O Ovo Estrelado

Publicado por: Milu  :  Categoria: FLAGRANTES DA VIDA, O Ovo Estrelado

ovoestrelado

“Tem mais do que mostras; fala menos do que sabes.”

WILLIAM SHAKESPEARE

A minha primeira multa de trânsito… Das várias que se seguiram!

Foi ainda a bordo do meu carocha. Num belo dia, enquanto seguia pela estrada num dos meus passeios higiénicos, para arejar as ideias, dei de caras com um agente da PSP, que se encontrava parado na berma ao lado de uma moto.

Depois dos cumprimentos recíprocos foram-me pedidos os documentos que, de imediato, coloquei nas mãos da autoridade confiante que tudo estava em ordem. Nem outra coisa poderia ser, tendo em conta a fresca carta de condução e a compra recente do carrito. É normal que nesta situação, pelo menos nos primeiros tempos, tudo se encontre como manda a lei! Piscas, faróis, travões, pneus, enfim, tudo conforme os requisitos! Qual não foi o meu espanto, quando dei conta de que o polícia empunhava na mão um bloco, no qual se aprestou a escrever, sem que previamente me tenha sido feita qualquer chamada de atenção!

Ora toma!

Se por um lado era a primeira vez, que conduzindo carro próprio, parava a uma ordem da polícia, por outro lado, estava farta de assistir a operações stop, quando viajava no carro de outras pessoas. O conhecimento de causa que detinha dizia-me, portanto, que algo de anormal se estava a passar. Um polícia não escreve num bloco sem mais nem menos!

Não tive outro remédio que não fosse perguntar ao senhor agente se havia algum problema. Respondeu-me que estava a proceder a uma pequena autuação. Mais uma vez tive de indagar de que autuação se tratava, uma vez que nada me foi dito, nem eu própria imaginava o que pudesse ser. Que era uma pequena autuação, por não trazer afixado na traseira do carro o dístico de noventa, também conhecido por ovo estrelado! Retorqui que tinha. Sim senhor! Se eu mesma o tinha colado!… Porém, continuou a escrever, ao mesmo tempo que me dizia que saísse do carro e fosse verificar com os meus próprios olhos. Na verdade, o dístico tinha desaparecido, em seu lugar restavam apenas alguns parcos resíduos de cola.

Conversei com o agente tentando fazer-lhe ver que, sendo autuada, estava a ser duplamente injustiçada. Primeiro, porque alguém, num acto de maldade, tinha arrancado o dístico, obrigando-me assim a comprar outro. Segundo, porque agora estava a ser alvo de uma acção que me iria penalizar ainda mais. Uma certeza havia – culpa  minha  não era, já que não tinha sido eu quem destruira o dístico, pois sabia que era necessário. Até me convinha, diga-se em bom abono da verdade! Convinha-me trazer o noventa bem à vista, para que todos  os condutores ficassem avisados e fugissem de perto de mim, vistas bem as coisas, sempre ficaria mais à larga para fazer os meus disparates! É que dizer a verdade não me incomoda, o contrário sim, incomoda-me, e muito!

Apesar dos meus bons e ajuizados argumentos, o polícia não esteve com meias medidas e vá de continuar a escrevinhar! Foi neste momento, que os meus verdes 19 anos de idade fizeram  uma das suas – disse-lhe que até  parecia que estava a multar-me com gosto!

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O que eu fui dizer, meu Deus!

Olhando-me nos olhos, proferiu todo um arrazoado, com o qual pretendia fazer-me ver que estava por demais habituado a ouvir discursos como o meu, e que eu até tinha sorte, por ainda não ter a carta de condução em meu poder mas sim uma guia, que por sua vez não poderia ser apreendida, caso contrário apreendia-ma imediatamente! Ainda assim fazia questão de dar parte do ocorrido à direcção Geral de Viação e aguardar a decisão tomada por este organismo!

Ao ouvir isto fiquei sem pinga de sangue! Era jovem mas não era tonta, sabia compreender que algo ali estava sobejamente errado. Em primeiro lugar porque como autoridade não lhe era lícito um comportamento tão deplorável – iniciar o preenchimento de uma multa sem me dizer “água vai”! Depois, toda a cantilena da apreensão da carta, num arremedo de  uma vingançazinha de trazer por casa! Estava  ciente de que não tinha só deveres, tinha também direitos, e neste caso, sabia que estava a ser tratada de uma forma indevida,  por alguém a quem, acima de tudo, temos o direito de exigir uma conduta exemplar! São  comportamentos como este que colocam mal toda uma classe profissional, pois não será esta a sua verdadeira missão! A “brincadeira” custou-me trezentos paus, a somar a  mais não sei quanto na compra de um novo dístico do noventa. Tudo isto sem ter feito qualquer mal a alguém! Já agora… O que fazia ali um polícia sozinho com a moto a tiracolo?

carocha

24 Comentarios to “O Ovo Estrelado”

  1. congeminações Diz:

    Pois minha cara amiga foi quanto a mim, o procedimento do polícia, face à sua reacção, uma prova cabal do exibicionismo da sua autoridade.
    Eu ao longo das minhas mais de 4 décadas de condução automóvel, fui diga-se em abono da verdade muito poucas vezes abordado por agentes de autoridade em fiscalização de trânsito. Mas dessas poucas vezes que fui por acaso tive a sorte de não me ter sido detectada qualquer irregularidade passível de autuação. As únicas multas que tive foi de estacionamento quando trabalhava em Lisboa. E até essas refutei-as sempre em carta dirigida ao comissário da brigada de transito da PSP o qual face aos meus argumentos não sei se muito convincentes me perdoava a multa, prevenindo-me sempre que, se tal voltasse a acontecer, isto é o automóvel estacionado em zonas não permitidas pelo Código da Estrada que não me voltava a perdoar. Tive pois em relação à sua pessoa melhor sorte em matéria de sanções no âmbito do Código da Estrada.

  2. Milu Diz:

    Olá Raul,
    Tive algumas multas das quais tenho a consciência que prevariquei. Paguei-as, pois que outro remédio não tive, no entanto, sempre que sinto que uma multa não é justa, também reclamo, porque no fundo, mais não estou a fazer do que a exercer a cidadania.Mas esta aqui paguei-a só para não me chatear, naquele tempo eram baratas, as multas. Hoje estão pela hora da morte! Caras! 😀

  3. lino Diz:

    Por isso é que eu não gosto de agentes da autoridade. Autoridade, a pata que os pôs.
    Beijinhos

  4. Zé do Cão Diz:

    Minha amiga, a minha primeira multa foi de 40$00 nem sei porquê. Todas as outras foram somente por estacionamento indevido. Tive algumas que davam para fazer um “post”, divertidas por sinal. Consegui safar-me a muitas, chegando mesmo a postar almoços com amigos em como conseguia dar a volta ao “Bófia”.
    Uma fez perdi a aposta… Quando fui almoçar para cumprir o combinado o amigo ganhador apresentou-se com o polícia, que vinha preparado para a comezana.
    Eram amigos…

    Beijocas

  5. Milu Diz:

    Olá Lino,
    A minha modesta opinião é que em todas as profissões existem pessoas que não prestam para a actividade, por vezes, nem disso damos conta, porque a falta de profissionalismo não nos atinge, pelo menos directamente. Quando isto acontece em profissões nas instituições, das quais o cidadão depende, é uma desgraça! É na Polícia, é na saúde pública é na justiça, enfim, um rol infinito de situações que se prestam para alguns poucos exercitarem os mais baixos instintos! Beijinhos.

  6. Milu Diz:

    Olá Zé,
    Ui! Também tenho outras multas bem castiças! Esta que contei foi propositadamente para encerrar o capítulo do carocha! Doravante já não falarei mais do carocha, está morto e enterrado! Uma vez ia a menina na estrada para ir a uma esplanada à beira da estrada, entornar uma ou duas imperiais, pelo caminho não parei num stop, fui logo multada em 1200 escudos, mas tive uma conversa com o polícia da brigada de trânsito tão agradável que até paguei a multa com gosto, palavra de honra! Não fossem os outros polícias, que com ele estavam, embora do outro lado da estrada e eu tinha-me safo desta! 😀 Tempos áureos aqueles! Beijinhos.

  7. António de Almeida Diz:

    Nunca apanhei com tal multa, já não posso dizer o mesmo de estacionamentos, excesso de velocidade e condução sem cinto de segurança, nos primeiros anos de carta foi pior, ultimamente tenho sido poupado, desde 2000 para cá levo “apenas” 2 multas.

  8. Milu Diz:

    Nos primeiros tempos, depois de tirar a carta fui multada várias vezes. Algumas foram de estacionamento proibido, bastava apetecer-me ir jantar fora e zás, estacionava o carro mesmo à porta do restaurante, recordo-me que paguei algumas multas assim, e no montante de 400 escudos. A minha última multa foi há mais de vinte anos e constou também de apreensão de carta, por excesso de velocidade. Fui multada a olho, sem qualquer recurso técnico, reclamei, claro, e foi diferido!

  9. martelo-polidor Diz:

    Ou tem alguma frequência ou foi coincidência… aconteceu-me “antigamente” algo parecido. Uma coisa é fazer cumprir a lei outra é levar ao ridículo e mesquinho o seu conteúdo. Faz falta formação e consciêcia…

    um abraço para o “calimero MIlu”

  10. oliver pickwick Diz:

    A “indústria da multa” é tão antiga como os moinhos de vento. Em certas temporadas, a autoridade decide que carece de melhorar a receita. E utilizar-se de meios injustos é só um detalhe.
    Mas este carocha deu trabalho, hein?
    Um beijo!

  11. Milu Diz:

    Olá Oliver! Também tive a impressão de que aquilo foi necessidade de apresentar serviço! Qualquer coisa servia! Realmente o carocha fez história comigo! 😀 Um beijo

  12. Milu Diz:

    Olá martelo!

    É sempre uma consolação sabermos que não somos os únicos na desgraça, embora pese o facto de esta minha afirmação não ser assim… como dizer… muito digna, já que devemos desejar o melhor para os outros! Mas, gaita, isso é pedir de mais! Ainda por cima, para piorar o estado das coisas, mais tarde vim a saber que o autor da multa era o chefe ou um dos chefes, sei lá! Mulher não percebe de divisas, por mim, podem-nas meter no bolso, já que as não sei catalogar, nem tenho qualquer interesse nisso! Portanto, com exemplos destes, vindos de cima, o que podemos esperar? Felizmente, hoje, a coisa fia mais fino!
    Um abraço!

  13. Lilás Diz:

    OLÁ
    O teu carocha é peça digna de museu! com tantas peripécias, e isto ainda em princípio de existência…agora é só esperar pela próxima,será?
    Bjs

  14. Milu Diz:

    Olá Lilás!

    Quanto ao carocha já é assunto arrumado, não me lembro de mais nenhuma história acerca dele, que ainda assim deve ter havido, naquele tempo acontecia-me de tudo! Beijinhos.

  15. flordeliz Diz:

    Vim ver se estava tudo bem por aqui…
    Deixo um beijinho

  16. Milu Diz:

    Olá!
    Obrigada pela atenção. Estou bem, o blog anda um bocadinho desactualizado por falta de tempo, mas prometo que vou esforçar-me para contar mais umas histórias aqui da menina! Um beijo.

  17. lilás Diz:

    truz,truz,está alguém em casa?
    Bjs,bom fim de semana

  18. Milu Diz:

    Olá, Lilás!
    Você é muito querida!
    Deste lado ainda palpita vida! Vou ver se hoje consigo dar um acorde de mim mesma! Às vezes temos fases em que andamos um pouco mais devagar, é o caso!
    Beijinhos!

  19. A. Moura Pinto Diz:

    Já nesse tempo a polícia era íntegra, não se deixando subornar… eheheheh!

  20. Milu Diz:

    Lá me fez rir! 😀
    Que bem preciso de rir!
    Não sei se foi mais integridade se necessidade… Pelo menos pareceu-me… Será que há um mínimo de multas, que um agente tem de apurar num determinado período de tempo?

  21. Curioso283 Diz:

    Por mero acaso tomei contacto com o seu Blog através do escrito “quem me dera parecer um anjo” tendo apreciado a ternura, fina ironia (em face da situação embaraçosa ali descrita) e estilo primoroso de escrita ali patenteados, infelizmente cada vez mais raros nos tempos que vão correndo…
    Ficarei certamente um dos seus visitantes assíduos.
    Mas diga-me: está ligada ao ensino no campo humanístico?

  22. Milu Diz:

    Olá Curioso 283,
    seja bem vindo a este meu modesto espaço, do qual fiz testemunha das minhas (des)venturas.
    A verdade é que não sou uma profissional do ensino nem nada que se lhe assemelhe. Tenho apenas o 12º ano, um gosto especial pela escrita e, como não poderia deixar de ser, pela leitura.
    O que se passa é que as palavras me são fáceis, facto que presumo dever-se aos livros que já li, que já devem perfazer umas boas centenas. Também tenho um tipo de sensibilidade especial, que me faz sentir tudo o que me acontece de uma forma intensa. Tudo cá fica, dentro de mim! Mas não pense, que as recordações de factos menos felizes me amarguram! Não, isso não acontece comigo. Porque o meu interior cresceu o bastante para saber compreender que uma vida é tanto mais rica quanto mais vivências experimentou, até as más, são precisas, para podermos evoluir e consolidarmos a nossa maneira de estar no mundo, porque cada um de nós está nele, conforme lhe apelou o instinto, penso eu.
    Falou-me que leu o meu texto, quando em criança manifestei, que muito gostaria de parecer um anjo. Pudera! Naquele episódio, eu tinha acabado de perceber que parecer um anjo era uma vantagem, porque os anjos são belos. E eu queria ser bonita, principalmente! Porque pura era eu, ainda que a minha figura estivesse nos antípodas daquelas imagens celestiais, sempre loiras e por vezes de olhos azuis, que estamos habituados a designar por anjos. Se soubesse todas as impressões que me ficaram dos tempos em que fui criança, até lhe custava a acreditar! E como é que eu desenvolvi o espírito crítico necessário para ainda tão criança, já saber fazer destrinças, que muitos adultos disso não são capazes? Demais a mais, tendo em conta que o meio que me rodeava, primava por uma profunda ignorância? Talvez fosse consequência das minhas leituras, porque enquanto lia apercebia-me doutras formas de viver, que absorvia sem me dar conta.
    Gostei da sua visita e do seu comentário e espero que por aqui apareça muitas mais vezes, para assim irmos “falando” da vida. 😀
    Milu

  23. Curioso283 Diz:

    Agradeço a sua simpática mensagem de boas-vindas.
    Acima diz a dada altura que “queria parecer bonita”… bem, não tive a oportunidade de a conhecer naquele tempo; só que já dei uma vista de olhos no seu blog, nomeadamente na secção “acerca de mim”… e pelo menos hoje, muito francamente, apesar dos 48 anos, não tem nada que se queixar sobre aquele aspecto.
    O mais provável terá sido que na ocasião a professora que assistia de fora à cena “dramática” não reparou bem em si. Estou a brincar.
    Mais uma vez obrigado e até breve

  24. Milu Diz:

    Olá Curioso

    A diferença é que hoje cuido-me, disfarço, ou melhor, escondo tudo aquilo que puder e que penso não me favorecer, por outro lado, tento realçar o que, porventura, possa ter de melhor. Mas naquela época não era assim. Ninguém tinha cuidados comigo, porque não havia tempo e porque as mentalidades eram outras, tacanhas, por assim dizer. De maneira que o meu aspecto era o de uma miúda ao Deus dará. Quando disse no post, que o meu cabelo era cortado à pedrada, porque era isso mesmo que parecia, eu disse a pura da verdade. Era como se tivessem sido cortadas madeixas de cabelo a esmo. Era o trabalho da cabeleireira que a minha mãe frequentava. Curiosamente não tenho ideia de ver esse mesmo aspecto na minha mãe. Talvez fossem só as crianças, nas quais a profissional se descuidava. Um dia a minha mãe foi à cabeleireira e levou com ela uma sobrinha minha e, já que ali estava cortou-se, também, o cabelo à menina. Quando eu a vi, a minha Petra, parecia eu, quando tinha a idade dela. Quedei-me paralisada a olhar para a criança e senti-me invadida por uma imensa onda de emoção. Ali estava, perante os meus olhos, aquilo que eu um dia tinha sido!
    Quanto à roupa parecia mesmo uma pequena matrafona. Como me vestia sozinha, no Inverno era menina para vestir umas calças por debaixo do vestido e cada qual da sua cor, só porque tinha frio nas pernitas, e lá ia assim, para a escola. Muitas gargalhadas dei sempre que via essas fotos. Mas se as visse num daqueles dias mais sombrios, que ocasionalmente nos deprimem chegava a sentir pena daquela menina da fotografia que me fitava com um olhar estranho, que era assim que ficavam as crianças quando não estavam habituadas a serem fotografadas. Mas foram estas e muitas outras circunstâncias que fizeram de mim a pessoa que sou hoje, e que gosto de ser!
    Obrigada eu e até sempre
    Milu

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