Organização social

Publicado por: Milu  :  Categoria: Organização social, REPOSITORIUM

imagem

Vem este primeiro post abrir caminho para a criação de um Repositorium de textos de Sociologia, uma ciência que se tornou uma das minhas paixões, precisamente quando comecei a  aprofundar os  meus conhecimentos sobre Sociologia da Família. E, sempre que eu descubro algo que me faz entender o mundo, os fenómenos sociais que me rodeiam, o  meu primeiro impulso, a que mal consigo resistir, é o de querer partilhar com o outro.

Entendo que se é bom para mim, também é bom para os demais.

Ora bem! Comecemos pela definição de Organização Social. Chamo a atenção para o facto de que estes excertos do livro citado na bibliografia são resumos, retiro apenas o que entendo ser suficiente para a apreensão e compreensão dos conceitos e das teorias. As referências, que tive o zelo e o rigor de observar, têm também o fim de permitir que o conteúdo deste post  possa ser utilizado em trabalhos académicos.

♦♦♦

“Chegou pois a altura de alargar a nossa visão da acção social situando-a agora num contexto mais vasto do que o da simples cultura, quer dizer, no contexto da organização social total” (p. 7).

“CULTURA, ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL”

“Insistimos na necessidade de distinguir na acção social a camada (palier) das condutas dos actores e a camada (palier) dos conjuntos sociais ou das colectividades. O estudo da organização social situa-se à primeira vista ao nível macrossociológico dos conjuntos sociais; torna-se então necessária uma segunda distinção entre os «elemento culturais» de uma colectividade por um lado e aquilo a que chamaremos aqui os seus «elementos estruturais» por outro” (p. 8).

“ELEMENTOS CULTURAIS”

“Para compreender o significado destes termos, partamos de um exemplo concreto, da universidade. A acção dos diferentes actores que povoam e compõem uma universidade inspira-se num universo «cultural» característico de todas as universidades e simultaneamente próprio a cada uma delas. Estes actores têm, antes de mais, em comum determinados valores: respeitam o conhecimento nas suas diferentes formas, atribuem um valor à investigação, dão apreço ao trabalho intelectual. Estes ideais não têm o mesmo peso na vida de cada professor, de cada estudante e de cada universidade; mas não deixam de ser valores a que em qualquer universidade se aspira” (p. 8).

“ELEMENTOS ESTRUTURAIS”

“ (…) tudo o que compõe o universo «cultural» da universidade, é apenas um aspecto da totalidade da vida universitária. A análise concreta de uma universidade revelar-nos-á muitos mais elementos, estes «não culturais»:

1- Actividades ou tarefas: Assistências a aulas, participação em seminários ou em trabalhos práticos de laboratório, redacção, pesquisa bibliográfica na biblioteca, recepção dos visitantes, reuniões de comissões, etc;

2- Cada uma destas actividades individuais e colectivas adquire um sentido, relativamente à contribuição que traz às funções ou aos objectivos da universidade, através daquilo que se chama a «divisão do trabalho», pela qual se definem os estatutos e os papéis (…);

3- A realização destas tarefas variadas implica a criação de grande número de canais de relações sociais (rapports sociaux) (…);

4- Estes canais de relações sociais (rapports sociaux) e a divisão do trabalho formalizam-se em «quadros organizados» a que se chamam faculdades, departamentos, secções, institutos, serviços administrativos” (…);

5- (…);

6- As relações sociais (rapports sociaux) inscrevem-se no quadro de diversas «hierarquias», constituídas pelo escalonamento dos níveis de autoridade, dos títulos e estatutos, dos grupos, etc” (…);

7- As relações sociais (rapports sociaux) no seio da universidade podem ser marcadas pela colaboração, mas podem também comportar uma parte de competição, de concorrência entre actores ou entre grupos de actores (…);

8- As actividades dos diversos actores da universidade, e canais de relações sociais que se organizam, dependem em parte de diferentes «condições físicas ou materiais». Não é indiferente que a universidade tenha dois mil ou trinta mil estudantes, que o «campus» seja extenso ou restrito, que os edifícios sejam concentrados ou dispersos numa superfície vasta, que sejam novos ou antigos, que estejam situados no centro de uma grande cidade ou no campo (…);

9- A universidade tem exigências financeiras e tem de contar com fontes de financiamento determinadas (…);

10- Uma universidade situa-se também no tempo, que lhe confere uma «idade». A organização de uma universidade e as respectivas actividades poderão variar se ela for nova ou antiga, simultaneamente rica e pesada de tradições;

11- O meio em que a universidade se encontra condiciona a sua vida. Esta poderá variar pelo facto da universidade se encontrar num país industrializado ou numa nação jovem em vias de desenvolvimento, pelo facto de estar rodeada de outras instituições universitárias ou por estar isolada, pelo facto de se inscrever num regime político totalitário ou democrático, etc” (pp. 9-11).

“ESTRUTURA E CULTURA”

“Todos estes aspectos da vida universitária, que definem, condicionam, determinam ou enquadram a acção social dos actores, não podem no entanto ser assimilados àquilo que se identifica como sendo a cultura da universidade. Agrupam-se geralmente sob a expressão «elementos estruturais» da organização social. Se as definições de cultura abundam em sociologia e em antropologia, é no entanto bastante difícil encontrar uma definição satisfatória dos elementos estruturais. Os autores limitam-se geralmente a uma enumeração mais ou menos longa, como a que acabámos de fazer, e como o faz também o sociólogo canadiano Fernand Dumont na passagem seguinte: «A sociologia, assim como a antropologia, hesita constantemente em torno de uma distinção fundamental entre «estrutura e cultura», sem ter ainda conseguido chegar a qualquer delimitação precisa. Por um lado, sob a figura da estrutura, a realidade social é considerada como uma forma objectiva em que os dados demográficos e económicos, alguns aspectos da organização social (os que, por exemplo, se traduzem por estatutos e papéis) (…). Por outro lado, sob imagens assumidas pela noção de cultura, a realidade social apresenta-se como configuração espiritual ou «consciência colectiva», como um universo mental no qual os indivíduos participam e pelo qual são definidos” (pp. 11-12).

“Note-se que poderíamos ainda classificar estes elementos estruturais em dois subgrupos distintos: os elementos «morfológicos» e os elementos «estritamente sociais». Emile Durkheim e os seus discípulos, sobretudo Marcel Mauss e Maurice Halbwachs, empregaram a expressão «morfologia social» ou ainda «substrato morfológico» para designar «a massa dos indivíduos que compõem a sociedade, a maneira como eles estão dispostos sobre o solo, a natureza e a configuração das coisas de toda a espécie que afectam as relações colectivas». Os elementos morfológicos da universidade seriam pois os que enumerámos atrás na alínea 8, 9 e também em parte da alínea 11. Os elementos estritamente sociais são todas as modalidades de disposição das relações sociais em agrupamentos, organizações, associações, hierarquias, em canais de colaboração, de competição, de conflito, etc” (p. 12).

“DEFINIÇÃO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL”

“Para além desta subdivisão, o que pretendemos pôr em evidência é que todos estes elementos a que chamámos estruturais fazem parte da vida colectiva da universidade e contribuem para a organização desta em estreita ligação com os elementos culturais. Elementos estruturais e elementos culturais estão intimamente ligados e em interacção constante; a cultura reflecte elementos estruturais, inspira-se neles para criar modelos, símbolos, sanções, para precisar o conteúdo normativo de papéis; os elementos estruturais, por seu lado, obedecem em certa medida às representações, valores, ideologias, aos símbolos da cultura, ao mesmo tempo que podem condicioná-los ou mesmo resistir-lhes ou contrariá-los.

Se, para análise, é necessário saber distinguir entre elementos culturais e elementos estruturais, é preciso também poder, com vista à síntese, discernir-lhes a interpretação, revelar-lhes as interacções. Porque afinal é da síntese dos elementos culturais e estruturais que surge aquilo a que chamamos a «organização social» de uma colectividade, que definiremos neste momento como a disposição global de todos «os elementos que servem para estruturar a acção social, numa totalidade que apresenta uma imagem, uma configuração particular, diferente da suas partes componentes e diferentes também doutras combinações possíveis».

Assim, pode dizer-se da universidade (em geral) que ela apresenta uma organização social que a distingue de outros tipos de coordenações da acção social (fábrica, família, tribunal); pode também dizer-se que uma determinada universidade (a Universidade de Harvard, a Universidade de Paris, a Universidade de Montreal) tem uma organização social que a caracteriza e lhe dá uma identidade própria, distinta da das outras universidades.
O exemplo utilizado é excelente para ilustrar a distinção dos elementos culturais e dos elementos estruturais e a sua síntese numa organização social. No entanto, o mesmo processo de análise e o mesmo esquema teórico podem aplicar-se a qualquer outra colectividade: a fábrica, a cidade, a região, a classe social, a profissão, a família, o parentesco, a sociedade global apresentam uma organização social no sentido atrás definido, na qual os elementos estruturais e os elementos culturais se entremeiam” (pp. 12-13).

(…) esta parte é precisamente consagrada ao estudo da organização social. O que equivale a dizer que atingimos declaradamente a camada macrossociológica. E para nos situarmos a este nível (palier) da maneira ainda mais completa, veremos sobretudo como a sociologia abordou o estudo da «organização social das sociedades globais» (p. 14).

“NOTA DE SEMÂNTICA”

“Tipos sociais”

Durkheim recorreu à expressão «tipos sociais» para designar aquilo a que chamamos a organização social, em particular a das sociedades globais (…) mas a expressão não vingou.” Aliás, é ambígua (…).

“Estrutura social”

“Muitos autores teriam dito «estrutura social» onde dizemos organização social. A expressão «estrutura social» é de facto abundantemente utilizada na antropologia e na sociologia contemporâneas; mas não é menos ambígua que a precedente.”

“Organização social”

Em a «A Dictionary of the Social Sciences», Robert Faris definiu a organização social da seguinte maneira: «Nas ciências sociais, organização social significa um conjunto relativamente notável de inter-relações funcionais entre os elementos componentes (pessoas ou grupos), donde resultam características que não se encontram nestes elementos, o que produz uma entidade sui generis.». Esta definição da organização social aproxima-se da nossa o suficiente para nos convencer de que empregamos a expressão num sentido relativamente corrente” (pp. 15-16).

“DUPLA TRADIÇÃO NO ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL DAS SOCIEDADES”

“Solucionado o problema semântico, podemos agora entrar a fundo na sociologia da organização social.
Quando se procura compreender a forma como a sociedade abordou o estudo da organização social das sociedades globais, é fácil discernir uma dupla tradição. Denominaremos a primeira de «classificatória»; a segunda de «analítica».

“As duas tradições”

“Na «tradição classificatória», a sociologia procura apreender os traços comuns e os traços distintos que podem ser observados, quando se comparam entre si as sociedades concretas e históricas, com o objectivo de reagrupar em grandes classes, ou grandes tipos, todas as sociedades conhecidas. A intenção manifesta aqui é chegar a uma tipologia ou classificação que permita reduzir a algumas grandes categorias a multiplicidade e a variedade das sociedades existentes.
A sociologia da «tradição analítica» responde mais ao desejo de elaboração de um esquema conceptual e teórico que dê conta da organização da sociedade, do seu funcionamento, da disposição das suas diferentes partes, da sua coerência interna, das suas divisões e contradições, do seu movimento e da sua transformação. O fim em vista é a construção de um «modelo» teórico que permite analisar a sociedade na sua totalidade e nas suas partes, compreender e explicar a sua organização e transformação” (pp. 16-17).

“A comum intenção de universalidade
das duas tradições”

“Esta dupla tradição é característica do trabalho científico em quase todos os domínios. Toda a investigação científica consiste numa reconstrução mental da realidade, no sentido de descobrir a ordem subjacente à diversidade e à incoerência aparentes dos fenómenos observados. O investigador consegue discernir esta ordem não aparente, antes de mais, reduzindo o grande número de fenómenos e algumas classes constituídas segundo determinados critérios a partir dos quais os fenómenos se assemelham ou se diferenciam; uma classificação permite não só reconduzir a totalidade dos factos ou dos fenómenos a um número manipulável de unidades, mas também situar cada facto relativamente ao contexto global a que pertence. Em segundo lugar o investigador reconstrói a ordem subjacente dos fenómenos pela elaboração de um modelo abstracto logicamente coerente que transpõe os princípios da organização e do movimento dos fenómenos observados para proposições gerais.

A classificação e a análise teórica têm pois uma «intenção de universalidade», mas em dois sentidos diferentes. A primeira procura construir um número restrito de classe em que todos os factos observados tenham cabimento; a segunda pretende construir um esquema teórico que dê conta de todos os fenómenos. Esta mesma intenção de universalidade encontra-se em sociologia como em todas as outras ciências; é ela que anima as duas tradições que mencionámos” (pp. 16-17).

Bibliografia

ROCHER, Guy. (1999). Sociologia Geral – A organização Social. Editorial Presença. Lisboa. pp. 1-18.