e do poder político; mais ainda, toma inteiramente partido por uma sociedade organizada segundo a racionalidade dos planificadores e dos organizadores. A sociedade industrial de Comte é afinal «o Plano»” (pp. 28-29).

“Influência da Sociologia de Comte”

“Ao contrário do que acontece relativamente às obras dos sociólogos socialistas, a obra de Comte não se inscreve numa corrente ideológica e militante. Contudo, ela não é por isso menos importante. Foi Comte quem primeiro expôs e sistematizou uma sociologia científica. A sua sociologia era sem dúvida exclusivamente influenciada pelo modelo das ciências da natureza; está também demasiado marcada pela reflexão filosófica o que contribui para fazer dela uma sociologia da humanidade, mais do que das sociedades concretas; por último, Comte atribui à sociologia funções sociais excessivas. Porém, viu bem que a mentalidade técnico-científica passaria das ciências da natureza para as ciências humanas e sociais e que a sociedade industrial recorreria largamente a estas últimas.

Depois, Comte foi o primeiro sociólogo a analisar em profundidade a sociedade industrial. Esta não lhe surgiu como uma sociedade burguesa ou capitalista como aconteceu com os sociólogos socialistas; foi a sociedade industrial, como tal, que ele procurou compreender e cujo futuro quis desenhar. Deste ponto de vista, uma longa tradição ininterrompida liga Comte à sociologia contemporânea.

“Quanto às suas previsões no que toca à sociedade industrial, a história nem sempre lhe deu razão. Auguste Comte não analisou bem as hipóteses de sobrevivência da ideologia nacional; não soube medir o papel que o Estado iria desempenhar; exagerou o alcance histórico e a moral de instrução, a sociedade industrial não trouxe enfim a paz que ele esperava. Todavia previu o impacto do espírito técnico-científico na mentalidade e na organização social da sociedade industrial; apercebeu-se da secularização da sociedade industrial; compreendeu as tendências organizadoras inerentes a este tipo de sociedade e predisse o lugar que ocupam hoje os tecnocratas” (pp. 29-30).

 

Bibliografia

ROCHER, Guy. (1999). Sociologia Geral – A Organização Social. Editorial Presença. Lisboa. pp. 20-30.

 

 

 

Organização social

Publicado por: Milu  :  Categoria: Organização social, REPOSITORIUM

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Vem este primeiro post abrir caminho para a criação de um Repositorium de textos de Sociologia, uma ciência que se tornou uma das minhas paixões, precisamente quando comecei a  aprofundar os  meus conhecimentos sobre Sociologia da Família. E, sempre que eu descubro algo que me faz entender o mundo, os fenómenos sociais que me rodeiam, o  meu primeiro impulso, a que mal consigo resistir, é o de querer partilhar com o outro.

Entendo que se é bom para mim, também é bom para os demais.

Ora bem! Comecemos pela definição de Organização Social. Chamo a atenção para o facto de que estes excertos do livro citado na bibliografia são resumos, retiro apenas o que entendo ser suficiente para a apreensão e compreensão dos conceitos e das teorias. As referências, que tive o zelo e o rigor de observar, têm também o fim de permitir que o conteúdo deste post  possa ser utilizado em trabalhos académicos.

♦♦♦

“Chegou pois a altura de alargar a nossa visão da acção social situando-a agora num contexto mais vasto do que o da simples cultura, quer dizer, no contexto da organização social total” (p. 7).

“CULTURA, ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL”

“Insistimos na necessidade de distinguir na acção social a camada (palier) das condutas dos actores e a camada (palier) dos conjuntos sociais ou das colectividades. O estudo da organização social situa-se à primeira vista ao nível macrossociológico dos conjuntos sociais; torna-se então necessária uma segunda distinção entre os «elemento culturais» de uma colectividade por um lado e aquilo a que chamaremos aqui os seus «elementos estruturais» por outro” (p. 8).

“ELEMENTOS CULTURAIS”

“Para compreender o significado destes termos, partamos de um exemplo concreto, da universidade. A acção dos diferentes actores que povoam e compõem uma universidade inspira-se num universo «cultural» característico de todas as universidades e simultaneamente próprio a cada uma delas. Estes actores têm, antes de mais, em comum determinados valores: respeitam o conhecimento nas suas diferentes formas, atribuem um valor à investigação, dão apreço ao trabalho intelectual. Estes ideais não têm o mesmo peso na vida de cada professor, de cada estudante e de cada universidade; mas não deixam de ser valores a que em qualquer universidade se aspira” (p. 8).

“ELEMENTOS ESTRUTURAIS”

“ (…) tudo o que compõe o universo «cultural» da universidade, é apenas um aspecto da totalidade da vida universitária. A análise concreta de uma universidade revelar-nos-á muitos mais elementos, estes «não culturais»:

1- Actividades ou tarefas: Assistências a aulas, participação em seminários ou em trabalhos práticos de laboratório, redacção, pesquisa bibliográfica na biblioteca, recepção dos visitantes, reuniões de comissões, etc;

2- Cada uma destas actividades individuais e colectivas adquire um sentido, relativamente à contribuição que traz às funções ou aos objectivos da universidade, através daquilo que se chama a «divisão do trabalho», pela qual se definem os estatutos e os papéis (…);

3- A realização destas tarefas variadas implica a criação de grande número de canais de relações sociais (rapports sociaux) (…);

4- Estes canais de relações sociais (rapports sociaux) e a divisão do trabalho formalizam-se em «quadros organizados» a que se chamam faculdades, departamentos, secções, institutos, serviços administrativos” (…);

5- (…);

6- As relações sociais (rapports sociaux) inscrevem-se no quadro de diversas «hierarquias», constituídas pelo escalonamento dos níveis de autoridade, dos títulos e estatutos, dos grupos, etc” (…);

7- As relações sociais (rapports sociaux) no seio da universidade podem ser marcadas pela colaboração, mas podem também comportar uma parte de competição, de concorrência entre actores ou entre grupos de actores (…);

8- As actividades dos diversos actores da universidade, e canais de relações sociais que se organizam, dependem em parte de diferentes «condições físicas ou materiais». Não é indiferente que a universidade tenha dois mil ou trinta mil estudantes, que o «campus» seja extenso ou restrito, que os edifícios sejam concentrados ou dispersos numa superfície vasta, que sejam novos ou antigos, que estejam situados no centro de uma grande cidade ou no campo (…);

9- A universidade tem exigências financeiras e tem de contar com fontes de financiamento determinadas (…);

10- Uma universidade situa-se também no tempo, que lhe confere uma «idade». A organização de uma universidade e as respectivas actividades poderão variar se ela for nova ou antiga, simultaneamente rica e pesada de tradições;

11- O meio em que a universidade se encontra condiciona a sua vida. Esta poderá variar pelo facto da universidade se encontrar num país industrializado ou numa nação jovem em vias de desenvolvimento, pelo facto de estar rodeada de outras instituições universitárias ou por estar isolada, pelo facto de se inscrever num regime político totalitário ou democrático, etc” (pp. 9-11).

“ESTRUTURA E CULTURA”

“Todos estes aspectos da vida universitária, que definem, condicionam, determinam ou enquadram a acção social dos actores, não podem no entanto ser assimilados àquilo que se identifica como sendo a cultura da universidade. Agrupam-se geralmente sob a expressão «elementos estruturais» da organização social. Se as definições de cultura abundam em sociologia e em antropologia, é no entanto bastante difícil encontrar uma definição satisfatória dos elementos estruturais. Os autores limitam-se geralmente a uma enumeração mais ou menos longa, como a que acabámos de fazer, e como o faz também o sociólogo canadiano Fernand Dumont na passagem seguinte: «A sociologia, assim como a antropologia, hesita constantemente em torno de uma distinção fundamental entre «estrutura e cultura», sem ter ainda conseguido chegar a qualquer delimitação precisa. Por um lado, sob a figura da estrutura, a realidade social é considerada como uma forma objectiva em que os dados demográficos e económicos, alguns aspectos da organização social (os que, por exemplo, se traduzem por estatutos e papéis) (…). Por outro lado, sob imagens assumidas pela noção de cultura, a realidade social apresenta-se como configuração espiritual ou «consciência colectiva», como um universo mental no qual os indivíduos participam e pelo qual são definidos” (pp. 11-12).

“Note-se que poderíamos ainda classificar estes elementos estruturais em dois subgrupos distintos: os elementos «morfológicos» e os elementos «estritamente sociais». Emile Durkheim e os seus discípulos, sobretudo Marcel Mauss e Maurice Halbwachs, empregaram a expressão «morfologia social» ou ainda «substrato morfológico» para designar «a massa dos indivíduos que compõem a sociedade, a maneira como eles estão dispostos sobre o solo, a natureza e a configuração das coisas de toda a espécie que afectam as relações colectivas». Os elementos morfológicos da universidade seriam pois os que enumerámos atrás na alínea 8, 9 e também em parte da alínea 11. Os elementos estritamente sociais são todas as modalidades de disposição das relações sociais em agrupamentos, organizações, associações, hierarquias, em canais de colaboração, de competição, de conflito, etc” (p. 12).

“DEFINIÇÃO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL”

“Para além desta subdivisão, o que pretendemos pôr em evidência é que todos estes elementos a que chamámos estruturais fazem parte da vida colectiva da universidade e contribuem para a organização desta em estreita ligação com os elementos culturais. Elementos estruturais e elementos culturais estão intimamente ligados e em interacção constante; a cultura reflecte elementos estruturais, inspira-se neles para criar modelos, símbolos, sanções, para precisar o conteúdo normativo de papéis; os elementos estruturais, por seu lado, obedecem em certa medida às representações, valores, ideologias, aos símbolos da cultura, ao mesmo tempo que podem condicioná-los ou mesmo resistir-lhes ou contrariá-los.

Se, para análise, é necessário saber distinguir entre elementos culturais e elementos estruturais, é preciso também poder, com vista à síntese, discernir-lhes a interpretação, revelar-lhes as interacções. Porque afinal é da síntese dos elementos culturais e estruturais que surge aquilo a que chamamos a «organização social» de uma colectividade, que definiremos neste momento como a disposição global de todos «os elementos que servem para estruturar a acção social, numa totalidade que apresenta uma imagem, uma configuração particular, diferente da suas partes componentes e diferentes também doutras combinações possíveis».

Assim, pode dizer-se da universidade (em geral) que ela apresenta uma organização social que a distingue de outros tipos de coordenações da acção social (fábrica, família, tribunal); pode também dizer-se que uma determinada universidade (a Universidade de Harvard, a Universidade de Paris, a Universidade de Montreal) tem uma organização social que a caracteriza e lhe dá uma identidade própria, distinta da das outras universidades.
O exemplo utilizado é excelente para ilustrar a distinção dos elementos culturais e dos elementos estruturais e a sua síntese numa organização social. No entanto, o mesmo processo de análise e o mesmo esquema teórico podem aplicar-se a qualquer outra colectividade: a fábrica, a cidade, a região, a classe social, a profissão, a família, o parentesco, a sociedade global apresentam uma organização social no sentido atrás definido, na qual os elementos estruturais e os elementos culturais se entremeiam” (pp. 12-13).

(…) esta parte é precisamente consagrada ao estudo da organização social. O que equivale a dizer que atingimos declaradamente a camada macrossociológica. E para nos situarmos a este nível (palier) da maneira ainda mais completa, veremos sobretudo como a sociologia abordou o estudo da «organização social das sociedades globais» (p. 14).

“NOTA DE SEMÂNTICA”

“Tipos sociais”

Durkheim recorreu à expressão «tipos sociais» para designar aquilo a que chamamos a organização social, em particular a das sociedades globais (…) mas a expressão não vingou.” Aliás, é ambígua (…).

“Estrutura social”

“Muitos autores teriam dito «estrutura social» onde dizemos organização social. A expressão «estrutura social» é de facto abundantemente utilizada na antropologia e na sociologia contemporâneas; mas não é menos ambígua que a precedente.”

“Organização social”

Em a «A Dictionary of the Social Sciences», Robert Faris definiu a organização social da seguinte maneira: «Nas ciências sociais, organização social significa um conjunto relativamente notável de inter-relações funcionais entre os elementos componentes (pessoas ou grupos), donde resultam características que não se encontram nestes elementos, o que produz uma entidade sui generis.». Esta definição da organização social aproxima-se da nossa o suficiente para nos convencer de que empregamos a expressão num sentido relativamente corrente” (pp. 15-16).

“DUPLA TRADIÇÃO NO ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL DAS SOCIEDADES”

“Solucionado o problema semântico, podemos agora entrar a fundo na sociologia da organização social.
Quando se procura compreender a forma como a sociedade abordou o estudo da organização social das sociedades globais, é fácil discernir uma dupla tradição. Denominaremos a primeira de «classificatória»; a segunda de «analítica».

“As duas tradições”

“Na «tradição classificatória», a sociologia procura apreender os traços comuns e os traços distintos que podem ser observados, quando se comparam entre si as sociedades concretas e históricas, com o objectivo de reagrupar em grandes classes, ou grandes tipos, todas as sociedades conhecidas. A intenção manifesta aqui é chegar a uma tipologia ou classificação que permita reduzir a algumas grandes categorias a multiplicidade e a variedade das sociedades existentes.
A sociologia da «tradição analítica» responde mais ao desejo de elaboração de um esquema conceptual e teórico que dê conta da organização da sociedade, do seu funcionamento, da disposição das suas diferentes partes, da sua coerência interna, das suas divisões e contradições, do seu movimento e da sua transformação. O fim em vista é a construção de um «modelo» teórico que permite analisar a sociedade na sua totalidade e nas suas partes, compreender e explicar a sua organização e transformação” (pp. 16-17).

“A comum intenção de universalidade
das duas tradições”

“Esta dupla tradição é característica do trabalho científico em quase todos os domínios. Toda a investigação científica consiste numa reconstrução mental da realidade, no sentido de descobrir a ordem subjacente à diversidade e à incoerência aparentes dos fenómenos observados. O investigador consegue discernir esta ordem não aparente, antes de mais, reduzindo o grande número de fenómenos e algumas classes constituídas segundo determinados critérios a partir dos quais os fenómenos se assemelham ou se diferenciam; uma classificação permite não só reconduzir a totalidade dos factos ou dos fenómenos a um número manipulável de unidades, mas também situar cada facto relativamente ao contexto global a que pertence. Em segundo lugar o investigador reconstrói a ordem subjacente dos fenómenos pela elaboração de um modelo abstracto logicamente coerente que transpõe os princípios da organização e do movimento dos fenómenos observados para proposições gerais.

A classificação e a análise teórica têm pois uma «intenção de universalidade», mas em dois sentidos diferentes. A primeira procura construir um número restrito de classe em que todos os factos observados tenham cabimento; a segunda pretende construir um esquema teórico que dê conta de todos os fenómenos. Esta mesma intenção de universalidade encontra-se em sociologia como em todas as outras ciências; é ela que anima as duas tradições que mencionámos” (pp. 16-17).

Bibliografia

ROCHER, Guy. (1999). Sociologia Geral – A organização Social. Editorial Presença. Lisboa. pp. 1-18.