Quando o padre me pediu um beijo!
Os sentidos me enganam algumas vezes, é possível que me enganem sempre!
DESCARTES
Na senda do que vem sendo habitual, de narrar factos da minha meninice que, por qualquer razão, me ficaram na memória, trago-lhes hoje uma história que nada tem a ver com a escola. Para variar vou falar de outras lides. Nasci numa família que cultivava para os filhos um tipo de educação cuja espinha dorsal se apoiava na tríade escola, catequese e missa. O normal seria que eu vivesse influenciada pelos valores cristãos e, de facto, assim parecia ser, até que pelos meus 13 anos de idade, impetuosamente, tomei as rédeas da minha vida, decidi cortar as castradoras amarras que me tolhiam o pensamento e a liberdade das minhas acções.
Recordo-me de um sábado em que me encontrava na Igreja com o intuito de me confessar. Por alguma razão, iria ter que comungar no Domingo, talvez fosse um daqueles dias emblemáticos para a Igreja. Escusado será dizer que ardia em impaciência, todos estes procedimentos eram tidos por mim como uma obrigação, não os fazia com convicção, como será fácil depreender.
As confissões tinham hora marcada, pelo que tive de esperar a minha vez. Quando só faltava uma senhora animei-me um pouco. Mais um instantinho e ficava despachada, pensei. Infelizmente nem tudo o que parece é.
Não havia meio da dita senhora abandonar o confessionário.
Sorrateiramente, olhei por cima do ombro à cata de qualquer vislumbre que me fizesse perceber o fim da demanda, mas para minha infelicidade, a confissão sem fim à vista prosseguia através da janelinha perfurada do confessionário. Conhecia bem a senhora. Nunca lhe conheci o marido, dizia-se que este a havia abandonado. O tempo foi passando, fui ficando ainda mais impaciente, ansiava ir para a rua inundada de sol, queria brincar, correr e saltar!
Na minha inocente mente de criança uma terrível ideia foi nascendo. Se a confissão demorava assim tanto, significava, então, que seriam muitos os pecados! Dediquei-me prazenteira ao exercício de tentar adivinhar o teor da sua confissão. Mas não tinha qualquer dúvida de que deveriam ser terríveis! Se não, para que estava ela ali há tanto tempo? Para matar o tempo entretive-me a imaginar as possíveis condenações.
Chegada a minha vez, ajoelhei-me onde antes havia estado a senhora, porém, nem sequer chegava à janelinha! O padre chamou-me para me ajoelhar num banquinho que se encontrava à sua frente, junto aos seus pés.
Assim que me aprontei, logo dei início ao desfiar do novelo formado pelos meus pecados, de uma forma bem despachada, já que tinha tudo encarreirado! Eram sempre os mesmos.
– Desobedeci à minha mãe, não fiz os trabalhos da escola, chamei nomes aos meus irmãos, disse mentiras, disse asneiras, roubei dinheiro ao meu pai, enfim, eram sempre 10 pecados, sabia-os de cor, normalmente enumerava-os pelos dedos das mãos! Depois de ter confessado o nono pecado empanquei! Segurando o dedo que correspondia ao último delito esforçava-me em vão por me recordar. Atrapalhada disse ao padre que me faltava um pecado, tinha-os contado e sabia serem dez! Nesta altura sorriu para mim e pediu-me um beijo. Bastante embaraçada estiquei-me e ele ofereceu-me a face onde pespeguei, contrariamente aos meus desígnios, um valente chocho! De súbito fiquei envergonhadíssima, com a impressão de que o beijo ecoou por toda a igreja! Aflita, olhei em redor temendo que alguém se tivesse apercebido. Não faltaria maledicência, lá se iam para os infernos os votos de fé dos falsos crentes, que são muitos. Para meu contentamento ninguém deu por nada. Embora eu sentisse que o episódio do beijo ao padre, não envolvia nada de menos digno, a verdade, porém, é que me incomodava sempre que disso me lembrava. Um dia alguém me disse, que o impulso sentido pelo padre quando me pediu o beijo, terá sido, apenas, um reflexo da comoção sentida perante a minha inocência, em contraste com a confissão da anterior senhora! Não foi preciso dizer mais, para que a imaginação se me começasse a borbulhar! Bom vou ficar por aqui, haja decoro, miúda!
Fevereiro 26th, 2009 as 0:06
Eu te absolvo…
Dez padres-nossos e 20 avé-marias. Porque desconheço o tal outro pecado. E ainda o quanto pecaste a pensar nas razões do beijo pedido pelo confessor.
Já agora: o crisma é assim como que o batismo reforçado. Porque àquele se vai sem que sobre ele tenhamos opinião. Água na tola, sal nos beiços, oléos na testa… e já está, por vezes com uma choradeira, por causa da água fria.
O crisma é para ver confirmado o que nos fazem à má fé no batismo. Embora, de certo modo, o contexto tb nos impurre para isso, sem grandes hipóteses de fuga. Era assim no meu tempo.
Mas, como é acto mais solene, tem que meter bispo.
Fevereiro 26th, 2009 as 13:55
Pois se o Crisma significa confirmar a nossa opção em relação a professar uma religião, direi que, mais uma vez, fiz a vontade dos meus pais e não a minha! Até uma dada altura fizeram o que entenderam, depois, mal abri os olhos, foi um sarilho! Nem sempre estivemos de acordo, tínhamos diferentes concepções das coisas! Quanto ao beijo ao padre mexeu um bocadinho com o meu pudor! Embora possa parecer que não, as crianças sentem muito pudor! Se os meus colegas tivessem sabido fartar-se-iam de gozar comigo. Quanto aos adultos ainda seria mais complicado. A maldade e a ignorância costumam ser um obstáculo para enxergar com clareza! Às tantas eu ficava conhecida no lugarejo como aquela que anda aos beijos ao padre! No fundo era este o meu medo, porque maldade não foi o que senti! 😀