Por uma questão de fruta

Publicado por: Milu  :  Categoria: FLAGRANTES DA VIDA, Por uma questão...

“A mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original.”

ALBERT EINSTEIN

Tal como tenho vindo a narrar, algumas vezes houve em que me sujeitei a duras provações, quando ajudava nas tarefas domésticas ou fazendo recados para um casal meu vizinho, esperando que depois dos trabalhos feitos, me deixassem ir para a pequena sala, para que pudesse ver os meus heróis – meus e de toda a criançada – que naquela época pululavam nos écrans da televisão. Quando eu não lograva aparecer, e esta senhora de mim precisasse para lhe fazer um determinado recado, ela mesma tratava de me chamar, utilizando uma espécie de isco, “o convite”, expressão então muito utilizada para designar a recompensa ou pagamento por um favor prestado, que para mim, tanto podia ser uma moeda de 20 centavos ou até mesmo uma moeda de 50 centavos, mas neste último caso só em ocasiões verdadeiramente excepcionais, raríssimas mesmo.

Mas também podia estar com a mosca e dar-me uma porcaria qualquer, que logo à saída da sua casa eu atirava para dentro de um oportuno silvado, que ali vingava agarrado a um dos muros do imenso jardim da moradia. Num belo dia, depois de lhe ter feito um recado, deu-me um saco de maçãs já um tanto tocadas, pegando numa faca explicou-me como deveria fazer quando fosse para casa e quisesse comer as maçãs, e lá andava a espetar a ponta da faca cortando em redor de uma auréola castanha de apodrecida, aproveitando-se assim pouco mais de metade da maçã. Bem, já estão a ver o destino que dei às apodrecidas maçãs. Isso mesmo! Foram direitas que nem um fuso, para o emaranhado das silvas!

Noutro dia qualquer, após ter-lhe feito mais um recado, espetou-me precipitadamente um melão nas mãos e de rompante fechou-me na cara a porta da entrada da sua casa, gorando-me assim, as minhas intenções de por lá me demorar a ver televisão. Surpreendida com aquela reacção que não lhe era habitual, ali me quedei uns instantes a tentar perceber o que estaria por detrás de semelhante destempero. Senti-me como que enxotada e não gostei disso. Entretanto havia percebido que o melão chocalhava por dentro, como se estivesse cheio de líquido. Desiludida por me ver ali sozinha e rejeitada, assim como assim, perdida por um, perdida por mil, ali mesmo em frente à porta da ingrata senhora, abri as mãos e deixei cair o melão, que voando em queda livre se foi escaqueirar no cimento derramando o liquefeito interior, como se, de um ovo partido se tratasse. Sem mais delongas, voltei costas, triste e com o rabito entre as pernas encetei o caminho de casa. Mas já ia arrependida! Em passos miúdos, fui caminhando cabisbaixa e embrenhada em pensamentos tenebrosos, que me toldavam a minha natural alegria de criança, temendo pelas consequências da acção que havia acabado de cometer. Receava que a dita senhora decidisse contar à minha mãe aquele meu ousado acto, que naqueles tempos podia ser considerado uma grave falta de respeito por um adulto, logo, a clamar por uma forte reprimenda. Amargurada, fui-me preparando para levar um par, ou mais, de lambadas bem repuxadas. Para meu infinito contentamento nada disso aconteceu, já que os meus funestos prognósticos não se confirmaram.

Passados uns tempos, a senhora, muito sorridente e com uma voz de mel que aprendi a detestar-lhe, por a pressentir falsa, visto que não combinava com as acções que praticava, veio até mim, para me pedir que lhe fizesse um recado. Acedi de bom grado, até porque o meu ressentimento havia-se dissipado, demais a mais, estava ansiosa para matar as dolorosas saudades dos meus heróis televisivos, que tanto me encantavam.

Mas, um dia houve, em que esta senhora exagerou na incúria! Entregou-me um malote com umas quantas garrafas vazias de laranjada,  de gasosa e de cerveja, para que as fosse trocar pelas respectivas garrafas cheias, num estabelecimento misto, mercearia e taberna, situado ali num bairro próximo. Não se lembrou, ou não quis saber, que uma vez o malote carregado com as garrafas cheias seria demasiado pesado para as minhas forças. Foi com bastante sacrifício e força de vontade que, aos poucos, e parando diversas vezes para descansar, consegui percorrer aquele que me pareceu um longínquo percurso. Cheguei cansada, mas ao mesmo tempo feliz, por ter sido capaz de desempenhar tarefa tão árdua. No fundo, estava imensamente satisfeita porque esperava que o meu esforço fosse grandemente reconhecido pela senhora, que a meu ver, me ofertaria com uma boa recompensa. Mas, desgraçadamente, não foi isso que aconteceu…

No exacto momento em que cheguei, vinda de fazer o recado, chegou também uma menina da minha idade, filha de um casal inquilino desta senhora, que ali bem perto tinha um prédio de quatro apartamentos, os quais se encontravam alugados a famílias pretensamente distintas e bem na vida. E foi nestes instantes que pude assistir sem pagar bilhete a um dos espectáculos mais deprimentes de toda a minha vida: A senhora, toda ela eram mesuras e vénias, com vozinhas de menina foi perguntando à miúda como ia o papá e a mamã e outras lamechices com as quais pretendia fazer-se passar pelo que não era, isto é, educada, fina e requintada. Quando a miúda manifestou a intenção de se ir embora, aquela senhora achou por bem que da sua casa não iria sair de mãos a abanar, pelo que lhe ofertou um viçoso, belo e garboso cacho de uvas cujos bagos de tão cheios pareciam ameaçar rebentar. Virando-se para mim, aquela malfada mulher, naquele seu jeito odioso de imitar a voz infantil, disse-me “toma o teu convite”, ao mesmo tempo que esticava o braço em cuja mão segurava um triste e miserável cacho de uvas que pendiam apagadas e sem viço, de tão mijonas!  Era então esta  a minha  recompensa, que me dava pelo meu supremo esforço e boa vontade de carregar com o maldito malote! A outra menina, que não tinha  feito a ponta dum corno, afinal, tinha nas mãos  aquilo que devia ser meu! Olhei para o meu esbandalhado cacho de uvas e senti-me a criatura mais infeliz do mundo. Vi a outra menina a olhar perturbada, porque também ela havia percebido a monstruosidade desta acção. Mas também vi outra coisa que muito me magoou!

Vi que ela parecia uma boneca, toda  enfeitada por laçarotes e de vestido aos folhos em cor-de-rosa, enquanto eu, para ali andava de qualquer maneira e feitio, vestida às três pancadas, com uns frangalhos quaisquer de cor escura, por serem menos sujadeiros, mas sujos, estavam de certeza, os sapatos cambados e sem graça, deteriorados pelas minhas brincadeiras e corridas pelos campos. No mais fundo do meu íntimo senti alguma revolta por ser assim, desajeitada e sem graça, e, também, por não ter uma família  rica e requintada como aquela menina, para também eu poder chamar os meus  queridos pais de papá e mamã, em vez de, simplesmente, pai ou mãe, como só os pobres faziam.

Mas a vida não se cansa de nos dar lições, e uma dessas lições diz-nos que nem tudo o que parece é! Certa vez, a família desta menina, que me parecia uma boneca de porcelana, mudou-se para outra localidade, mas atrás de si deixou o rasto de uma matilha de cães que ladravam furiosamente.  Assim também os meus pais podiam fazer vida de ricos! E eu virava uma boneca!

Desencantos da minha infância

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Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira.

LEON TOLSTÓI

Em seguimento ao post anterior, no qual relatei uma lamentável situação bem reveladora do quanto o comportamento de um adulto pode ser indecoroso em relação às crianças, e tanto mais indigno quanto mais indefesas as crianças se lhes afigurarem, eis-me aqui, pois, para lhes dar a conhecer mais alguns destes casos, mas agora relatados na primeira pessoa, o mesmo é dizer que se passaram comigo.

Tinha de ser, pois claro!

Foi num tempo em que era ainda muito menina. Lembro-me que frequentava a escola primária e que durante as férias grandes,  ou ainda, esporadicamente em outras ocasiões, foram muitas as vezes em que me acolhi na casa de um casal de meia-idade, meus vizinhos, num arremedo de fuga ao desamparo e vazio de gente que era o meu triste lar, já que os meus pais se ausentavam durante todo o santo dia, mergulhados na faina do seu trabalho, arrebanhando com suor e sacrifício os parcos proventos essenciais à sobrevivência da família.

Não é que eu gostasse destes vizinhos para minha companhia, nunca perto deles me senti particularmente bem, mas, foi o melhor que se pôde arranjar naqueles tempos de penúria e de bisonhice mental. Ao menos lá, na casa deles, pude sentir o calor humano que chegava até mim através da televisão, na qual me foi possível ver algumas das bonecadas e filmes da época. Desgraçadamente, nem tudo para mim foram rosas naquela casa! Porque nada lá me foi dado! O direito a permanecer na pequena saleta, sentada defronte da televisão, conquistava-o eu, à custa de abnegadas prestações de serviços solicitados pela dona da casa, alguns bem custosos, diga-se em bom abono da verdade. No fundo, entre nós havia-se estabelecido uma simbiose perfeita. Primeiro ajudava-a nos afazeres domésticos e também saía à rua para lhe fazer alguns recados, entretanto, era chegada a altura em que era dispensada para, finalmente, me sentar defronte da televisão. E ali ficava durante horas esquecidas, absorvida pelo êxtase que a interminável sucessão de imagens em mim provocava! Só tornava a acordar para o mundo, quando já noite adiantada, a minha mãe me ia buscar, de vergasta disfarçada por debaixo de um dos braços, disposta a desferir-me umas boas bordoadas, como castigo por não me achar em casa quando ela, cansada, havia chegado do trabalho. Em tempos foi assim! Por tudo e por nada levava-se pancada, era para cedo torcer o pepino.

Uma das tarefas que normalmente fazia para esta senhora era arear as pratas da casa e toda uma cambulhada de berliques e berloques em metal que por lá infestavam, espalhados por cima dos móveis. Também costumava varrer-lhe os imensos terraços  em redor da casa, que no Outono se encontravam constantemente cobertos por folhas caídas das árvores, coisa que gostava imenso de fazer, já que andava por ali ao sol. Até aqui ainda a coisa ia tal e tal. Mas quando me chamava para a ajudar a fazer a cama, um angustiante frio de aço subia por mim até à ponta dos cabelos, que se me eriçavam encrespados. Depois de, uma de cada lado acabarmos de fazer a cama, era chegado o momento de eu deitar mão aos dois penicos, que se encontravam guardados nas mesinhas de cabeceira, para os ir despejar, não na casa de banho que para este casal era um museu a preservar, mas antes, para um buraco no quintal, que se destinava a reunir todos os tipos de dejectos para mais tarde fertilizar as sementeiras. Porque havia de ser eu e não ela, a carregar tão odiosos caldeiros? Nos quais, para minha infelicidade, de tudo havia! Quando digo de tudo, é mesmo de tudo aquilo que pode evadir-se do corpo humano, e, para melhor coroar uma das tão profícuas taças vai de o marido lhe despejar, para acrescento da mistela, um cinzeiro a abarrotar de beatas, que normalmente tinha em cima da mesa-de-cabeceira, já que fumava no quarto durante a noite, ou antes de adormecer, sei lá, sei apenas, que era sempre um cinzeiro completamente cheio.

Apesar da inexorável passagem do tempo ainda  me consigo imaginar naqueles tormentosos momentos em que acartava para a rua um penico de cada vez, não fosse o diabo tecê-las, e para minha infinita desgraça, escaparem-se-me das mãos e derramar os demónios. Tanto quanto o meu bracito podia, afastava de mim e do meu irrequieto olhar os malvados e asquerosos penicos e, naqueles infectos instantes, sentia nascer dentro de mim um profundo sentimento de desprezo por aquela mulher. Não fosse o temor de levar um arraial de porrada da minha mãe, como castigo pelo meu atrevimento, e um dia ainda teria dado um fim diferente àquelas penicadas.

Por agora fico-me por aqui, mas há muito que dizer acerca das minhas aventuras e desventuras com este casal meu vizinho… Prometo que não vão ser histórias de penicos, mas ainda assim, susceptíveis de enojar quem as ler, de tão deploráveis actos perpetrados logo numa criança …

Entroncamentos

Publicado por: Milu  :  Categoria: Entroncamentos, FLAGRANTES DA VIDA

“Nosso Senhor ama os pobres, por isso fez tantos.”

ABRAHAM LINCOLN

Ah, como é bom o descanso! No etéreo, ao lado do divino Criador esteja quem o inventou! O sentimento de descontracção que neste momento me avassala sinto-o como algo de sublime, que tão bem me faz à alma, e que de tão bom, só pode advir dos  divinos céus! Os católicos convictos que me perdoem a heresia, estes que têm o sofrimento como ordenança de Deus para a redenção humana. Neste âmbito funciono um pouco ao contrário, é que de Deus só espero o melhor, o mais puro sentimento de leveza e conforto. Um Deus bom não incute sofrimento, mas sim os sentimentos de exaltação, que podemos sentir em momentos especiais. Foi imbuída  com este estado de espírito, que me aprestei a sentar-me aqui defronte do meu portátil, o meu confidente destes últimos tempos e falar-vos sobre mim, sobre o que me rodeia e sobre o que me assola ao pensamento. Porque gosto de me debruçar sobre as coisas e sobre elas pensar.

Já aqui vos falei de uma minha prima, que, de certa forma, me acompanhou em importantes fases da minha vida. Principalmente na minha juventude, um tempo em que sinto que tudo vivi ao de leve, sem me deter em nada particularmente, foi como se planasse na paisagem de um mundo que só a mim me era dado ver.

Devido às contingências das nossas  vidas, afastámos-nos uma da outra  e passaram-se alguns anos em que nem sequer nos falámos. Houve momentos em que senti desesperadamente a necessidade de estar com ela, para poder desabafar e dar vazão aos tormentos da minha alma e às minhas alegrias também. Claro! Até porque sou extremamente emotiva e comunicativa, apenas não o sou com toda a gente, e disso faço questão, ou seja, de permanecer assim. Sabia que só ela, a minha prima, era capaz de me entender, afinal, as duas tivemos um percurso de vida muito comum.  Há tanta coisa que só ela é digna de ouvir de mim, no fundo, reconheço que usufruimos ambas de idênticas circunstâncias de vida, quer elas fossem boas, quer fossem  más. Para  tanto termos em comum, basta-nos  as mesmas origens, logo, mais ou menos as mesmas referências. Há algum tempo enchi-me de coragem e procurei-a. Posso dizer que foi um retorno um tanto tímido. Não tinha a certeza até que ponto  havia mudado a sua forma de ser e estar no mundo. Ontem, Domingo, estive  mais uma vez com ela, passeámos e conversámos muito, acabámos por ir jantar num sítio extremamente simpático, ao qual eu nunca tinha ido, apesar de saber da sua existência e que era muito frequentado por pessoas que sempre conheci. É uma tasquinha no Livramento, uma pequena povoação que fica logo depois das conhecidas curvas de Porto de Mós, que algumas vezes na minha juventude, percorri numa motorizada a altas velocidades, curvando vertiginosamente quase deitada e sem capacete. Era a idade do risco e da asneira, disto nem vale a pena dizer mais seja o que for!… Tomara que o meu filho não leia isto. O que iria pensar de mim,  que estou sempre a avisá-lo para os perigos? Afinal, ficaria a saber, que na sua idade fui muito pior que ele, isto é, mais inconsequente.

Na dita tasquinha servimos-nos de uns grelhados e de um jarrinho de vinho tinto da casa, não fiquem a pensar mal, aliás podem ficar a pensar mal, o que me interessa é que me soube divinamente.  O vinho! Pois! É nestes momentos de sagrada comunhão com as pessoas que nos são mais próximas, que nos apetece exorcizar os fantasmas da alma , rindo-nos  não só com as jocosas  lembranças dos bons momentos passados, mas  também, das nossas fraquezas  e aflições cujos efeitos mais ou menos dolorosos,  o tempo se encarregou de amenizar na nossa memória.  E foi assim que a minha prima me contou uma das suas experiências de criança, que não me fez rir, aliás, fiquei até bastante séria!

Quem sempre viveu nas grandes cidades talvez não faça ideia do que significa o dia do Pão por Deus. Mas, para todos os outros, especialmente para os pobres, o dia do Pão por Deus é um dia em cheio. Logo de manhãzinha, pelas oito horas, há que sair de casa munido com uma saca de pano, sozinho ou inserido num grupo de outras crianças, que sempre é mais divertido, toca de bater às portas e accionar campainhas para pedir o Pão por Deus, que tanto pode ser em dinheiro como em guloseimas.  Eu adorava andar a pedir Pão por Deus. Assim que enchia a saca logo cuidava de ir a casa despejar todo o seu conteúdo para dentro de um alguidar. Ele eram bolos, ele eram broas, ele eram rebuçados e até  peças de fruta variada, castanhas, nozes e figos secos,  que não apreciava por aí além.  Fruta tinha eu quanta queria, não faltavam quintais de vizinhos para “assaltar”. E quanto aos figos secos e as nozes, não são de forma alguma coisas que façam luzir o olho a uma criança. Mas o meu pai gostava!  Por isso dava-lhos prazenteira, para ele fazer os casamentos, isto é,  o meu pai colocava uma noz dentro de um figo seco, que comia gostosamente.

Ficava contente que o meu pai gostasse daquele pouco que eu tinha para lhe dar, porque eu gostava de lhe dar coisas. Pelo menos nesta altura, no dia do Pão por Deus, eu tinha conseguido ter alguma coisa para lhe dar, e ele não se fazia rogado. Descia lá do alto do altar-mor da autoridade paterna,  para  também ele ser uma criança, nem que fosse por uns escassos instantes.  Mas o mais apetecido  da criançada era e será sempre o “el cantante”. Para os miúdos, nada era melhor do que uma mão cheia de moedas a tilintar umas contra as outras. Actualmente parece haver alguma tendência para deixar de se dar dinheiro, defendem alguns adultos, com ares de grandeza e superioridade moral, que não será aconselhável, visto que não se sabe que destino pode ter.

Pois a minha prima recorda-se que deixou de ir pedir Pão por Deus, precisamente  porque não estava para se sujeitar à humilhação de ser menosprezada em relação ao grupo de crianças, que acompanhava no exercício desta tradição. É que se apercebeu, que as pessoas antes de darem fosse o que fosse aos miúdos, tinham o costume de perguntar a cada um deles de quem eram filhos.

Tu és de quem?

Conforme a importância ou proeminência social dos progenitores assim era dada uma correspondente quantia em dinheiro. Por conseguinte, havia uns que juntavam mais dinheiro do que outros, conforme a sua ascendência familiar. Os que fossem oriundos de famílias humildes e pobres, que é a mesma coisa que dizer, filhos de ninguém, como era o caso da minha prima, eram os que menos dinheirito angariavam! A minha prima, ainda tão menina, pôde assim descobrir o quão baixo e miserável pode ser um ser humano, porque o adulto que assim procede é um sabujo! E tantos assim, que se cruzam nas nossas vidas, meu Deus! Também me recordo de uma minha  professora ter  o costume de adoçar  as suas maneiras, sempre que se dirigia a uma miúda cuja mãe era quase analfabeta,  mas que tinha uma pequena loja onde comercializava artigos de mercearia e hortaliças, onde  lhe calhava passar sempre que,  saída das aulas, percorria o caminho de casa. A sabujice tinha um propósito, um especial propósito, por assim dizer…  Sempre lhe valia uns descontos nas compras.

No próximo post tenho intenção de contar uma situação que ilustra na perfeição o quanto uma criança pobre pode ser marginalizada em relação a outra criança cujos pais não sendo ricos, faziam vida de ricos, e por isso o pareciam.  Já naquele tempo não era preciso ser, bastava parecer. Até lá!