O dinheiro do ópio

Publicado por: Milu  :  Categoria: O dinheiro do ópio, PARA PENSAR

S.Vietnamese soldier helping to free his

Imagem retirada daqui

 

“O inferno está vazio. Todos os demónios estão aqui na Terra“

Shakespeare (Saint Germain)

 

“Em 1862, as tropas francesas tomaram posse de zonas no Sul do Vietname, no ano seguinte entraram no Cambodja, dez anos depois no centro de Vietname e no ano seguinte conquistaram todo o Vietname. Ao invadir o Laos, em 1893, toda a Península, situada ao sul entre a Índia e a China, passou a ser colónia francesa com o nome de Indochina. Este território rapidamente se converteu em produtor, refinador e consumidor de ópio. Em 1897, o governador da Indochina e futuro presidente da França, Paul Doumer, estabeleceu o monopólio estatal do ópio, de tal forma que dez anos depois 25% das remessas provenientes da colónia do Sudeste Asiático diziam respeito ao ópio. Em 1939, havia 2500 casas de ópio e 100 000 toxicómanos na Península da Indochina. A Segunda Guerra Mundial interrompeu este negócio pelas dificuldades de comércio entre os principais centros de cultura e as refinarias de Saigão, Irão, Turquia e a província chinesa de Yunnam. Os franceses encorajaram alguns chefes tribais, especialmente da minoria Hmong (ou Méo), a semear ópio no Norte do Vietname e especialmente no Laos. Entre 1940 e 1944, a produção aumentou oito vezes, ultrapassando as 60 toneladas. 

No fim da Segunda Guerra Mundial, intensificou-se o movimento nacional de libertação do Vietname, do Laos e do Cambodja (Viet Minh). Os serviços secretos franceses recorreram então aos mesmos grupos minoritários no Laos e no Vietname do Norte para produzir ópio com o fim de obter fontes de financiamento para a armada que combateria os rebeldes. Alguns agentes secretos compravam o ópio às tribos leais à França e transportavam-no para Saigão, que tinha sido libertada  do Viet Minh pelos Binh Xuyen, um grupo de piratas do rio Mekong.

As casas de ópio aumentaram em Saigão, sob a vigilância dos serviços secretos franceses, assim como o excedente exportado pelos Binh Xuyen para Hong Kong e Marselha, nesta última com a participação das máfias córsegas e sicilianas. 

O dinheiro era utilizado para combater os Viet Minh. Quando as tropas da França perderam a guerra, em 1954, tornou-se público que 400 oficiais franceses tinham utilizado este dinheiro para treinar 40 000 membros das tribos Hmong no combate antiguerrilheiro de montanha.

Desde 1986 que a cultura do pavot está proibida no Vietname.

ópio-Cópia2-300x200

Imagem retirada daqui

O Vietname tinha uma população de 700 milhões de pessoas e um rendimento per capita de 170 dólares em 1994. A agricultura e a indústria contribuíam com menos de um terço cada uma para a produção nacional; o petróleo e o arroz somavam um terço das suas exportações. A guerra destruiu 350 000 hectares dos bosques do país, baixando de 40% para 25% a área florestal. O Banco Mundial calculou em 51% a população qualificada como «pobre» em 1994. A esperança de vida era de 65 anos e a mortalidade infantil era de 41 por cada 1000 nesse mesmo ano. Apenas metade da população possuía água potável, mas só um oitavo era analfabeta e todos os menores de idade frequentavam o sistema de ensino primário, se bem que 42% dos menores de 5 anos estivessem subnutridos.  A dívida externa a longo prazo continua a comprometer mais do que todo o produto nacional, se bem que as exportações tenham descido de dez para cinco vezes entre 1990 e 1994 e os pagamentos da dívida sejam inferiores a 10% das exportações. 

Depois da retirada das tropas francesas em 1954, os Estados Unidos invadiram o Vietname e, em 1959, o exército norte-americano começou a treinar no Noroeste do Laos 30 000 membros da tribo Hmong na luta antiguerrilha, as quais continuaram a produzir ópio como forma de financiamento.

Em 1965, a CIA criou a Air America, especializada no transporte de ópio para ser transformado em Saigão em heroína nº 4 (entre 80%-90% de pureza), à semelhança da Continental Air Service que transportava a heroína do KMT (Kuomitang, Governo Nacionalista da China) para Banguecoque. Os próprios soldados americanos se transformaram em heroinómanos. Na década de 70, foi detetada uma epidemia entre as forças de ocupação norte-americanas, que afetava 15% das tropas, ou seja, entre 25 000 e 37 000 viciados. Em 1975, o Pathet Laos tomou o poder no Laos e legalizou a plantação de papoilas. Calcula-se em 60 000 as famílias que vivem da cultura do pavot, nuns 20 000 hectares; da sua produção, estimada em 230 toneladas em 1992, os 42 000 opiómanos consomem 80 toneladas, uma parte do restante é transformada em heroína e a outra parte é exportada para a Tailândia.” 

Excerto em itálico da autoria de René Tapia Ormazábal

Bibliografia 

ORMAZÁBAL, T. René. (1999). Mamã Coca, Coca-Cola, Cocaína: Três Pessoas Numa Droga Só. Notas para um ensaio sobre a economia política do narcotráfico. Caminho. Lisboa. p. 101-104.

Droga – A Cultura do Ópio

Publicado por: Milu  :  Categoria: Droga - A Cultura..., SOCIEDADE

opio_1_thumb[2]

Imagem retirada daqui

 

Nem sempre as Drogas foram Drogas. Ora vejamos:

“Desde a antiguidade até ao momento da supremacia da sociedade capitalista – quando esta entra em contacto com os povos dos cinco continentes – a coca, o pavot e o cannabis não eram mercadorias. As agora chamadas drogas eram instrumentos culturais que faziam parte de um acervo social que tinha o seu próprio equilíbrio, assim como normas de uso e controlo das “plantas sagradas”. As relações capitalistas introduzem a sua produção e venda como mercadorias.

A actual “guerra das drogas” enquadra-se na luta permanente, e hoje em dia feroz, pelo domínio do mercado mundial que, neste campo, distingue entre as drogas do Sul e as drogas do Norte. Tem os seus antecedentes nas “guerras do ópio”, continua com o proibicionismo americano dos começos do século e inicia esta fase actual com a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961.

As “guerras do ópio” foram um acontecimento histórico que assinalou a passagem à fase contemporânea e moderna na apropriação, no uso e na aplicação das drogas. Esse momento histórico correspondeu à hegemonia de um novo tipo de sociedade baseado em processos diferentes, mas simultâneos e convergentes, a que Hobsbawn chamou as “duas revoluções”: a antifeudal e a industrial.”

As consequências da revolução antifeudal:

“A revolução antifeudal significou a libertação dos servos da gleba. Ao serem declarados “livres”, deixaram de estar adstritos à terra e deixaram também de possuir os meios de subsistência que esta lhes proporcionava. Foi assim que se transformaram em trabalhadores assalariados, quer dizer, passaram a trabalhar na recente indústria de manufactura em troca de um salário em dinheiro que lhes permitia comprar os elementos de sobrevivência. No início do processo chamado “revolução industrial”, em meados do século XVIII, e durante quase um século, a jornada de trabalho era extenuante e durava até 18 horas por dia: ao mesmo tempo, os que batiam às portas das fábricas à procura de trabalho eram tantos que, os que o encontravam, faziam-no por um salário de miséria.

(…).

Nestas condições, a administração e o comércio de drogas com carácter medicinal, mas baseadas no ópio, eram uma prática consciente e premeditada (Bachman e Coppel, op.cit.,cap.2). Esta prática tinha como objetivos: primeiro, manter os indivíduos deprimidos, pois eram potencialmente perigosos se se revoltassem contra a sua situação, da qual iam tomando paulatinamente consciência; segundo, substituir os alimentos e o álcool. 

A “guerra do ópio”:

(…)

Em 1557, os portugueses estabeleceram-se em Macau e, em 1569, os espanhóis nas Filipinas. A partir daí, ambos tentaram comercializar as especiarias, as sedas e as pedras preciosas com a China; mas ainda não tinham nada a oferecer que fosse interessante para esse povo, excepto o tabaco americano. Assim, foram introduzindo na China, o hábito de fumar com cachimbo. (…).

Durante o século XVII, os holandeses expulsaram os espanhóis e os portugueses de Ceilão, da Formosa (Taiwan), das Índias Orientais (Tailândia, Cambodja, Laos, Vietname) e de outros territórios. As colónias chinesas da Formosa e das Índias Orientais tinham, como passatempo, o hábito de fumar tabaco em cachimbo; os holandeses então misturaram ópio produzido na Índia ao tabaco que vendiam para os cachimbos dos chineses. Por este motivo, o imperador da China permitiu aos holandeses, e só a eles, estabelecer relações comerciais com o seu país, se bem que só no porto de Cantão. No entanto, em 1729, também proibiu os fumadores de ópio.

(…).

Apesar de tudo, entre 1811 e 1821 foram vendidas na China 340 toneladas de ópio como média anual, provenientes da Índia; na década seguinte, a média anual aumentou para 1841 toneladas, de maneira que no fim dos anos 30 já havia dois milhões de adeptos no país. A situação era insustentável para a China, que pagava com chá e seda a droga, nem desejada nem saudável, que drenava a sua riqueza e embrutecia a população. Por conseguinte, o imperador teve que actuar.

13san-francisco_thumb[2]

Como Cantão era o único porto autorizado a comerciar com estrangeiros no país e, supostamente, era a entrada legal do ópio, em Dezembro de 1838 foram expulsos os comerciantes da cidade, na sua maioria ingleses, queimadas 2000 toneladas de ópio num mês e… estipuladas condições e prazos para que os viciados nacionais deixassem paulatinamente de o fumar. A Inglaterra reagiu em nome da “liberdade do comércio” e, em 1840, os seus barcos de guerra iniciaram um conflito armado para a impor.

Sem condições técnicas para combater estas tecnologias de suporte bélico, a China viu-se obrigada a assinar, em 1842, o Tratado de Nanking, segundo o qual seriam pagas indemnizações ao governo e aos comerciantes ingleses, num total de 21 milhões de dólares, para além de se abrirem outros portos ao comércio internacional e ser cedida à Inglaterra a ilha rochosa de Hong Kong. Uma nova guerra do ópio, entre 1856 e 1858, permitiu legalizar definitivamente a sua importação, em troca de pagamento de tarifas alfandegárias.

Como consequência da legalização do ópio e do aumento do preço imposto pelos tributos à importação, em 1860 este comércio passou a ser substituído por plantações próprias de papoilas nas províncias fronteiriças da China com a Índia. O ponto máximo das importações foi em 1880, com 6500 toneladas, ao passo que a produção interna cresceu até às 22 ooo toneladas nos finais do século. O país chegou a ser o primeiro produtor mundial, destronando o monopólio inglês. Com quinze milhões de fumadores nos princípios deste século, transformou-se também no primeiro consumidor. Foi assim que os emigrantes chineses na costa oeste dos Estados Unidos – importados como mão de obra para as companhias que construíam a linha de caminho de ferro que unia o Atlântico ao Pacífico – introduziram neste país, nos fins do século passado (XIX), as casas para fumadores de ópio.

4Interiorchineselodginghousesanfrancisco.JPG._thumb[4]

Imagem retirada daqui

Excertos em itálico da autoria de René Tapia Ormazábal

Bibliografia 

ORMAZÁBAL, T. René. (1999). Mamã Coca, Coca-Cola, Cocaína: Três Pessoas Numa Droga Só. Notas para um ensaio sobre a economia política do narcotráfico. Caminho. Lisboa. p. 95-100.

Benditas endorfinas!

Publicado por: Milu  :  Categoria: Benditas endorfinas, PARA PENSAR

4098316274_d7e068894c-234x300

Imagem retirada daqui

 

Frequentemente ouvimos falar na ressaca do toxicodependente e das dores por este sofridas durante esse período. Mas quantos de nós sabem desse mecanismo? Afinal porque têm os toxicodependentes dores insuportáveis quando estão em ressaca? Que dores são essas e o que as provoca?

As drogas provocam danos corporais e, sobretudo, ao sistema nervoso central, agindo sobre os neurónios, as células do sistema nervoso. Cada neurónio é constituído por vários prolongamentos ou “dendrites” e um prolongamento maior, o “axónio”, que tem a função de comunicar com as dendrites de um outro neurónio. Por conseguinte, os neurónios formam redes que transmitem todas as sensações por nós sentidas, à semelhança de uma corrente eléctrica, até ao cérebro.

Os neurónios nunca se tocam, entre as extremidades das suas ramificações existe um espaço, a sinapse. Quando uma sensação de dor chega ao extremo de um axónio, são libertadas determinadas substâncias químicas que ao espalharem-se nas sinapses transmitem essa informação. É o caso das endorfinas, que acalmam a dor. Estas substâncias químicas vão agir sobre o neurónio seguinte, ligando-se em moléculas que funcionam como receptores.

O nosso organismo segrega endorfinas permanentemente e em consonância com mais ou menos esforços por nós despendidos. Sem as endorfinas a nossa vida seria um tormento, pois qualquer movimento nos provocaria dores insuportáveis.

Ora, as drogas agem de forma semelhante a essas substâncias químicas que circulam entre dois neurónios, alojando-se nos receptores de endorfinas. Por isso, o ópio, a morfina e a heroína suprimem a dor. O toxicodependente deixa de ter fome ou sede, frio, não sente dor nem tensão nervosa. Aos poucos o seu organismo deixa de produzir endorfinas, já que não tem necessidade delas, uma vez que a droga lhe retira a dor. Desta forma, os receptores de endorfinas perdem a atividade e vão progressivamente tornando-se menos eficazes.

Mas, quando o toxicodependente deixa de tomar a droga nas doses habituais ou decide deixar a droga, irá sofrer o tormento da ressaca, pois são necessários 4 a 5 dias para que o seu cérebro dê pela falta das endorfinas no seu corpo e lhe ordene que as produza novamente. Assim, durante este interlúdio, o toxicodependente deixa de ter qualquer proteção contra a dor, sofrendo terrivelmente. Por exemplo: o simples contato seja do que for com a sua própria pele pode-lhe ser muito doloroso.