Obesidade – História

Publicado por: Milu  :  Categoria: Obesidade..., PARA PENSAR

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O ser humano se alimenta daquilo que deixa de viver. Já o espírito, daquilo que se sustenta a vida.

Luiz Gusthavo Corrêa de Souza

 

Tema: Considerações históricas sobre a Obesidade

 

 

“Como se sabe, o conceito de belo passou por muitas mudanças ao longo da história do homem. O registo mais antigo da obesidade como padrão de beleza é o da estatueta de pedra conhecida como Vénus de Willendorf. Encontrada nas margens do rio Danúbio, na Europa, foi produzida, segundo estudiosos, ainda no período paleolítico, ou seja, entre 20 e 30 mil anos antes de Cristo. A imagem obesa representada pela Vénus parece ter constituído um ideal de beleza por longo tempo, pois persiste nos períodos neolítico, pré-histórico e ainda em fases subsequentes.

Mais recentemente, há dados e documentos comprovando que modelos de beleza para escultores do Antigo Egipto, da Babilónia e da Grécia eram mulheres obesas com barrigas de grávida e coxas sempre grossas. A preferência era pela chamada genicóide, cuja obesidade se concentra na parte inferior do corpo: nos quadris, na barriga, nas coxas e nas pernas. A mulher com abdómen dilatado, redondo, largo, simbolizava o ideal de fertilidade e reprodução da espécie. O elogio da abundância originava-se provavelmente na dificuldade de sobrevivência nesse período, no qual o medo da fome e da miséria eram constantes. No Velho Testamento há várias referências à fome que judeus e outros povos da Antiguidade experimentaram, obrigando-os a migrações dos locais desérticos em direcção aos mais férteis. Então, tudo o que se relacionava com fertilidade e abundância era endeusado.

Textos posteriores sobre a fundação de tribos em Israel relatam grandes colheitas de grãos para impedir que a fome e a escassez voltassem. A disponibilidade de alimento ocasiona, então, o início do controlo alimentar colectivo, ou seja, a racionalização com vista ao futuro. Não podiam comer desordenadamente. Daí a política de distribuição selectiva de comida para a população, o que mais tarde seria instrumento de controlo e subjugação do povo.

Já na Roma Antiga começa a surgir preocupação com a obesidade, principalmente nas classes mais privilegiadas. As célebres matronas romanas, de classe abastada, mas muito conservadora, mulheres com peso acima do normal, eram o ideal de mãe que, acima de tudo, mantinha a família como pilar da sociedade.

Foi a época do matriarcado, que, em cima de uma moral profundamente rígida, levou Roma ao crescimento do seu domínio e império. Chegara a hora de colher os louros da riqueza acumulada, e as classes aristocráticas romanas começam, cada vez mais, a preocupar-se com a estética, com a beleza, com as festas. Eram celebrações de dois a quatro dias, as chamadas bacanais romanas, festas em honra de Baco, deus do vinho. Roma, que passa por um período áureo de riqueza, acabará vivendo uma época de decadência, até à queda do seu próprio Império.

É justamente neste período que as romanas aristocráticas mudam a sua postura. Começam a frequentar as termas, que antes eram um reduto masculino. A preocupação em manter um corpo em forma era uma tónica nas suas vidas. Por outro lado, as classes mais pobres da Roma Antiga continuavam dentro do padrão obeso. As mulheres mantinham o perfil tradicional do matriarcado, mantendo a sua alimentação muito calórica, com carnes e massas. As festas populares, sempre em torno de «mesas» repletas, serviam como incentivo para a manutenção desse padrão.

Já os gregos sempre foram muito diferentes dos romanos, muito devotados às artes, à cultura e à ciência. O seu ideal de beleza era norteado por uma concepção atlética e harmoniosa do corpo. Nomeadamente em Esparta, cidade grega ligada acima de tudo a actividades militares, a sociedade era austera, rigorosa com a conduta, com a saúde, com o corpo. Os jovens eram examinados nus uma vez por mês e todos os que ganhavam peso extra eram forçados a exercícios físicos para evitar a obesidade.

O grande filósofo Sócrates, por exemplo, dançava todas as manhãs para manter a forma.

Curiosamente, os povos da Polinésia consideravam a obesidade um sinal de distinção, de classe, de status. De acordo com antropólogos, essa característica permanece até hoje, já que existem tribos das ilhas locais em que a obesidade é cultivada.

Em várias partes do continente africano, as adolescentes chegam a ser enviadas a uma casa de engorda onde são preparadas para o casamento, porque não estão suficientemente gordas.

Entre os maioris, o mais admirável numa mulher é uma vulva gorda. Entre os padungs, o seio é a parte do corpo feminino mais valorizada: quanto mais caído mais bonito. Como se vê, o conceito de beleza varia. E muito.

Voltemos agora à evolução dos ideais da estética. Entre os séculos XVI e XVII, houve artistas que idealizaram mulheres gordas. Por exemplo, o grande pintor Rubens mostrou nos seus trabalhos as mulheres roliças, com coxas grossas, braços gordinhos, rostos redondos, com ar de madona. O mesmo vale para Renoir, já no século XIX, que retratou mulheres que, para os padrões actuais, são tidas como gordas. Ambos ofereciam uma visão romântica sobre aquelas modelos que povoavam os sonhos dos homens, deixando-os loucos ao mostraram parte de um tornozelo ou dos seios fartos.

Os ideais artísticos relacionam-se, certamente, de uma forma ou de outra, com padrões estéticos de sua época. Se as «gordinhas» eram endeusadas pelas artes plásticas, por que mudar a situação?

No entanto, a partir da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, as mulheres passam a ter participação mais activa na sociedade e, com isso, começam a ocorrer profundas mudanças nos conceitos de corpo e beleza. À medida que o sexo feminino passa a encontrar um novo lugar na sociedade, surgem as lutas pelas conquistas dos seus direitos, provocando os primeiros movimentos feministas. A mulher começa a ganhar terreno até na área política. Por isso, ocorre uma pseudo-masculinização. É o início de uma rebeldia pessoal contra aquela figura de dona de casa e mãe de família gordinha, que tinha como função principal fazer comida, tratar da casa, do marido, dos filhos e não olhar para si própria.

Com o tempo, esse processo de emancipação da mulher atravessa toda a sociedade, desembocando na revolução sexual da década de 1960. É a hora de a mulher descobrir o seu próprio eu, adaptando o seu corpo e a sua aparência aos novos tempos. Externamente, a mulher deixa de ser aquela figura «cosmetificada», com ares de boneca, e passa a emagrecer, preocupada em ficar semelhante ao seu principal concorrente, ou seja, ao homem. A modelo jovem e esguia toma o lugar da dona de casa feliz, como parâmetro da mulher bem sucedida, quer se mantém até hoje.

Numa pesquisa realizada recentemente nos Estados Unidos, 33 mil mulheres afirmaram que preferiam perder de 5 a 7 quilos a alcançar qualquer outro objectivo, o que nada mais é para além do resultado da campanha provocada pelos media sobre os padrões de beleza física. Neste aspecto, os novos padrões tornaram-se muito rigorosos a ponto de gerarem uma espécie de neurose colectiva contra a obesidade, levando as pessoas, sobretudo as mulheres, a cometer verdadeiras loucuras em busca de emagrecimento. Ou seja, se por um lado conquistámos o direito a uma nova imagem física, por outro acabámos por cometer verdadeiros atentados contra a saúde. É hora, pois, de procurarmos harmonizar beleza e equilíbrio orgânico.”

 

Bibliografia

MALAFAYA, M. Ana. (1994). Viver em Harmonia. Temas da Actualidade. Lisboa. pp. 29-34.