Que raio de distracção a minha!

Publicado por: Milu  :  Categoria: Que raio de distracção...

carro

No domingo passado fui protagonista de uma situação que podia ter-me causado um forte e feio embaraço, uma grande enrascada, por assim dizer! Nem é bom lembrar-me! Faz-me sentir um vazio no lugar do coração, tal e qual como nos sentimos quando apanhamos um terrível susto –  com o coração aos pés! À tardinha, um pouco antes de anoitecer, que nos tempos que decorrem acontece bastante cedo, devido às más condições climatéricas, ainda não tinha saído de casa, de modo que, estagnada numa incómoda onda de aborrecimento sentia-me lentamente a apodrecer, o que não me agradou! De rompante sacudi com vigor a malfadada inércia, pensei dar uma voltinha de carro, decidida a arribar ânimo tão morrinhento. E assim, lá me dispus a sair de casa para o chamado passeio dos tristes! Peguei nas chaves do carro e no saco preto do lixo. Quer queira quer não, apesar dos empenhados esforços, em conseguir o contrário, todos os dias o meu mirrado agregado familiar produz pontualmente o seu saco de lixo! Por vezes intrigada, quedo-me a pensar! Como pode ser possível que desta casa saiam mais coisas, neste caso  já transformadas, do que propriamente, aquelas que entram! Aparentemente assim parece ser! Pelo sim pelo não de uma coisa tenho a certeza, somos todos, cada um à sua maneira, uma infernal fábrica de fazer lixo! Mal saí da garagem desatou a chover num frenesim desalmado, impedindo-me de parar o carro para depositar o saco no contentor habitual, porém, não permiti que o inesperado percalço ensombrasse o já animado espírito, trataria disso mais tarde, noutro qualquer local, assim que a indesejada bátega amainasse. Confortável, de faces coradas pelo calor, andei às curvas, devagarinho e a estorvar o trânsito, a sofage ligada praticamente no máximo, como eu gosto de andar, desde que não leve comigo o meu filho,  quando isso acontece, os seus desesperados protestos perante a minha inclemência demoram a levar a melhor, no que ele se vinga, dando início a uma despudorada sessão de streptease, até ficar como o tarzan, de cuecas!  Perante as circunstâncias, logo o meu instinto de defesa, tão exarcebado, coitadinho,  entra em campo –  O menino está incomodado? Pois então que vá a pé! Dentro da lata mando eu! Ora essa! Desatinado, às tantas, num rápido assomo apodera-se do botão da sofage pondo fim ao meu deleite. E as coisas costumam ficar por aqui, mau grado meu, é preciso que se diga!

Assim que deixou de chover perscrutei por onde passava um lugar apropriado para me desfazer do miserável! Eis que me aparece mesmo a jeito um contentor subterrâneo, tal como mostra a figura!

contentor

A enorme tampa preta e redonda encontrava-se deslocada, parcialmente encostada de lado, de início pensei que seria por estar cheio, porém, num olhar mais apurado pude ver que não, por isso saí do carro, o chapéu-de-chuva enfiado no braço direito e a minha mala que não é bem mala, mas mais um género de sacola enfiada no braço esquerdo, na mão do mesmo braço o saco preto do lixo. Abeirei-me do contentor que ostentava a enorme bocarra escancarada e, num gesto largo, atiro com o braço esquerdo aliviando-me da carga! Voltei costas, mas, nesse preciso instante, estranhei a leveza dos braços! Olho para os ditos! No braço direito jazia pendurado o chapéu-de-chuva, no entanto, no outro braço, onde antes tivera a espécie de mala e o saco preto, não tinha nada! Com o coração nas mãos apercebi-me, atónita, que no afã de, finalmente, desfazer-me do lixo que me acompanhara no solitário passeio, portanto, do qual já estava farta, tinha despejado para as entranhas do contentor também a sacola, com o dinheiro, os documentos que normalmente nos acompanham para o todo o lado, cartões, o telemóvel do qual ainda faltam pagar duas prestações e os óculos de ver ao perto, sem os quais não posso fazer uma das coisas de que mais gosto – Ler! Num milésimo de segundo aproximei-me da medonha cratera e espreitei! O que vi fez-me retomar o ritmo normal das pulsações do meu angustiado coraçãozito, afinal, a quantidade de sacos contida no contentor já perfaziam uma altura tal que permitia, debruçada sobre o contentor e com o auxílio do chapéu-de-chuva virado ao contrário, pegar pela alça da sacola! Ninguém deu por nada! Desta vez levei a melhor sobre o maldito diabo! Nem o providencial guarda-chuva me faltou para me acudir nesta alhada!

Vejam só no que dão as distracções! Pelo caminho de regresso a casa entretive-me a atormentar a alma, levada por um insensato sentimento masoquista, imaginando o que poderia ter acontecido se o contentor estivesse praticamente vazio! Dei por mim a ver a cena – o desesperado telefonema para os bombeiros, o indiscreto carro de pirilampo a relampejar pelas redondezas e eu tolhida de vergonha, a tentar passar despercebida no escuro da noite! Os soldados da paz a mergulhar no hediondo poço ou talvez bastasse puxar o saco que o reveste, sei lá! Fosse como fosse teria sido uma  grande barraca! Tudo por causa de um estafermo saco de lixo!

guarda-chuva