Arqueologia dos Hábitos Alimentares

Publicado por: Milu  :  Categoria: Arqueologia dos Hábitos...

lagosta

Lagosta à Americana

Prologo

Escolha uma lagosta airosa, das melhores,
Depois deite-lhe a mão à casca com firmeza,
E se ella se puzer a estrebuchar com dôres,
É coração ao largo, arme-se de dextreza,
E em plena vida quanto a sinta resfolgar,
Zás! Retalhe sem dó o cardeal do mar!

Receita

Deite
Cada um por sua vez no azeite
Os pedaços ainda palpitantes,
Um tudo nada d’alho bem pisado
Pimenta, sal, temperos abundantes,

Vinho branco bom e tomate;

Deixe
Que isso fique apurado
E que avive ainda o escarlate
Da linda túnica do peixe

Mais ou menos para cosei-o
Uns bons trinta minutos conto,
Um pouco de cayenna e gêlo
Para rematar bem e…prompto.

Môlho de chorar por mais,
Que as volupias sensuaes
Tantas nasçam d’elle e tanto
Que façam damnar um santo.

Epilogo

Com este ideal e perfido pitéu
Capaz de dar espírito a um sandeu
Não ha belleza arisca, está provado,
Por mais forte que seja e resistente,
Que não succumba fatalmente
Em gabinete reservado

Charles de Monselet.

barraflor

Encontrei esta preciosidade de versos num livro que acabei de ler com o título “Arqueologia dos Hábitos Alimentares” do autor João Pedro Ferro.

João Pedro Lagoa Baptista Ferro nascido em Lisboa no dia 27 de Setembro de 1966 viria a falecer muito jovem, no dia 26 de Outubro de 1994, com apenas 28 anos, vítima de doença cancerosa.
Licenciado em História pela Universidade Nova de Lisboa (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas), foi responsável pela secretaria do Centro dos Estudos Históricos, onde desenvolveu trabalhos em vários volumes das ”Chancelarias Portuguesas” e das “Cortes Portuguesas”. Tiveram a sua colaboração o projecto ”Índices da Leitura Nova” e o projecto da UNESCO e do Conselho Nacional de Arquivos, “Guia das Fontes Arquivísticas para o Estudo da História das Nações”. Trabalhou na preparação dos volumes de “Guias de Fontes Portuguesas para a História da África, Ásia e América”. Foi bolseiro da Fundação Oriente, dedicou-se à recolha de fontes e na execução do capítulo sobre “Aspectos Culturais” a inserir numa “História dos Portugueses no Extremo Oriente”.
Apesar de muito jovem deixou obra feita: Cinco livros e bem mais de uma dezena de artigos além de outros sete livros prontos para impressão! A sua biblioteca, composta por 2000 livros foi doada, por sua vontade, à Biblioteca Nacional.
Foi sem qualquer dúvida o mais excelente historiador da sua geração!

Através deste livro tomamos conhecimento dos alimentos que consistiam a alimentação na época medieval, bem como a evolução na utilização de novas técnicas na confecção e introdução de novos alimentos. Nos tempos medievos, regra geral previligiava-se a quantidade em detrimento da qualidade. A confecção das refeições obedecia a técnicas rudimentares e a condimentação era desprovida de requintes. A base da alimentação era constituída pelos cereais, a carne, o peixe e o vinho. Com os descobrimentos observaram-se algumas alterações, principalmente um marcado exagero na condimentação. Um aspecto positivo foi o aumento do consumo de vegetais e frutas. A carne imperava, vaca, porco, carneiro, cordeiro e cabrito. A criação tinha grande consumo, galinhas, patos gansos, pombos, faisões, pavões, rolas e coelhos. O consumo de carne estendia-se à confecção de sobremesas como o manjar branco e outros doces feitos à base de carne de galinha! Resumindo: A carne comia-se acompanhada de mais carne! Foi a partir do Renascimento que a doçaria portuguesa conheceu a sua pujança – Os doces conventuais que têm como base os ovos e o açúcar. Na Idade Média a faca era um instrumento muito útil, com grande utilização, já os garfos eram desconhecidos sendo que a colher raramente era utilizada! Quanto a pratos, eram inexistentes, comia-se a carne e o peixe em cima de grandes rodelas de pão! No século XVIII já não era bem assim, toalhas, guardanapos, garfos, pratos e copos de vidro eram agora de uso corrente.
Descrição de uma refeição típica portuguesa feita por um sueco:

“O primeiro prato é uma sopa forte e cheia de pão, feita de carne de vaca, toucinho e linguiça, esta última quase sempre com muito alho. Depois, serve-se a carne com que se fez a sopa que, de ordinário, é excelente e que se come com mostarda e legumes. O terceiro prato compõe-se de rosbife, peru, pato ou galinha. E, por fim, a sobremesa, composta por variados frutos, que aqui existem de muitas qualidades em todas as estações.”

carne

Pelo que me foi dado ver neste livro, havia muitas iguarias, de fazer crescer água na boca! Vou deixar aqui alguns exemplos que faziam parte de uma proposta para um jantar à portuguesa, datada nos anos de 1871! Embora com tiques ainda do século XVII, esta cozinha já está, no entanto, muito próxima de como a conhecemos hoje! Ora vejamos!

“1ª Coberta

Prato de cozido que deve ser composto por carne de vaca, galinhas, carne de porco, e alguma vitela, tudo bem arranjado e ornado com hortaliça e ramos de salsa;
Terrinas de sopa, a saber: uma de pão, outra de massa ou cevadinha;
Cobertas (i.e…) com diversos guisados, como por exemplo: cabidela, frangão estufado, costeletas de vitela, vitela estufada, dita recheada, etc.
Cabeça de vitela recheada e tostada no forno, tortas de picado, ou de frangões, pombos, etc.
Tímbales de presunto, lombo de porco, rolas, patos, etc.”

Fico-me por aqui!… Com isto fiquei esfaimada! Tenho de fazer urgentemente uma visita à cozinha! O frigorífico, infelizmente, de momento, não alberga nada que se possa comparar à magnitude dos manjares aqui descritos!… Vai uma sandes de presunto! Que remédio!