Momentos de História

Publicado por: Milu  :  Categoria: Momentos de História, SOCIEDADE

 

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 “Se uma nação espera ser ao mesmo tempo ignorante e livre num estado de civilização, está à espera do que nunca aconteceu e do que nunca acontecerá.

Uma sociedade que troque um pouco de liberdade por um pouco de ordem perderá ambas, e não merece nenhuma.”

Thomas Jefferson

“As ideias novas, a invenção e a criatividade em geral conduzem sempre a uma espécie de liberdade – a uma libertação de constrangimentos limitadores. A liberdade é um pré-requisito para o prosseguimento da experiência delicada da ciência – que foi uma das razões pelas quais a União Soviética não pôde manter-se um estado totalitário e ser tecnologicamente competitiva. Ao mesmo tempo, a ciência  – ou, melhor,  a sua mistura frágil de abertura e cepticismo e o seu estímulo da diversidade e do debate – constitui um pré-requisito para o prosseguimento da delicada experiência da liberdade numa sociedade industrial e altamente tecnológica.

Uma vez que se pôs em causa a insistência religiosa na ideia dominante de que a Terra se encontrava no centro do universo, porque se haveriam de aceitar as afirmações repetidas e peremptórias, por parte dos dirigentes religiosos, de que Deus tinha enviado reis para nos governar? No século XVII era fácil enfurecer os júris ingleses e coloniais com este sacrilégio ou aquela heresia. Estavam dispostos a torturar pessoas até à morte por aquilo em que acreditavam. Nos finais do século XVIII já não estavam tão certos.

Rossiter, mais uma vez, refere o seguinte (extraído de Seedtime of the Republic [Sementeira da República], 1953):

Sob a pressão do ambiente americano, a cristandade tornou-se mais humanista e moderada – mais tolerante com a luta das seitas, mais liberal com o crescimento do optimismo e do racionalismo, mais experimental com a ascensão da ciência, mais individualista com o advento da democracia. Igualmente importante era o facto de um número cada vez maior de colonos, como lamentava ruidosamente uma legião de pregadores, se estar a tornar secular na curiosidade e céptica na atitude.

A Declaração de Direitos separou a religião do estado, em parte por haver tantas religiões mergulhadas num quadro mental absolutista – cada uma delas convencida de que tinha o monopólio da verdade e, por conseguinte, ansiosa de que o estado impusesse esta verdade a outros. Frequentemente,  os dirigentes e os praticantes das religiões absolutistas eram incapazes de apreender qualquer meio termo ou reconhecer que a verdade pode abarcar doutrinas aparentemente contraditórias.

Aqueles que elaboraram a Declaração de Direitos tinham perante si o exemplo da Inglaterra, onde o crime eclesiástico da heresia e o crime secular da traição se tinham tornado quase impossíveis de distinguir. Muitos dos primeiros colonos tinham vindo para a América para escapar a perseguições religiosas, embora alguns deles não se tenham coibido de perseguir outras pessoas devido ás suas crenças. Os fundadores da nossa nação aperceberam-se de que uma relação estreita entre o governo e qualquer das religiões em litígio seria fatal para a liberdade – e ofensiva para a religião. O juiz Black (na sentença do Supremo Tribunal no caso Engel versus Vitale, 1962) descreveu da seguinte maneira a Cláusula da Oficialização das Igrejas da Primeira Emenda:

O seu objetivo principal e mais imediato baseou-se na convicção de que uma união entre o governo e a religião tende a destruir o governo e a degradar a religião.

Além disso, também aqui a separação de poderes funciona. Cada seita e cada culto, como em tempos observou Walter Savage Landor, é uma confrontação moral com os outros: «A competição é tão global na religião quanto no comércio.» Mas o preço é elevado. Esta competição impede as instituições religiosas de trabalharem em conjunto pela promoção do bem comum.

Rossiter conclui:

As doutrinas gémeas da separação da Igreja e do estado e da liberdade de consciência individual constituem o âmago da nossa democracia, se não mesmo a contribuição mais significativa da América para a libertação do homem ocidental.

Mas de nada serve ter estes direitos se eles não forem usados – a liberdade de expressão quando ninguém contradiz o governo, a liberdade de imprensa quando ninguém se dispõe a fazer as perguntas incómodas, o direito de reunião quando não há protestos, o sufrágio universal quando vota menos de metade do eleitorado, a separação da Igreja e do estado quando a muralha de separação não é regularmente reparada. À força de não serem usados, arriscam-se a ser transformados em meros objectos piedosos, em manifestações patrióticas de boas intenções. Direitos e liberdades: usem-nos ou percam-nos.

Devido à visão dos que elaboraram a Declaração de Direitos – e, sobretudo, a todos aqueles que, com riscos pessoais consideráveis, insistiram no exercício desses direitos -, é agora difícil sufocar a liberdade de expressão. De tempos a tempos, as comissões das bibliotecas escolares, o serviço de imigração, a polícia ou FBI – ou o político ambicioso que pretende angariar votos – podem tentá-lo, mas, mais tarde ou mais cedo, a rolha salta. Afinal, a Constituição é a lei da nação, os funcionários públicos juram cumpri-la e, episodicamente, os activistas e os tribunais invocam-na. 

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Contudo, a degradação dos padrões educacionais, o declínio da competência intelectual, a diminuição do gosto pelo debate substantivo e as sanções sociais contra o cepticismo podem dar origem a uma lenta corrosão das nossas liberdades e à subversão dos nossos direitos. Os Fundadores compreenderam isto muito bem:

«O momento de fixar todos os direitos essenciais numa base legal é o momento em que os nossos governantes são honestos e em que nos encontramos unidos», disse Thomas Jeferson.

A partir do fim desta guerra [revolucionária] começará a decadência. Assim, não será necessário recorrer constantemente ao povo em busca de apoio. O povo será esquecido e, por conseguinte, os seus direitos serão menosprezados. As pessoas esquecer-se-ão de si próprias, excepto no que respeita à faculdade de fazer dinheiro, e nunca pensarão em unir-se para garantir o respeito pelos seus direitos. Deste modo, as algemas que não forem quebradas no final desta guerra permanecerão em nós durante muito tempo, tornar-se-ão cada vez mais pesadas, até os nossos direitos renascerem ou expirarem numa convulsão.

A consciência do valor da liberdade de expressão e das outras liberdades consignadas na Declaração de Direitos, do que acontece quando não as temos, e de como as devemos exercer e proteger, deveria constituir um pré-requisito essencial para se ser cidadão americano – ou, em boa verdade, um cidadão de qualquer país, e tanto mais quanto menos protegidos estiverem estes direitos. Se não formos capazes de pensar por nós próprios, se não estivermos dispostos a questionar a autoridade, ficamos nas mãos dos que detêm o poder. Mas se os cidadãos tiverem um bom nível educacional e souberem formar as suas próprias opiniões, os detentores do poder trabalham para nós. Em todos os países devíamos ensinar às crianças o método científico  e o interesse de uma Declaração de Direitos. Isto trará alguma decência, alguma humildade e algum espírito comunitário. No mundo infestado de demónios em que vivemos pelo facto de sermos humanos, isto pode ser tudo o que nos separa da escuridão envolvente.”

Thomas Jefferson foi o terceiro presidente dos Estados Unidos (1801-1809), e o principal autor da declaração de independência (1776) daquele país. Jefferson foi um dos mais influentes Founding Fathers (os “Pais Fundadores” da nação), conhecido pela sua promoção dos ideais do republicanismo nos Estados Unidos.

Bibliografia

SAGAN, Carl. (1998). Um Mundo Infestado de Demónios. Gradiva. Lisboa. pp. 430-433.