Ciclos da Vida

Publicado por: Milu  :  Categoria: Ciclos da Vida, FLAGRANTES DA VIDA
Meu primeiro trabalho de photoshop, uma foto de milu ao lado de um ferrari vermelho. Trabalho em formação digital


“A motivação é uma porta que se abre por dentro”

Mário Sérgio Cortella



Recentemente, tomei uma decisão: não partilhar imagens, vídeos ou fotos sobre as quais não tenha a certeza da sua autenticidade. Isto tudo, porque me impressionam os conteúdos que circulam na Internet criados com o recurso de IA, de tal forma convincentes, que podem ser incautamente considerados verdadeiros. Com efeito, ao fazermos a partilha estaremos a contribuir para a desinformação ou a lesar pessoas envolvidas nessas imagens/vídeos. Imbuída desta minha vontade passarei a publicar/partilhar apenas conteúdos criados por mim. Para levar a cabo com sucesso esta minha postura só terei, evidentemente, que investir na minha formação na área digital. E é isso que tenho andado, entusiasticamente, a fazer! No ano passado, deu-me para fazer três formações e este ano já tenho duas agendadas.


Posto isto, creio ser o momento ideal para narrar a minha epopeia na aprendizagem do Photoshop, um software da multinacional americana Adobe Inc. usado para edição de imagens, criação de arte digital, design gráfico e animações. Foi uma experiência gratificante uma vez que contribuiu para o meu autoconhecimento, embora não tenha sido a minha primeira experiência neste sentido. Tenho outra aqui que pode ler quem tiver paciência.


Curiosamente, num belo dia, no ano de 2018, decidi aprender a operar o programa Photoshop, pelo que me inscrevi numa Formação financiada pelo Fundo Social Europeu. No primeiro dia da formação, a coisa correu menos mal. Como é habitual, foi pedido aos Formandos, que procedessem à sua apresentação. Chegada aqui aproveito para deixar uma nota: João Leite, Psicólogo aqui e aqui aconselha que, o Formador não deve pedir aos Formandos para se apresentarem da forma convencional, que muitas vezes incide sobre o currículo/desempenho profissional e académico, já que pode tornar-se constrangedor para alguns formandos.


“As apresentações dos formandos no início de uma formação são uma coisa terrível. Ninguém ouve ninguém porque já está preocupado com aquilo que acha que deve ou não dizer quando chegar a sua vez. As apresentações costumam fazer-se porque existem estudos que postulam que é importante para nós ouvirmos a nossa voz, e que quanto mais cedo a ouvirmos maior probabilidade há de nos tornarmos mais ativos. Mas também é preciso ter em conta que as apresentações provocam ansiedade.”
“Podemos pôr as pessoas a falar com outras estratégias. Desafio os formadores a não enveredarem pelas apresentações e em vez disso, traçar os objetivos, ou seja, começar com uma conversa que leve à expressão natural.”

João Leite


Entretanto, foi dada alguma matéria que deu para perceber a toda a gente ali presente que, enquanto todos já tinham “umas luzes” do que é, e como se trabalha com o Photoshop, eu estava completamente a zeros. E sim, era verdade. Uma autêntica página em branco pairava no meu cérebro. Mas tive uma colega ao meu lado que me ia dando uma ajuda e lá fui a gatinhar, é preciso que se diga, até chegar ao fim da aula.


Pior, bem pior, foi a aula seguinte!! Escusado será dizer que, como os outros já estavam à vontade a aula prosseguia normalmente, com todos a perceber tudo, enquanto eu, angustiada, me sentia a ficar cada vez mais para trás. De tantas as vezes que pedi ajuda à colega do lado percebi a dada altura que ela já estava enfadada e eu envergonhada, pois compreendia que estava a importunar também o desempenho dela. Foi um dia para esquecer! No final da aula fui para casa como os cães quando são enxotados, com o rabo caído entre as pernas, de alma ensombrada de maus pensamentos e com auspícios tenebrosos. E agora? Como sair do imbróglio em que me tinha metido? Se ao menos houvesse mais um Formando na mesma situação sentir-me-ia mais confortada, mas era só eu! Ninguém gosta de ser sozinho no infortúnio. Afinal só estava ali a estorvar ou quê? Alguma coisa teria de fazer urgentemente.


Todavia, a vida é toda ela cheia de caprichos. Quando tudo me parecia perdido, um desses colegas salvou-me a vida. Enviou para todos um link a partir do qual se instalava uma versão do Photoshop. Assim que me deparei com o programa disponível no computador suspirei de alívio. Agora sim! Agora é comigo! Sabia, tinha a certeza, que tinha vencido a batalha. E assim foi, durante esse fim de semana mal saí defronte do computador. Apoiada pelos apontamentos que recolhi durante as aulas fui praticando a matéria dada. Sempre que me deparava com dificuldades recorria ao google pesquisando vídeos, por sinal sempre brasileiros, onde tudo era explicado. Se não percebesse via outro vídeo e assim sucessivamente, pois há uns que explicam melhor que outros, etc. Os brasileiros nisto são mesmos os maiores. Há vídeos de brasileiros sobre tudo e para todos. Só não aprende quem não quer, quem não tem curiosidade e é preguiçoso. E foi assim que concebi a minha primeira imagem onde apliquei a matéria dada até então e que publiquei no Facebook. Na aula seguinte fiquei tão feliz. Os meus colegas tinham achado graça, perceberam que eu estava ali para fazer trabalho, que tinha conseguido vencer o primeiro impacto. E até houve, quem me tivesse perguntado como é que eu tinha feito, que recursos tinha utilizado, etc. Durante o tempo que durou a Formação fui repetindo este processo. Chegava a casa e ia para o computador consolidar as aprendizagens, treinar o que tinha sido dado na aula e pesquisar sobre tudo aquilo que me tinha escapado. Mas sempre a fazer, é a fazer que se aprende. No final da Formação foi uma pena não poder acompanhar os meus colegas nas Formações que se seguiram. Foi como o desfazer de um laço. Mais uma vez constatei que é muito satisfatório propormo-nos a desafios. Quando terminei aquela Formação eu estava mais rica, com mais conhecimento, a página em branco no meu cérebro eclipsou-se e, além de tudo, fiquei com mais uma história para contar. É mesmo assim, o caminho faz-se caminhando.


PS – as imagens da minha autoria aqui postadas estão sem as sombras, processo que aprendi posteriormente.


Nota: O Photopea é uma aplicação online que oferece aos utilizadores a possibilidade de editar imagens usando uma grande diversidade de opções de edição totalmente gratuita. Por ser bastante completa, a ferramenta é indicada especialmente para aqueles que já têm alguma familiaridade com o Photoshop, da Adobe. Este editor de imagens foi disponibilizado online pela primeira quase dez anos atrás, em 2013. De lá para cá, a ferramenta foi passando por atualizações e recebendo melhorias visando entregar uma experiência gratuita e acessível online, sem a necessidade de qualquer tipo de instalação.

Milu ao lado de um carro preto. Trabalho em formação digital
Milu com George Clooney . Trabalho em formação digital.
Milu num iate com o cão Stevie. Trabalho em formação digital
Milu numa serra com Stevie e Lolita.
Trabalho em formação digital.

Ora! Nem mais…

Publicado por: Milu  :  Categoria: FLAGRANTES DA VIDA, Ora! Nem mais...

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Imagem retirada daqui

 

E porque é verdade que ler me faz feliz, eis-me a braços durante esta semana, mais o fim de semana, ou o tempo que for preciso, com a leitura de “Estados da Mulher. A identidade feminina na ficção ocidental” de Nathalie Heinich. Uma leitura que me apetece desde que comecei a estudar Sociologia da Família.

Admirar a arte e apreciá-la, é um acto de cultura!!??

Publicado por: Milu  :  Categoria: Admirar a arte e..., FLAGRANTES DA VIDA

satira

Imagem retirada daqui

 

 

Charlie está a falar de amor, o seu tema predilecto. «Ah, l’amour, l’amour! Ah, que les femmes m’ont tué! Ai, messieurs et dames, as mulheres foram a minha ruína, a minha ruína para além de toda a esperança. Com vinte e dois anos, aqui estou sem nada e arrumado de vez. Mas que coisas não aprendi, que abismos de sabedoria não explorei! Que grande coisa não é ter conquistado a verdadeira ciência, ter-me transformado, no mais nobre sentido da palavra, num homem civilizado, ter-me tornado a tal ponto raffiné, vicieux» – e continuava por aí fora, sempre no mesmo estilo.

«Messieurs e dames, dou-me conta da vossa tristeza. Ah, mais la vie est belle – não vos quero ver tistes. Alegrem-se, sou eu quem o ordena!

«Ah, que la vie est belle! Ouçam, messieurs et dames, a minha voz cheia de experiência que vos fala de amor. Vou explicar-vos a verdadeira significação do amor – o que é a verdadeira sensibilidade, o prazer, mais requintado e mais alto, que só a um homem civilizado se proporciona. Vou contar-vos o dia mais feliz da minha vida. Infelizmente, passou o tempo em que eu podia conhecer tamanha felicidade, passou tudo para sempre – passou o tempo em que isso era possível, e o próprio desejo disso, para sempre, passou também.

« Ouçam, então. Foi há dois anos; o meu irmão estava em Paris – é notário – e os meus pais disseram-lhe para me procurar e me levar a jantar. Odiamo-nos um ao outro, o meu irmão e eu, mas achámos que o melhor era não contrariar a vontade declarada dos nossos pais. Jantámos, e ao jantar ele emborcou três garrafas de Bordeaux e ficou a cair que nem um cacho. Levei-o até ao hotel onde vivia, e pelo caminho comprei uma garrafa de brandy. Quando chegámos ao hotel, obriguei-o a beber um copo cheio do brandy que tinha comprado – convenci-o, dizendo-lhe que era um produto que o ia pôr sóbrio num instante. Ele bebeu, e logo  a seguir caíu como uma pedra, morto de bêbedo. Levantei-o do chão e encostei-o à beira da cama, sentado; depois, revistei-lhe os bolsos. Descobri onze notas de cem francos, que guardei, antes de descer as escadas à pressa, saltar para um táxi e pôr-me a salvo dali. O meu irmão não sabia a minha morada – e eu estava, por isso, fora de perigo.

« Que faz um homem quando tem dinheiro nos bolsos? Vai a um bordel, naturalmente. Mas não julgam com certeza que fui gastar o meu tempo nalgum lugar deboche vulgar, bom para os trabalhadores dos aterros! Nada de confusões, há aqui um homem civilizado! Sentia-me esquisito de boca, exigente, com um milhar de francos no bolso. 

(…). «Mil francos», respondeu uma voz de mulher. «É pagar já, ou não entram».

(…). Cá fora, ouvi lá dentro a voz de alguém a contar as notas, e a seguir uma mulher, que parecia um corvo, descarnada, vestida de preto, espreitou, olhando-me com desconfiança. No interior estava muito escuro: não conseguia ver nada, senão um bico de gás iluminando um pedaço de parede estucada, enquanto tudo o resto permanecia mergulhado na sombra mais densa. Cheirava a ratos e a poeira. Sem dizer palavra, a velha acendeu um outro candeeiro no bico de gás e avançou à minha frente, conduzindo-me, por um correddor lajeado até uma série de degraus também de pedra. 

«Voilá», disse ela. »Desça até à cave e faça o que quiser. Eu não vi nada, não ouvi nada, não soube de nada. Você é livre, percebe? Perfeitamente livre».

«Oh, messieurs, terei que vos descrever – o que forcément já conheceis por experiência própria – o calafrio, meio de terror meio de alegria, que se sente em instantes semelhantes? Desci a tactear, seguindo o caminho indicado; ouvia a minha própria respiração e o som dos meus sapatos na pedra do chão, enquanto tudo o mais em redor era silêncio. Ao fundo dos degraus, bati com a mão num interruptor eléctrico. Accionei-o e um grande candelabro de doze lâmpadas vermelhas iluminou a cave. Mas a cave tinha-se transformado num quarto de dormir, enorme, sumptuoso, vermelho de um  a outro extremo. Imaginem  a cena, messieurs e dames! Um tapete vermelho no chão, papel vermelho nas paredes, veludo vermelho nas cadeiras, o próprio tecto era vermelho; era tudo vermelho ali, e eu sentia os olhos a arder. Era um vermelho pesado, violento, como se a luz passasse através de taças cheias de sangue. Ao fundo, estava um leito quadrado, revestido com roupas de cama da mesma cor, e no meio da cama havia uma rapariga deitada, envolta num roupão de veludo vermelho. Ao ver-me, a rapariga teve um movimento de recuo e tentou esconder os joelhos puxando o roupão demasiado curto.

«Eu ficara imóvel no limiar. ‘Vem cá, minha franguinha’, chamei.

«Ouvia-a soltar um gemido de medo. Mas num pulo pus-me ao pé da cama; ela tentou esquivar-se, mas agarreia-a pelo pescoço – assim, estão a ver? – e apertei! A rapariga debatia-se, começou a implorar piedade, mas segurei-a com força, empurrando-lhe a cabeça para trás para lhe descobrir o rosto. Devia ter talvez vinte anos; a cara dela parecia a cara tosca e parada de uma criança pouco inteligente, embora estivesse toda coberta de pintura e pó de arroz, enquanto os olhos azuis mostravam a expressão amedrontada e idiota, cintilando na luz vermelha, que geralmente se encontra no seu género de mulher. Tratava-se, sem dúvida, de uma jovem camponesa, que os pais tinham vendido para aquela espécie de escravatura.

»Sem dizer mais uma palavra, puxei-a para fora da cama e atirei-a para o chão. E depois caí em cima dela como um tigre! Ah, a alegria, o arroubo incomparável desse instante! Aqui está, messieurs et dames, o que queria poder mostrar-vos; violá l’amour! É o verdadeiro amor, a única coisa no mundo que vale a pena que lhe consagremos algum esforço; é a coisa ao lado da qual, todas as vossas artes e ideais, todas as vossas filosofias e credos, todas as vossas belas palavras e atitudes nobres são tão baças e inúteis como cinzas. Quando uma pessoa teve a experiência do amor – do verdadeiro amor – que haverá no mundo que lhe não pareça um mero fantasma dessa alegria?

«De um modo cada vez mais selvagem, renovei o meu ataque. Uma e outra vez, a rapariga tentou escapar; voltou a pedir piedade, enquanto eu me ria dela. 

«’Piedade!’, disse eu, ‘Achas que vim aqui para ter piedade? Achas que foi  para isso que paguei mil francos?’ Juro-vos, messieurs et dames, que se não fossem essas malditas leis que nos roubam  a liberdade de acção, a teria assassinado naquele mesmo instante.

« Ah, como ela suspirava e gemia e soltava os gritos mais amargos da agonia. Mas não havia ninguém para os ouvir; ali, por baixo das ruas de Paris, estávamos tão seguros como num interior de uma pirâmide. As lágrimas escorriam pela cara da rapariga, arrastando o pó que a maquilhava em longos fios manchados. Ah, esse instante irrecuperável! Para os que, à vossa semelhança, messieurs e t dames, não cultivaram nunca as delicadezas mais requintadas do amor, estes prazeres ultrapassam a imaginação. E também para mim, agora que a minha juventude se foi – ah, a juventude – , a vida nunca mais brilhará com a mesma beleza. Acabou-se.

»Ah, sim, acabou-se tudo para sempre – para sempre. Ah,  a pobreza, a brevidade, a decepção das alegrias humanas! Porque, na realidade – car en réalité, o que é a duração do momento supremo do amor? Nada, apenas um instante, um segundo talvez. Um segundo de êxtase, e depois disso – poeira, cinzas, nada.

«E assim, apenas por um instante, conquistei a felicidade suprema, a emoção mais alta e requintada que os seres humanos jamais poderão atingir. E, no mesmo momento, tudo tinha acabado, e ficava-me – o quê, afinal? Toda a minha selvajaria, a minha paixão, se tinham desfeito como pétalas de rosa. Fiquei frio e quebrado, cheio de remorsos inúteis; na minha náusea, cheguei a sentir uma espécie de piedade pela rapariga que chorava deitada no chão. Não é repugnante chegarmos a ceder a emoções tão mesquinhas? Não voltei  a olhar para ela; o meu único pensamento era sair dali depressa. Galguei as escadas e vi-me de novo cá fora. Estava escuro e muito frio, as ruas estavam vazias, as pedras da calçada ressoavam debaixo dos meus pés em pancadas surdas e desoladas. (…). «Mas, messieurs et dames, era isto o que prometera contar-vos. É isto o Amor. Fora aquele o dia mais feliz da minha vida» (Orwell, 1985: 12-17).

ORWELL, George. (1985). Na Penúria em Paris em Londres. Edições Antígona. Lisboa.

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