Doa a quem doer

Publicado por: Milu  :  Categoria: Doa a quem doer, SOCIOLOGIA DA FAMÍLIA

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“Até aqui, temos vivido a civilização unisexual, a mulher não passou de espectadora no cenário da vida.”

María Lacerda de Moura — 1932

Há algum tempo, deparei-me com um artigo partilhado no Facebook, que logo considerei adequado para abrir caminho para mais um dos meus posts.

O artigo a que me refiro, publicado no site capazes.pt, da autoria de Joana Correia dos Santos, tem como título “O meu marido ajuda-me em casa!“.

Esta é uma expressão que actualmente muito se ouve, e a mulher que a profere fá-lo com evidente satisfação. Considera-se uma mulher com sorte, por isso, feliz da vida, diz à boca cheia “o meu marido ajuda-me em casa”. Porém, as coisas não são bem assim… e, muito possivelmente, o marido não a ajuda tanto quanto é o seu dever.

Senão vejamos:

Comecemos, então,  por procurar saber o que significa o vocábulo “ajuda”. Segundo o Dicionário Priberam, aqui, o significado de “ajuda” é o “acto de dar auxílio, favor, favorecer, facilitar”, etc.

Ora,  na gíria popular  “dar auxílio” é “dar uma mãozinha”, para que um outro alguém cumpra uma tarefa.

Deste modo, podemos verificar que, subjacente a esta expressão “o meu marido ajuda-me em casa”, está uma armadilha!… Uma vez que a mulher ao proferi-la  está  a aceitar que o grosso da coluna dos trabalhos domésticos lhe pertence a ela. É ela, sobretudo ela, que está incumbida de zelar pelo amanho da casa.

Mas porquê assim? É uma condição biológica? Está no sangue? No DNA? E, já agora, tendo em conta a religiosidade: foi Deus que assim determinou?

Não.

Tudo isto tem uma explicação:

Dominação masculina

Nas sociedades patriarcais, o masculino é considerado superior e o feminino inferior. Assim, as mulheres são submetidas à autoridade de um homem, começando pelo pai, algumas vezes até o irmão e depois o marido. Da relação patriarcal,  o homem é tido  como o principal ganha-pão familiar e a mulher como trabalhadora complementar, tendo na reprodução da família o seu papel principal. Ou seja, o marido era considerado o “chefe da família” enquanto à mulher cabia a “gestão doméstica”, o mesmo é dizer que, a ela estava destinado o dever de tratar da casa e da família, enquanto a ele  a missão de prover o sustento destas.

Ora, este estado de submissão das mulheres só foi sendo possível ao longo dos séculos porque tudo estava organizado de forma a que as mulheres se mantivessem na ignorância, dificultando-lhes a aprendizagem, impedindo-as de estudar mais que uma certa conta, etc. Afinal, sempre é verdade que, aquele (a) que não sabe, não viu, não percebe, também não sente…

Mas é com o evento da  Revolução Industrial, no final do século XIX, que esta distinção dos papéis sociais do homem e da mulher atingiria o seu cúmulo, quando o trabalho passou a ser dividido em duas esferas distintas, de um lado a unidade doméstica, de outro a unidade de produção. A essa fragmentação correspondeu uma divisão sexual do trabalho, cabendo ao homem o trabalho produtivo (papel operativo), pelo qual passou a receber um salário, enquanto à mulher coube principalmente a realização das tarefas relativas à reprodução da força de trabalho, cuidando da casa, dos filhos e dos velhos da família (papel expressivo), sem remuneração, constituindo assim a salvaguarda da retaguarda do marido.

Por conseguinte, a sujeição da mulher ao homem não se originou propriamente no capitalismo, porém, nesse sistema, tornou-se mais virulenta e devastadora.

Contudo, os tempos são outros. Actualmente as mulheres são companheiras dos homens no mundo do trabalho, trabalham tantas horas quanto eles, chegam a casa tão cansadas quanto eles, tão depauperadas quanto eles, muitas delas mais qualificadas e ganhando bem mais do que os seus maridos.

Posto isto, é justo que se continue a atribuir maior obrigação às mulheres do que aos homens  quando se trata de cuidar da casa? É justo que muitas mulheres continuem a pensar que uma mulher para ser mulher têm de ser uma moura de trabalho, uma escrava encapotada, por assim dizer?

Não estarão, agora, que marido e mulher trabalham fora de casa,  em paridade?

Claro que estão numa situação de igualdade. Por isso mesmo, a mulher não deverá sentir-se satisfeita com as “ajudas” nem deverá dizer “o meu marido ajuda-me em casa”, mas antes como disse uma das entrevistadas à autora do artigo aqui referido, por altura de um estudo que andava a fazer.

Disse a entrevistada:

Sem Título1

Partilha! Partilha é a palavra chave.

Toda a mulher tem o direito de cuidar da sua família, até de se comprometer mais do que lhe competiria para com o governo da casa, mas desde que o faça por amor, pelo gosto de cuidar bem dos seus, mas sempre, sempre, com a consciência do que o faz porque é esse o seu desejo e não a sua exclusiva obrigação, porque essa é dos dois elementos do casal.