Mitos versus Significado

Publicado por: Milu  :  Categoria: Mitos versus..., PARA PENSAR

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“Os mitos são coisas que nunca aconteceram mas que existem sempre.”

Caio Salústio Crispo

Breves apontamentos do livro intitulado “Mito e Significado” da autoria do antropólogo Levi-Strauss. As notas entre parêntesis rectos são da minha lavra.

 

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“O fosso, a separação real, entre a ciência e aquilo que poderíamos denominar pensamento mitológico, para encontrar um nome, embora não seja exactamente isso, ocorreu nos séculos XVII e XVIII. Por essa altura, com Bacon, Descartes, Newton e outros, tornou-se necessário à ciência levantar-se e afirmar-se contra as velhas gerações de pensamento místico e mítico, e pensou-se então que a ciência só podia existir se voltasse costas ao mundo dos sentidos, o mundo que vemos, cheiramos, saboreamos e percebemos; o mundo sensorial é um mundo ilusório, ao passo que o mundo real seria um mundo de propriedades matemáticas que só podem ser descobertas pelo intelecto e que estão em contradição total com o testemunho dos sentidos” (p.18).

Conceitos:

Teoria estruturalista: busca de invariantes ou de elementos invariantes entre diferenças superficiais”.

Povos primitivos ou povos sem escrita (este é que é o factor discriminatório entre eles e nós)” – Lévi-Strauss. [Ou seja, em vez de utilizarmos a expressão povos primitivos, Lévi-Strauss defende que é mais acertado designar esses povos por povos sem escrita, uma vez que não considera correcto chamar povo primitivo a um povo que tinha conhecimentos suficientes para dominar o seu meio envolvente, ou seja, temos de aceitar que eram evoluídos no seu tempo e no lugar. Por isso, o único factor que os distingue é que de facto não tinham escrita].

“A Ciência apenas tem dois modos de proceder: ou é reducionista ou é estruturalista. É reducionista quando descobre que é possível reduzir fenómenos muito complexos, num determinado nível, a fenómenos mais simples, noutros níveis.”

 “Malinowski defendia que o povo que estava a estudar (sem escrita) era ou é determinado inteiramente pelas necessidades básicas da vida. Se se souber que um povo, seja ele qual for, é determinado pelas necessidades mais simples da vida – encontrar subsistências, satisfazer as pulsões sexuais e assim por diante – então está-se apto a explicar as suas instituições sociais, as suas crenças, a sua mitologia e todo o resto. Esta concepção, que se encontra muito difundida, tem geralmente, na Antropologia, a designação de funcionalismo”  (concepção utilitária)( p.29-30).

“Assim, se o mesmo absurdo se viesse a repetir uma e outra vez, e outro tipo de absurdo também noutro local, então isso seria uma coisa que nada teria de absurdo; se fosse absurdo não voltaria a aparecer” (p. 23).

“O pensamento dos povos sem escrita é um pensamento desinteressado e, por outro lado, um pensamento intelectual” (p.30).

“Esses povos que consideramos estarem totalmente dominados pela necessidade de não morrerem de fome, de se manterem num nível mínimo de subsistência, em condições materiais muito duras, são perfeitamente capazes de pensamento desinteressado; ou seja, são movidos por uma necessidade ou um desejo de compreender o mundo que os envolve, a sua natureza e a sociedade em que vivem. Por outro lado, para atingirem esse objectivo, agem por meios intelectuais, exactamente como faz um filósofo ou até, em certa medida, como pode fazer e fará um cientista” (p. 31).

“Mas não é igual ao pensamento científico, porque um quer compreender o geral e o total, enquanto outro [ciência] avança etapa por etapa. Descartes dizia que o pensamento científico divide a dificuldade em tantas partes quantas as necessárias para a resolver” (p. 31).

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“As culturas não tentaram sistematicamente ou metodicamente diferenciar-se umas das outras. A verdade é que durante centenas de milhares de anos a Humanidade não era numerosa na Terra e os pequenos povos existentes viviam isolados, de modo que nada espanta que cada um tenha desenvolvido as suas próprias características, tornando-se diferentes uns dos outros” (p. 34).

“Chegados e este ponto, não queria que pensassem que isto é um perigo ou que estas diferenças deveriam ser eliminadas. Na realidade, as diferenças são extremamente fecundas” [Importante, Muito importante, Diferença é enriquecimento!] (p. 34).

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“Hoje em dia estamos ameaçados pela perspectiva de sermos apenas consumidores, indivíduos capazes de consumir seja o que for que venha de qualquer ponto do mundo e de qualquer cultura, mas desprovidos de qualquer grau de originalidade. Podemos entretanto facilmente conceber uma época futura em que haja apenas uma cultura e uma civilização em toda a superfície da Terra. Não creio que isto venha a acontecer, porque há sempre a funcionar diversas tendências contraditórias – por um lado, em direcção à homogeneidade e, por outro, a favor de novas diferenciações. Quanto mais homogénea se tornar uma civilização, tanto mais visíveis se tornarão as linhas internas de separação; e o que se ganhou a um nível perde-se imediatamente no outro (p. 34-35).

“Parece que havia uma determinada tribo que conseguia ver o planeta Vénus à luz do dia, coisa que para mim era impossível e inacreditável. Pus o problema a astrónomos profissionais; eles disseram-me que efectivamente nós não o conseguimos, mas que, atendendo à quantidade de luz emitida pelo planeta Vénus durante o dia, não é realmente inconcebível que algumas pessoas o possam detetar. Mais tarde consultei velhos tratados sobre navegação pertencentes à nossa própria civilização, e tudo indica que os marinheiros desse tempo eram perfeitamente capazes de ver o planeta à luz do dia. Provavelmente, também nós seríamos capazes de o ver se tivéssemos a vista treinada” (p. 32-33).

“Passa-se precisamente o mesmo com os nossos conhecimentos acerca das plantas e dos animais. Os povos sem escrita têm um conhecimento espantosamente exato do seu meio e de todos os seus recursos. Nós perdemos todas estas coisas, mas não as perdemos em troca de nada; estamos agora aptos a guiar um automóvel sem correr o risco de sermos esmagados a qualquer momento, e ao fim do dia podemos ligar o rádio ou o televisor. Isto implica um treino de capacidades mentais que os povos primitivos não possuem porque não precisam delas” (p. 32-33).

Bibliografia

LÉVI -STRAUSS, Claude. (1978). Mito e Significado. Edições 70. Lisboa