Cada um é o que faz de si

Publicado por: Milu  :  Categoria: Cada um é..., PARA PENSAR

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Há algum tempo que tenho vindo a ler algumas críticas aos livros de auto-ajuda, mas eu, que até gosto deste género, não me deixo derrotar facilmente, e contraponho com o argumento, de que autores considerados sérios, consagrados, autoridades por assim dizer, também escreveram livros de auto-ajuda. O filósofo e matemático inglês Bertand Russell, por exemplo, autor de “A Conquista da Felicidade”. Um outro exemplo é o psicólogo americano Albert Ellis, que criou a TCER – Terapia do Comportamento Emotivo Racional, e escreveu vários livros, um deles, “Como Conquistar sua Própria Felicidade”. E Sócrates, o filósofo? Está bem, não escreveu livros, mas alguém os escreveu por ele. O que nos quis ele dizer, quando num dia em que passeava numa praça onde decorria uma feira, olhando para as bancas repletas, nas quais reluziam as ricas louças, proferiu: “Tanta coisa que não me faz falta”! Precioso ensinamento.

O importante é saber ler, com espírito crítico, e não se sentir obrigado a concordar com tudo. O certo é  que os livros de auto-ajuda podem levar-nos a reflectir sobre aspectos da nossa vida, ou de nós próprios, que nunca antes havíamos pensado. Tal como este livro, do qual hoje trago um pequeno excerto, que considero como que uma viagem ao nosso interior. Quantas vezes, nos dirigimos ao frigorífico, olhamos para o seu interior, cheio e com os mais variados alimentos, e parece que nada daquilo nos satisfaz, seja lá o que for que optarmos por ingerir? E num só dia repetimos este gesto variadas vezes… Se ler este post, compreenderá que num momento desses, o nosso “mal” pode ser qualquer um, menos fome ou necessidade de comida. Se se interessar e adquirir este livro, posto que  apenas reproduzi aqui a Parábola do Semeador, ou seja, atirei as sementes, é muito provável que você desperte para as suas verdadeiras necessidades e comece a operar mudanças no seu comportamento alimentar. Tudo o que aproveitar da leitura deste livro valerá a pena. As mudanças são sempre bem vindas. Faça o que aconselha Confúcio.

“Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo.Confúcio

Apresentação da obra e seu autor

Tem Fome de Quê?” da autoria de Deepak Chopra, – Médico especialista em medicina interna, é considerado um dos grandes líderes na redefinição dos conceitos de saúde e na relação corpo/espírito. A revista Time considerou-o um dos 100 Ícones e Heróis do Século, descrevendo-o como «o poeta-profeta da medicina alternativa». Autor bestseller do New York Times, já escreveu mais de 75 livros, publicados em 35 países.”

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“Se quiser regressar ao seu peso ideal, tem duas opções. Pode começar a fazer uma dieta ou outra coisa. Este livro trata desta outra coisa. Fazer dieta implica o tipo de motivação errada, e é por isso que raramente conduz ao objectivo desejado.

Está a escolher o caminha da abnegação e da privação.

Quando está em dieta, todos os dias luta contra a sua fome e pelo seu autocontrolo.

Existe forma mais insatisfatória de viver?

O acto de perder peso deve gerar satisfação para poder ter êxito: isto é a «outra coisa» que funciona depois de as dietas terem falhado. Se voltar a equilibrar os sinais de fome do corpo, o seu impulso para comer torna-se o seu aliado em vez de um inimigo. Se confiar que o seu corpo sabe aquilo que precisa, ele vai tomar conta de si em vez de protestar.

Tem tudo a ver com compreender as mensagens que ligam a mente e o corpo.

Em medicina, fui formado para analisar a fome quanto à subida e descida de certas hormonas. A fome é uma das mensagens químicas mais poderosas que o cérebro envia ao corpo. Uma pessoa não deveria sentir fome logo depois de comer uma refeição, e um lanche durante a tarde não deveria levar a um segundo ou a um terceiro. Mas senti estas coisas – tal como milhões de pessoas -, o que significa que a experiência de fome pode existir mesmo que a necessidade de alimentos não exista.

É esta experiência de fome que tem de mudar quando dá por si a comer em excesso. Os desejos de comida e a falsa fome não são o mesmo que dar ao seu corpo o combustível de que precisa. O seu corpo não é como um carro a consumir gasolina. É a expressão física de milhares de mensagens que estão a ser enviadas para e pelo cérebro.

O acto de comer envolve a sua auto-imagem, os seus hábitos, condicionamento e memórias.

A mente é a chave para perder peso, e, quando a mente está satisfeita, o corpo deixa de desejar demasiada comida.

Uma abordagem mente-corpo vai funcionar porque lhe pede apenas uma coisa:

ENCONTRE O QUE LHE TRAZ SATISFAÇÃO!!!!!

Estar satisfeito é algo que a comida não consegue fazer por si só. Deve nutrir:

⇒ O corpo com comida saudável;

⇒ O coração com alegria, compaixão e amor;

⇒ A mente com conhecimento;

⇒ O espírito com serenidade e autoconsciência.

Com consciência, todas as coisas se tornam possíveis. Mas, se as descurar, ficam cada vez mais longe do seu alcance.

Parece um paradoxo, mas, para perder peso, deve encher-se.

Ao encher-se com outros tipos de satisfação, a alimentação deixa de ser um problema. Nunca deveria ser um problema, pois comer é uma forma natural de nos sentirmos felizes. Comer em excesso não é. Durante séculos, a vida tem sido celebrada com banquetes, e algumas destas celebrações, como os banquetes de casamento, podem ser o ponto alto da vida de uma pessoa. Que criança não fica feliz quando surge o bolo de aniversário? Porém, o prazer que a comida gera torna peculiar e único o problema de comer em excesso. Sentir-se feliz, o que é bom para si, transforma-se em algo que é mau para si.

Neste momento, o leitor está algures nesta escala móvel que associa a comida à felicidade:

Alimentação normal → Alimentação excessiva → Desejos alimentares → Vício de comida.

Comer normalmente faz com que se sinta bem.

Comer em excesso fá-lo sentir bem no momento, mas leva a maus resultados a longo prazo.

Ceder a desejos de comida não o faz sentir nada bem: instalam-se quase de imediato o remorso, a culpa e a frustração.

Ser viciado em comida traz sofrimento, uma saúde degradada e uma total falta de amor-próprio.

(…)

Então, porque é que a alimentação normal começa a transformar-se em alimentação excessiva?

A resposta é simples:

falta de satisfação!!

Começa a comer em excesso para compensar uma carência noutra área qualquer.

(…)

Podemos estar distraídos e esquecer-nos de comer, ou podemos estar obcecados e pensar em comida o dia todo. No entanto, estamos sempre em busca de satisfação. Há muitas coisas com que se pode preencher além de comida. O desejo vem de necessidades, começando pelas mais básicas.

Todos precisam de se sentir em segurança.

Todos precisam de se sentir nutridos.

Todos precisam de se sentir amados e valorizados.

Todos precisam de sentir que a sua vida é relevante e que tem sentido.

Se tiver preenchido estas necessidades, a comida vai ser apenas um prazer entre muitos. Mas há inúmeras pessoas que comem em excesso como substituição daquilo que querem realmente. Torna-se um jogo de substituições e, muitas vezes, as pessoas nem se apercebem.

É esta a situação em que se encontra?

Eis alguns indicadores comuns. Só se sente seguro quando está entorpecido por ter comido demasiado. O entorpecimento provoca uma espécie de calma que dura pouco tempo

Só se sente nutrido quando as suas papilas gustativas estão estimuladas em demasia com açúcar, sal e gordura.

Não se sente amado e valorizado e por isso transforma a alimentação em «dar algum amor a mim próprio».

A sua vida não tem sentido mas, pelo menos, quando come consegue ignorar o vazio dentro de si durante algum tempo.

Se deixar de se concentrar tanto na dieta e nas calorias, poderá ver que a história de excesso de peso nos EUA é uma história de falta de satisfação.

  • Temos os melhores alimentos do mundo à nossa disposição, mas empanturramo-nos com os piores.
  • Temos oportunidades abençoadas para crescer e evoluir mas, em vez disso, sentimo-nos vazios.

O meu objectivo é trazê-lo para um estado de satisfação. Quando isso começar a acontecer vai deixar de comer pelos motivos errados. A solução é simples mas profunda: para perder peso, cada passo do caminho deve ser satisfatório. Não tem de se psicanalisar, pode deixar de se obcecar com o seu corpo e de remoer a desilusão e a frustração. Só se aplica um princípio:

a vida deve trazer satisfação.

Se a sua vida não o satisfaz, o seu estômago nunca poderá dar-lhe o que está em falta.

 

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Tenho fome de quê?

 

 

A história de vida de todas as pessoas é complicada, e as melhores intenções podem ser goradas porque as pessoas têm dificuldade em mudar. Os maus hábitos, tal como as más memórias, perduram com teimosia quando gostávamos que desaparecessem. Mas o leitor tem uma grande motivação a seu favor, que é o seu desejo de ser feliz. Defino felicidade como o estado de satisfação, e todos queremos sentir-nos satisfeitos. Se tiver isto em conta, a sua motivação mais básica , as escolhas que faz resumem-se então a uma única questão:

«Tenho fome de quê?»

O seu verdadeiro desejo vai levá-lo na direcção certa. Os falsos desejos levam-no na direcção errada. Pode fazer um simples teste para prová-lo a si mesmo: da próxima vez que for buscar qualquer coisa para comer ao frigorífico, pare um instante. Está a ir buscar comida porquê? Só há duas respostas:

  1.  Está com fome e precisa de comer.
  2.  Está a tentar preencher um vazio, e a comida tornou-se a forma mais rápida de o fazer.

A medicina moderna tem um extenso conhecimento sobre os estímulos que desencadeiam o impulso de comer. O seu corpo segrega hormonas e enzimas que ligam o centro da fome no seu cérebro ao estômago e ao trato digestivo. Quando era bebé, este era o único tipo de estímulo a que respondia. Chorava porque tinha fome. Agora, poderá acontecer o contrário: quando tem vontade de chorar, fica com fome.

Durante uma vida inteira, criamos novos estímulos que um bebé nunca poderia antecipar. A depressão é um estímulo muito conhecido para comer em excesso. O mesmo acontece com o stress, uma perda repentina, o sofrimento, a raiva reprimida e muitos outros. É mais vulnerável a quais? Provavelmente só tem uma vaga ideia. A maioria das pessoas não tem consciência de quando o seu comportamento alimentar é motivado por algo, porque os estímulos são, muitas vezes, inconscientes – e é isso que os torna tão fortes. Reage automaticamente, sem pensar.

 Questionário:

O que o leva a comer em excesso?

 

Os estímulos mais comuns para comer em excesso constam das listas seguintes. Alguns são mais fáceis de superar do que outros. Veja estas listas e assinale as causas mais comuns que o fazem comer mesmo quando não tem fome. Marque todos os itens que achar que se aplicam a si.

Grupo A: Costumo comer em excesso quando

   ⊗ Estou ocupado ou distraído no trabalho;

   ⊗ Estou com pressa e ando de um lado para o outro;

   ⊗ Estou cansado, não dormi o suficiente;

   ⊗ Estou com outras pessoas que estão a comer;

   ⊗ Vou a um restaurante;

   ⊗ Estou à frente da televisão ou do computador e preciso de ocupar as mãos com qualquer coisa;

   ⊗ Tenho um prato de comida à minha frente e sinto que devo limpar o prato.

Grupo B: Costumo comer em excesso quando

   ⊕ Estou deprimido;

   ⊕ Me sinto sozinho;

   ⊕ Me sinto pouco atraente;

   ⊕ Me sinto ansioso ou preocupado;

   ⊕ Tenho pensamentos negativos sobre o meu corpo;

   ⊕ Estou com stress;

   ⊕ Quero ser reconfortado.

Autoavaliação: Se todos ou a maioria dos itens que assinalou pertencem ao grupo A, os seus estímulos são os mais fáceis de superar. Tem de prestar mais atenção aos seus hábitos alimentares, mas isso deverá ser relativamente simples. Poderá dar por si a comer quando não tem fome porque o seu principal problema é a distração. Assim que se focar numa coisa de cada vez – a refeição à sua frente -, vai conseguir controlar uma alimentação desatenta.

Se todos ou a maioria dos itens que assinalou pertencem ao Grupo B, tem fome de algo que vai além da comida, e prestar atenção a essas coisas  será a melhor forma de perder peso.

Uma coisa importante é não fazer dieta!

O seu caminho não é a privação!

É  satisfação noutras coisas além da comida!

O que fazer:

  1.  Faça uma pausa e inspire profundamente.
  2.  Pergunte-se se a sua fome está accionada por um padrão familiar, tal como sentir-se aborrecido, inquieto ou triste, ou querer uma distracção. Agora conhece alguns dos seus estímulos mais comuns, por isso veja se há algum deles envolvido.
  3.  Assim que tiver identificado um estímulo, pergunte-se se precisa realmente de comer. Talvez possa encontrar uma actividade alternativa que adie simplesmente a reacção ao seu estímulo, tal como:

   Θ Fazer uma tarefa doméstica;

   Θ Telefonar a um amigo;

Θ Verificar o seu e-mail e responder a mensagens guardadas;

Θ Ler um livro;

Θ Beber um copo de água.

Qualquer distracção inofensiva serve. O seu objectivo é inserir uma pausa antes de reagir automaticamente a um estímulo. Se ainda continuar com fome, então coma. Mas mantenha o hábito de reparar nos seus estímulos desta forma: é um passo básico para os superar e dar-se mais liberdade para escolher. Prometi algo a mim mesmo antes de tratar do problema de comer em excesso: a solução devia funcionar aqui e agora. Um grande defeito das dietas é tornar-se infeliz hoje sob a promessa de que vai ser mais feliz amanhã. Mas o desejo não funciona desta forma. «Tenho fome de quê?» é uma pergunta que existe no momento presente . O impulso que sente pode ser simplificado em várias categorias básicas:

♦ Tem fome de comida.

Quer preencher um vazio emocional.

♦ Quer preencher um vazio na sua mente (tal como baixo amor-próprio, uma má imagem física ou uma sensação de fracasso e de frustração).

A estes, acrescentaria um quarto impulso, que é espiritual. Quer preencher um vazio na sua alma.

Estas são motivações fortes, alimentadas pelo desejo. Assim que orienta o desejo para a direcção certa, pode sofrer uma verdadeira transformação. Todos nós seguimos o caminho do desejo todos os dias. O impulso de obter mais da vida é natural e profundo. Neste livro, vamos descobrir exactamente do que é que tem fome. Assim que souber, terá um caminho nítido que faz todo o sentido em termos de mente, corpo  e espírito. Eis a forma como vai ser transformado:

Vai comer apenas quando tiver fome de comida!!

Não vai comer quando aquilo de que tem fome é emocional, em termos de conforto, segurança, amor, ligação com os outros ou uma sensação de alegria!!

Não vai comer quando tiver fome de uma vida que seja relevante e significativa, que lhe permita ter um propósito e alcançar os seus objectivos!! Estas são as necessidades da mente.

Não vai comer quando tiver fome de algo espiritual, tal como a leveza do ser ou uma visão mais elevada da alma!

Bibliografia:

CHOPRA, Deepak. (2014). Tem Fome de Quê?. Editora Nascente. Amadora.

 

 

 

 

A mudança que tarda…

Publicado por: Milu  :  Categoria: A mudança que tarda..., PARA PENSAR

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“Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras, mas só há duas nações – a dos vivos e a dos mortos.”

Mia Couto

E porque entendo que é importante questionarmos o estabelecido, eis mais um artigo esclarecedor, que ajuda a compreender o quanto é urgente  mudar mentalidades. Depois, também, porque a actualização dos conhecimentos é uma necessidade que se impõe.

“OUTRA PRÁTICA PEDAGÓGICA É POSSÍVEL E É LIBERTÁRIA”

“Para que a educação autónoma se dê de forma crítica e participativa é preciso que haja coragem para desafiar e desconstruir algo que já está imposto e que é tratado com naturalidade.

Desconstruir este discurso dominante que tanto molda pensamentos e ações, dando assim a oportunidade e possibilidade de educadores e educandos construírem juntos os discursos que condiz e satisfaz suas necessidades reais.

É preciso questionar o atual modelo a fim de transformá-lo em algo que de fato supra uma das maiores necessidades da educação hoje, que cada criança/adolescente se torne o principal autor de sua história, participando criticamente na produção de seus conhecimentos. Porém também se torna necessário que o professor auxilie a criança neste processo, não de uma maneira condutora, mas sim demonstrando as diversas possibilidades de se resolver um problema, deixando que a própria acerte ou erre em sua escolha e que a partir dessa experiência construa um pensamento crítico e significativo sobre o que acabou de vivenciar.

A cultura especializada da escola não pode se afastar da cultura social de suas crianças, senão assim a impossibilitará de saber como reagir aos problemas que a vida a impõe. Não se pode esquecer que a educação já existia antes mesmo da escola, portanto é preciso tomar cuidado para que essa educação escolar não esteja apenas a serviço de uma ideologia dominante a fim de normatizar pensamentos e comportamentos.

A participação ativa se torna algo muito significativo na vida de seus educandos, fazendo com que se sintam parte atuante de um dos processos mais importantes das suas vidas. Deve-se decidir por uma pedagogia política e ética, pensando em sua relação com o outro, saber que o conhecimento é socialmente construído em relação ao outro.

Sem objetivos predeterminados, explorar outras formas de pensar e de atribuir significações ao mundo, atribuindo um significado importante à subjetividade, sendo o aprendizado um processo ativo e não uma transmissão pré-moldada do conhecimento. Todos são parte do contexto, observando e interpretando o mundo, somos constituídos pela linguagem, logo, não podemos viver fora dela.

A construção da linguagem nos leva a um mundo criado a partir da coexistência com o outro e faz surgir aquilo que é humano.

Na Itália há um belo exemplo da possibilidade, onde outro conceito de educação surge da necessidade social de transformar sua realidade. Em Reggio Emilia é adotada a «pedagogia da escuta» que contesta a ideia de educação como transmissão e reprodução, o processo de documentação pedagógica propicia meios para a participação democrática na discussão e na avaliação da prática pedagógica, assim o significado de escola requer uma atenção democrática.

A escola deve ser um lugar de prática ética e política e em Reggio isso é reafirmado através da pedagogia da escuta que requer que o educador pense no outro como alguém que ele não pode aprisionar. A pedagogia do escutar dá seus ouvidos a ideias, pensamentos, questionamentos de crianças e adultos, é o esforço para se extrair sentido daquilo que é dito, sem noções preconcebidas, sobre o que é certo ou apropriado.

Reggio busca aspiração em seus fundadores, que as experiências no fascismo ensinou a eles que as pessoas se tornam perigosas a aceitarem tudo o que lhes é imposto sem questionamento, e para garantir a construção de uma nova sociedade essa lição teria de ser transmitida, para assim preservar a visão de que as crianças podem e devem pensar e agir por si. Logo, ética e política caminham juntas em uma educação que rejeita vínculos regulatórios e uma educação como transmissão de normatização.

Para a mudança de fato acontecer em nossas escolas quais seriam os limites e as possibilidades de novas práticas educacionais que formam para a participação e criticidade de nossas crianças, uma nova proposta pedagógica deveria ser estudada, para que as crianças de hoje se tornem adultos críticos e capazes de transformarem/melhorarem sua realidade.

As contribuições teóricas, e até mesmo práticas, da educação libertária foram esquecidas ao longo da história de nossa pedagogia oficial. Pouco se falava, e pouco se encontrava por escrito até poucas décadas atrás, sempre houve rejeição desta prática pedagógica por parte de nossas instituições de ensino que faz uso de uma pedagogia do adestramento.

A pedagogia libertária segue a linha política e filosófica da educação como um meio para a transformação da sociedade, é oposta a uma educação que seja meramente para a reprodução, estando assim próxima à prática que acontece na região de Réggio Emilia na Itália, os pensadores anarquistas ao falar e experimentar outras relações, não concluíram nada de diferente do que surge na Itália pós-fascismo. O anarquismo vê na educação um papel estratégico para a transformação da ordem capitalista e a formação de uma nova ordem social. A preocupação maior dessa pedagogia é formar homens livres e conscientes, capazes de transformar a sociedade.

A educação contemporânea é defensora da escola pública, porém isso se tornou uma preocupação de muitos educadores libertários, já que essa defesa é recente em nossa história, nascendo junto com as Revoluções Burguesas, o que para eles transparece querer transformar os «súditos» em «cidadãos», operando as transformações políticas para as sociedades contemporâneas através de uma educação única, alimentando um sentimento de identidade nacional fortalecendo assim a constituição do Estado-Nação.

Os educadores libertários não acreditam e não aceitam essa forma de educação, para eles o Estado se utilizará desse veículo de formação/informação para disseminar as visões sócio-políticas de seu interesse, sendo assim uma educação revolucionária só pode se dar fora do contexto do Estado. Sua proposta é de que a própria sociedade organize seu sistema de ensino, na construção de um ensino que seja o reflexo de seus desejos e interesses, pensando em conjunto em como aplicar seus recursos. Autogestão e apoio mútuo para eles é o caminho para a construção de uma sociedade mais solidária e preocupada com o bem comum. A educação libertária se fundamenta no conceito de educação integral, ou seja, no desenvolvimento mais profundo, independentemente de sua origem de nascimento, de todas as suas faculdades físicas e intelectuais, e se conceitua também no envolvimento de todas as partes, família, escola e comunidade, a educação integral deve estar integrada a todas as esferas que possa atingir. Em Reggio Emilia e na Escola da Ponte, há esta preocupação de uma educação integral, são escolas que nascem de uma necessidade social, com uma educação para a transformação.

Os primeiros movimentos educacionais libertários na história do Brasil ocorreram em meados da década de 1920, e se espelhavam no movimento educacional que ocorria na mesma época em outros países, principalmente na Espanha, lugar que Ferrer y Guardia sistematizava as bases da educação anarquista em sua Escola Moderna, essas novas práticas tinham como base «o respeito à liberdade, à individualidade, à expressão da criança, reorganizando o fazer pedagógico imprimindo-lhe autêntica função revolucionária» (Kassick).

As contribuições do geógrafo anarquista francês Élisee Reclus (1830-1905) à pedagogia libertária demonstra sua enorme preocupação e rejeição ao autoritarismo escolar laico e religioso de seu tempo, sempre denunciando o perigo da especialização excessiva. Em sua obra «O Homem e a Terra», insiste na importância da brincadeira,  da educação, do apoio mútuo mestres e alunos (Antony, 2011). Reclus foi, e é, um grande pedagogo de sua época, e para todos que hoje estudam a pedagogia libertária, seus escritos contribuem para novas práticas pedagógicas, e Reclus não foi apenas um teórico, mas também um praticante desta outra possibilidade pedagógica.

As contribuições teóricas. e até mesmo práticas, são inúmeras, tanto em âmbito nacional quanto em âmbito internacional. É importante evidenciar que a preocupação por parte dos teóricos libertários pela educação não se inicia neste século, e sim há dois séculos. Estes estudiosos sempre enxergaram na educação o principal caminho para a transformação social por sujeitos autónomos, e essa transformação só pode ser alcançada fora de uma educação hegemónica.

Através da mudança e de um querer mudar, é possível pensar em outras práticas pedagógicas, que fujam desta normalização imposta pela política neoliberal, e que com bases em valores libertários e democráticos, participação ativa nas decisões, atuação frente às necessidades, comprometimento e responsabilidade com o seu destino e a prática da liberdade e da autonomia dos educandos, é possível a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Serão os sujeitos da sua própria história.

Conceito de Educação Autónoma:

“Educação Autónoma: Para Adorno, filósofo alemão, a crise da Educação é, na verdade, a crise da formação cultural da sociedade capitalista como um todo. Na opinião dele, o problema da Educação está no fato de ela se ter afastado do seu objectivo essencial, que é promover o domínio pleno do conhecimento e a capacidade de reflexão. A escola se transformou em simples instrumento a serviço da indústria cultural, que trata o ensino como uma mera mercadoria pedagógica em prol da «semiformação». Essa perda de valores, segundo o autor, anula o desenvolvimento da autorreflexão e da autonomia humana. Adorno critica a escola de massa por ela, segundo ele, instalar e cultuar a massificação. O resultado disso é a deformação da consciência.”

Ponto de vista:

Educação é um componente de bem estar e é usado na medida de desenvolvimento económico e qualidade de vida, que é um fator fundamental para determinar se o país é desenvolvido, em desenvolvimento ou subdesenvolvido. Entende-se que a educação, sob a perspetiva de direitos, deve estar acessível (gratuita para todas as pessoas sem discriminação), disponível (instituições de ensino em número suficiente e apropriadas), ser aceitável (adequada e relevante de acordo com os instrumentos de direitos humanos) e adaptável (capaz de ajustar-se às demandas da comunidade educativa) a todos os seres humanos igualmente sujeitos desse direito. Nesse sentido o Estado é o garantidor central desse direito e deve ser responsável pela sua oferta universal e gratuita.”

Referência:

Anarquia significa ausência de coerção e não a ausência de ordem. A noção equivocada de que anarquia é sinónimo de caos se popularizou entre o fim do séc. XIX e o início do séc. XX, difundida pelos meios de comunicação e de propaganda patronais, mantidos por instituições políticas e religiosas. Nesse período, em razão do grau elevado de organização dos segmentos operários, de fundo libertário, surgiram inúmeras campanhas antianarquistas. Outro equívoco banal é se considerar anarquia como sendo a ausência de laços de solidariedade (indiferença) entre os homens, quando na realidade, um dos laços mais valorizados pelos anarquistas é o auxílio mútuo. À ausência de ordem – ideia externa aos princípios anarquistas dá-se o nome de «anomia».”

Por Dentro:

Educação Libertária: – Podem-se definir três grupos de entendimento da educação na sociedade: educação como redenção, educação como reprodução e educação como transformação. A pedagogia libertária, assim como as demais pedagogias progressistas, segue a tendência filosófica-política da educação como transformação da sociedade. A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos, num sentido libertário e auto gestor em que ela o institui, com base na participação dos grupos, mecanismos institucionais de mudança, através de assembleias, conselhos, eleições, reuniões e associações.”

Bibliografia

SILVA, Núbia. (n.d). Outra Prática Pedagógica é Possível e Libertária. Revista Conhecimento Prático – Literatura. Editora Escala. nº 61. pp. 20-23.

site – www.escala.com.br